O público vai perdendo confiança na mídia. IA seria o problema ou a solução?

Relatório do Instituto Reuters revela que o uso crescente de inteligência artificial em redações reduz a credibilidade junto à audiência

sinais binários sobrepostos a rosto de mulher
Créditos: Cottonbro Studio/ Pexels/ Torsten Asmus/ Getty Images

Pete Pachal 4 minutos de leitura

A transparência é um tema recorrente quando se fala no uso de inteligência artificial no jornalismo. E por bons motivos: afinal, o jornalismo sempre teve como missão lançar luz sobre o que acontece no mundo – e a IA, uma novidade cercada de desconfiança, exige o mesmo tipo de clareza.

Mas essa busca por transparência pode representar uma oportunidade de melhorar a confiança do público, uma coisa que anda em falta nos últimos tempos.

Um relatório recente do Instituto Reuters sobre o uso de IA na mídia revelou um padrão claro: quanto maior o envolvimento da tecnologia no processo jornalístico, menor o nível de confiança do público.

Apenas 12% dos entrevistados se disseram confortáveis com conteúdos totalmente produzidos por IA. Esse número sobe para 21% quando a maior parte é feita por IA, 43% quando é majoritariamente humana e 62% quando o conteúdo é totalmente humano.

A conclusão é evidente: se o objetivo é gerar confiança – e, no jornalismo, esse é sempre o objetivo –, o melhor é usar menos IA, não mais.

Ainda que existam pressões de mercado para incorporar essas tecnologias, os dados sugerem que isso pode custar a credibilidade junto ao público. O dilema é complexo, mas pode ser atenuado com transparência.

É essencial explicar com clareza o que a IA está realmente fazendo – por exemplo, analisando centenas de transcrições de vídeo para identificar temas relevantes, ou escrevendo um rascunho inicial com os “fatos brutos” que o repórter depois revisa e enriquece –, em vez de simplesmente rotular um texto como “feito com ajuda de IA”.

Essa transparência, quando bem aplicada, pode reduzir a perda de confiança e até fortalecê-la.

BASTIDORES DA NOTÍCIA

Se analisarmos o processo de criação de uma reportagem, o jornalista normalmente reúne pesquisas, entrevistas, documentos e seu histórico de cobertura sobre o tema. Ao escrever, ele seleciona as informações mais relevantes e aplica seu julgamento (moldado por sua experiência e pelo público-alvo) para construir a narrativa.

Essa etapa final é o que se poderia chamar de “lente” do repórter. Mas é apenas uma entre várias possíveis: alguém com outro histórico, prioridades diferentes ou maior familiaridade com o assunto poderia aplicar uma lente distinta. É uma espécie de “remix de conteúdo” – não no formato, mas na perspectiva.

Um podcast sobre as últimas notícias no setor de IA, por exemplo, pode destacar manchetes populares para o público geral, eventos de impacto no mercado para investidores ou avanços técnicos para desenvolvedores. Em todos os casos, talvez falem das mesmas coisas, mas enfatizando aspectos diferentes.

ilustração com pessoas à volta de uma grande tela de  computador

Por trás dessa diversidade de enfoques está também a questão da confiança. Muitos consumidores de notícias hoje desconfiam da mídia. Quando se examinam as críticas mais de perto, raramente elas dizem respeito aos fatos em si, mas à lente através da qual o repórter os apresenta.

É aí que ferramentas como o NotebookLM podem funcionar como uma janela para o processo jornalístico. Ao permitir que o público acesse o material bruto – entrevistas, pesquisas, fatos não editados –, os leitores podem compreender melhor como os jornalistas chegam às suas conclusões.

Nem toda reportagem, é claro, poderia ser feita assim. Jornalistas muitas vezes lidam com fontes confidenciais e informações sensíveis, o que impede uma abertura total. A omissão de trechos sigilosos é uma opção, mas pode aumentar a suspeita de quem já duvida da imprensa.

JORNALISMO INTERATIVO

Em alguns casos, porém, a IA pode ajudar a criar um novo tipo de jornalismo: mais transparente e interativo. Imagine se os leitores pudessem usar IA para navegar pelo mesmo conjunto de informações e tirar suas próprias conclusões.

Poucos leitores teriam tempo ou vontade de mergulhar tão fundo, mas, para os mais curiosos, seria uma camada fascinante. Nesse modelo, o jornalista se tornaria um curador de informação e o leitor, alguém capaz de aplicar sua própria lente.

Pesquisa apontou que quanto maior o envolvimento da IA no processo jornalístico, menor o nível de confiança do público.

Esse ciclo de interação pode beneficiar também o repórter. Ao destrinchar o próprio processo, ele passa a compreender melhor onde e como aplica sua lente e como diferentes perspectivas alteram a narrativa.

Essa consciência pode levá-lo a criar histórias mais sólidas e sensíveis às expectativas de públicos variados.

No fim, só saberemos se essa abordagem realmente reforça a confiança quando ela for colocada em prática. Trata-se de um experimento: transformar o jornalismo em algo não apenas para ser consumido, mas também para ser explorado e reinterpretado.

Seja um exercício acadêmico ou o embrião de um novo gênero, é um passo rumo a compreender como moldamos e somos moldados pelas lentes através das quais enxergamos as notícias.


SOBRE O AUTOR

Pete Pachal é jornalista e criador do podcast e da newsletter Media CoPilot, que trata de inteligência artificial e seus efeitos no jo... saiba mais