O modelo de negócios da internet está afundando. Quem poderá salvá-la?

Com 90% do conteúdo prestes a ser gerado por IA, especialista propõe repensar o modelo digital e reconstruir a web em torno da qualidade, não do clique

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Brian O'Kelley 4 minutos de leitura

Se você tem a sensação de que a internet está diferente – mais confusa, desorganizada, difícil de navegar –, não é impressão sua. O sistema está se deteriorando em tempo real.

Pesquisadores preveem que, até 2026, 90% do conteúdo online será gerado por inteligência artificial. Enquanto o jornalismo de qualidade fica escondido atrás de paywalls, os feeds se enchem de ruído feito apenas para capturar atenção. A inovação que prometia democratizar a informação agora nos afoga nela.

Falo com conhecimento de causa: eu ajudei a construir essa estrutura. Como fundador da AppNexus (vendida à AT&T por US$ 1,6 bilhão) e ex-diretor de tecnologia da Right Media, criei parte da engrenagem que sustentou a publicidade digital. Esse sistema movimentou bilhões e financiou desde grandes redações até blogs de nicho. Mas, agora, esse motor está falhando.

VOCÊ VIROU O PRODUTO

O que aconteceu? Em vez de pagar pelo que realmente leu ou assistiu, o sistema publicitário transformou o usuário em mercadoria. Cada clique, busca e rolagem de tela passou a ser leiloado pelo maior lance. Você se tornou a moeda. E, quando o dinheiro passou a seguir seus dados (em vez da qualidade do conteúdo), o valor da informação real desapareceu do centro.

Os efeitos são visíveis: redações estão se fundindo ou fechando; vídeos e textos gerados por IA invadem o YouTube e os resultados de busca; a confiança na mídia e no ecossistema digital está em colapso. Anúncios nos perseguem pela internet, desinformação se espalha mais rápido que fatos e bilhões se perdem em fraudes. Parece o fim. Mas já vimos isso antes.

PADRÃO RECORRENTE

A internet sempre seguiu um padrão: quebra, entra em crise e depois é reconstruída, melhor do que antes. A Web 1.0 trouxe páginas estáticas e conexão básica. A Web 2.0 introduziu o conteúdo gerado por usuários e a interação social – não sem antes provocar alertas de que acabaria com a mídia tradicional. Cada transição pareceu catastrófica no momento em que acontecia.

o sistema publicitário transformou o usuário em mercadoria.

Lembra do início da era mobile? Navegar no celular era um suplício. Sites ilegíveis, anúncios cobrindo metade da tela, zoom constante. As empresas tentavam empurrar experiências de desktop para o celular até perceberem que o mobile precisava de sua própria estrutura.

Parecia tudo quebrado – até deixar de parecer. Hoje, com o celular sempre à mão, mal lembramos da transição.

UM NOVO CICLO

Estamos vivendo outra transição. Nossa atenção se fragmenta entre plataformas, telas e formatos. Buscamos informação e entretenimento em todos os lugares, e exigimos mais: acesso sem incômodo, qualidade sem custo, personalização sem invasão. A infraestrutura atual não foi feita para isso.

ícone de hiperlink da internet em forma de mão estilizada

A inteligência artificial agora está em tudo. É responsável pelo excesso de conteúdo nos feeds e nas buscas, mas também é a ferramenta que usamos para reconstruir o sistema. Estamos reorganizando nossas vidas ao redor dela – no trabalho, na busca por informação, no consumo de conteúdo.

Surge o que alguns chamam de “economia da IA agêntica”: uma era em que a IA atua como intermediária inteligente, capaz de raciocinar, planejar e agir para resolver problemas. Quando a infraestrutura da internet se adaptar a isso e a indústria repensar sua economia, ela voltará a funcionar.

AJUSTE DE ROTA

Novos modelos de remuneração estão surgindo – acordos de licenciamento, compartilhamento de receita, esquemas de “pagamento por rastreamento” – para garantir que produtores de conteúdo recebam por seu valor.

Ao mesmo tempo, empresas de IA, como a OpenAI, estão investindo em infraestrutura publicitária, reconhecendo que chats e assistentes de IA precisam de modelos sustentáveis além das assinaturas.

até 2026, 90% do conteúdo online será gerado por inteligência artificial.

Novas formas de segmentação baseadas em agentes de IA prometem eliminar o desperdício e a fraude que alimentam sites caça-cliques e conteúdos artificiais. Companhias como Scope3, usam “publicidade agente” para casar anúncios com temas e valores de conteúdo, sem depender de dados pessoais ou demográficos.

Experimente: copie uma página que você visitou, cole no ChatGPT e peça para criar um anúncio. Compare com o que realmente aparece no site. Provavelmente, o anúncio criado pela IA será melhor, e sem precisar do seu histórico de navegação.

Isso devolve o valor ao conteúdo, não ao usuário como produto. Publicações de qualidade são recompensadas; fazendas de conteúdo e sites fraudulentos perdem receita. São sinais de que a base econômica está sendo reconstruída.

O PONTO DE VIRADA

A promessa da internet não precisa morrer junto com seu declínio. Estamos em um ponto de virada: sabemos que a IA vai moldar a web. É inevitável. A questão agora é que tipo de sistema queremos construir com ela.

Se a economia da atenção monetizou a distração, a economia da IA agêntica pode monetizar a confiança. Podemos usar a IA para filtrar o ruído, não criá-lo. Podemos recompensar veículos que investem em apuração e reportagem original. Podemos conectar anúncios baseados em valores e interesses reais, não em perfis demográficos.

Ou podemos deixar a internet desmoronar, afundando no caos do conteúdo inútil ou se dividindo entre um mundo de paywalls e outro de lixo digital. Quem entender este momento e apostar em qualidade e confiança estará pronto para moldar o próximo capítulo. A internet que queremos ainda é possível. Só precisamos escolher construí-la.


SOBRE O AUTOR

Brian O’Kelley é cofundador e CEO da Scope3. saiba mais