O público vai perdendo confiança na mídia. IA seria o problema ou a solução?
Relatório do Instituto Reuters revela que o uso crescente de inteligência artificial em redações reduz a credibilidade junto à audiência

A transparência é um tema recorrente quando se fala no uso de inteligência artificial no jornalismo. E por bons motivos: afinal, o jornalismo sempre teve como missão lançar luz sobre o que acontece no mundo – e a IA, uma novidade cercada de desconfiança, exige o mesmo tipo de clareza.
Mas essa busca por transparência pode representar uma oportunidade de melhorar a confiança do público, uma coisa que anda em falta nos últimos tempos.
Um relatório recente do Instituto Reuters sobre o uso de IA na mídia revelou um padrão claro: quanto maior o envolvimento da tecnologia no processo jornalístico, menor o nível de confiança do público.
Apenas 12% dos entrevistados se disseram confortáveis com conteúdos totalmente produzidos por IA. Esse número sobe para 21% quando a maior parte é feita por IA, 43% quando é majoritariamente humana e 62% quando o conteúdo é totalmente humano.
A conclusão é evidente: se o objetivo é gerar confiança – e, no jornalismo, esse é sempre o objetivo –, o melhor é usar menos IA, não mais.
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Ainda que existam pressões de mercado para incorporar essas tecnologias, os dados sugerem que isso pode custar a credibilidade junto ao público. O dilema é complexo, mas pode ser atenuado com transparência.
É essencial explicar com clareza o que a IA está realmente fazendo – por exemplo, analisando centenas de transcrições de vídeo para identificar temas relevantes, ou escrevendo um rascunho inicial com os “fatos brutos” que o repórter depois revisa e enriquece –, em vez de simplesmente rotular um texto como “feito com ajuda de IA”.
Essa transparência, quando bem aplicada, pode reduzir a perda de confiança e até fortalecê-la.
BASTIDORES DA NOTÍCIA
Se analisarmos o processo de criação de uma reportagem, o jornalista normalmente reúne pesquisas, entrevistas, documentos e seu histórico de cobertura sobre o tema. Ao escrever, ele seleciona as informações mais relevantes e aplica seu julgamento (moldado por sua experiência e pelo público-alvo) para construir a narrativa.
Essa etapa final é o que se poderia chamar de “lente” do repórter. Mas é apenas uma entre várias possíveis: alguém com outro histórico, prioridades diferentes ou maior familiaridade com o assunto poderia aplicar uma lente distinta. É uma espécie de “remix de conteúdo” – não no formato, mas na perspectiva.
Um podcast sobre as últimas notícias no setor de IA, por exemplo, pode destacar manchetes populares para o público geral, eventos de impacto no mercado para investidores ou avanços técnicos para desenvolvedores. Em todos os casos, talvez falem das mesmas coisas, mas enfatizando aspectos diferentes.

Por trás dessa diversidade de enfoques está também a questão da confiança. Muitos consumidores de notícias hoje desconfiam da mídia. Quando se examinam as críticas mais de perto, raramente elas dizem respeito aos fatos em si, mas à lente através da qual o repórter os apresenta.
É aí que ferramentas como o NotebookLM podem funcionar como uma janela para o processo jornalístico. Ao permitir que o público acesse o material bruto – entrevistas, pesquisas, fatos não editados –, os leitores podem compreender melhor como os jornalistas chegam às suas conclusões.
Nem toda reportagem, é claro, poderia ser feita assim. Jornalistas muitas vezes lidam com fontes confidenciais e informações sensíveis, o que impede uma abertura total. A omissão de trechos sigilosos é uma opção, mas pode aumentar a suspeita de quem já duvida da imprensa.
JORNALISMO INTERATIVO
Em alguns casos, porém, a IA pode ajudar a criar um novo tipo de jornalismo: mais transparente e interativo. Imagine se os leitores pudessem usar IA para navegar pelo mesmo conjunto de informações e tirar suas próprias conclusões.
Poucos leitores teriam tempo ou vontade de mergulhar tão fundo, mas, para os mais curiosos, seria uma camada fascinante. Nesse modelo, o jornalista se tornaria um curador de informação e o leitor, alguém capaz de aplicar sua própria lente.
Pesquisa apontou que quanto maior o envolvimento da IA no processo jornalístico, menor o nível de confiança do público.
Esse ciclo de interação pode beneficiar também o repórter. Ao destrinchar o próprio processo, ele passa a compreender melhor onde e como aplica sua lente e como diferentes perspectivas alteram a narrativa.
Essa consciência pode levá-lo a criar histórias mais sólidas e sensíveis às expectativas de públicos variados.
No fim, só saberemos se essa abordagem realmente reforça a confiança quando ela for colocada em prática. Trata-se de um experimento: transformar o jornalismo em algo não apenas para ser consumido, mas também para ser explorado e reinterpretado.
Seja um exercício acadêmico ou o embrião de um novo gênero, é um passo rumo a compreender como moldamos e somos moldados pelas lentes através das quais enxergamos as notícias.