Numa era em que quase tudo é software, empresas se voltam para o “hard”
Quase 15 anos após “o software devorar o mundo”, uma nova geração de empresas quer reconstruí-lo do zero

Em 2011, Marc Andreessen fez uma declaração provocadora que se tornaria profética: “o software está devorando o mundo”. Passada mais de uma década, ninguém discorda. O software dominou setores inteiros e se tornou parte essencial de praticamente todos os modelos de negócios.
Mas, enquanto o digital ganhava tração, alguns setores – os que não podiam ser facilmente “engolidos” por software – foram deixados de lado. E isso se refletiu claramente no fluxo de investimentos. Só em 2024, startups de inteligência artificial captaram US$ 131 bilhões em capital de risco. Já o investimento global em robótica, desde 2018, somou US$ 100,9 bilhões.
Por que essa disparidade? Simples: o software é eficiente, escalável, sem atrito – e, por um tempo, foi inspirador. Mas, nos últimos anos, fomos longe demais nessa aposta. O foco quase exclusivo em software nos fez perseguir obsessivamente eficiência e otimização, espremendo até o último centavo de produtividade e deixando o mundo físico em segundo plano.
Agora, um novo ciclo começa. Um novo tipo de empresa está emergindo, e sua missão não é lançar mais um app, mas sim reconstruir o mundo.
DO DIGITAL PARA O FÍSICO
Chame-os de "os novos industriais". São empresas e empreendedores que estão encarando de frente os grandes desafios estruturais, aqueles que o mundo digital tentou contornar.
De drones autônomos a cadeias logísticas de nova geração, passando por fábricas automatizadas e sistemas de defesa, essas organizações estão focadas em soluções reais, físicas e, muitas vezes, complexas.
Eles se inspiram na era industrial do passado, mas não são saudosistas. Estão impacientes com o presente. Sabem que o mundo puramente digital tem limites e querem algo mais substancial. Algo que envolva potência, movimento, matéria e design.
Porque, para essa nova leva de empresas, design não é enfeite. É direção. É o elo entre intenção e impacto.
DO "DESIGN OTIMIZADO" À ORIGINALIDADE RADICAL
Nos últimos 20 anos, o design serviu à eficiência: interfaces planas, onboarding rápido, padrões inteligentes. Mas essa busca por otimização custou caro: perdemos a capacidade de criar coisas originais. Os novos industriais querem resgatar essa "musculatura criativa".
Entre 2021 e meados de 2024, startups de tecnologia de defesa receberam US$ 130 bilhões em capital de risco. Grandes fundos como Sequoia, Andreessen Horowitz, Lux e Founders Fund ampliaram sua exposição a setores antes considerados “difíceis”, como defesa e hardware.
Empresas como Anduril, Epirus e Saronic estão desenvolvendo tecnologias que antes poucos ousavam tocar. Elas veem o design como parte da infraestrutura – essencial para o desempenho, não apenas para a estética.

Outras, como a Auger, estão reinventando a cadeia de suprimentos com interfaces que misturam complexidade operacional e fluidez de produto de consumo. Não é só software, é engenharia com alma de produto. As ferramentas parecem tão familiares quanto um smartphone e tão potentes quanto uma linha de montagem.
Este movimento não é apenas industrial – é também cultural. Em tempos de polarização, os novos industriais representam algo raro: uma força unificadora. Não pregam uma ideologia política, mas recuperam o espírito de inovação, engenhosidade e propósito claro.
O movimento já começa a ganhar palco. A conferência Reindustrialize 2025, realizada em Detroit, reuniu uma coalizão de investidores, tecnólogos, fabricantes e formuladores de políticas. O evento contou com nomes como Palmer Luckey (fundador do Oculus VR) e altos executivos do setor de defesa.
NOVOS INDUSTRIAIS E O PAPEL DO DESIGN
Neste novo ciclo, enxergar o mundo sob a ótica do design é essencial para resolver os maiores desafios do nosso tempo. Trata-se de criar soluções que não apenas funcionam, mas superam tudo o que veio antes.
para essa nova leva de empresas, design não é enfeite, é o elo entre intenção e impacto.
Os novos industriais não estão apenas desenhando produtos. Estão projetando empresas inteiras, sistemas completos e estratégias integradas. Do design de plataformas logísticas e veículos autônomos a armamentos eletromagnéticos e narrativas nacionais, tudo é pensado de forma coesa, com intenção clara.
O design torna-se, assim, motor de inovação. Ele reinventa setores negligenciados, transforma o que parecia inerte e viabiliza soluções para temas como segurança, automação, energia e até viagens espaciais.
O software quase devorou o mundo. Mas engasgou nos problemas difíceis – os físicos, os fundamentais. Agora, os que enfrentam esses desafios de frente – engenheiros, construtores, designers – estão prontos para retomá-lo.