O que a ascensão, queda e retorno dos NFTs nos ensinam sobre a bolha da IA

Após o colapso do mercado de NFTs em 2022, a tecnologia rapidamente saiu dos holofotes, mas nunca desapareceu

imagem ilustrativa de moedas digitais dentro de bolhas
Créditos: captura de tela via boredapeyachtclub.com / captura de tela cryptokitties.co / Freepik

Joe Berkowitz 6 minutos de leitura

O lançamento de um departamento de arte digital na tradicional casa de leilões Christie’s foi tão amplamente divulgado quanto o seu fechamento, anos depois, passou despercebido.

Em 11 de março de 2021, a Christie’s fez história ao se tornar a primeira grande casa de leilões a vender uma obra de arte em formato de token não fungível (NFT). O artista digital Beeple vendeu seu gigantesco mosaico "Everydays: The First 5000 Days" (Cotidiano: os primeiros 500 dias) por impressionantes US$ 69 milhões.

O negócio gerou centenas de manchetes e apresentou aquelas três letras – NFT – a milhões de curiosos e investidores de primeira hora. Foi a venda “vista em todo o mundo”, o tiro de largada de uma corrida do ouro digital.

Corta para o mês passado: a Christie’s encerrou discretamente seu departamento de arte digital. Como se o momento em que os NFTs pareciam o epicentro de cultura, tecnologia e comércio nunca tivesse acontecido.

Ainda assim, vale olhar mais de perto o que o rápido declínio dessa febre revela – especialmente à luz do que o mercado se tornou nos anos seguintes.

DA FEBRE À RESSACA

Para quem já esqueceu (ou nunca chegou a entender), os NFTs são certificados digitais únicos armazenados em uma blockchain, que comprovam a propriedade ou autenticidade de itens diversos, como obras de arte.

Diferentemente de criptomoedas como Bitcoin ou Ethereum, em que cada unidade é idêntica, os NFTs são únicos – daí o termo non-fungible, ou “não fungível”.

desenhos de bichinhos em formato NFT da coleção  Cryptokitties
CryptoKitty

A tecnologia começou a chamar atenção em 2017, com a chegada dos CryptoKitties. Criados na blockchain da Ethereum, eram gatinhos digitais animados que podiam ser colecionados, negociados e até “cruzados” para gerar novos personagens com traços herdados – uma mistura de arte e jogo que abriu caminho para todo um mercado.

Entre os projetos mais famosos, surgiu o Bored Ape Yacht Club (BAYC), lançado em abril de 2021. A coleção reunia 10 mil ilustrações exclusivas de macacos estilizados, cada um com uma “personalidade” distinta.

imagens da série de NFTs Bored Ape Yacht Club
Imagens da série de NFTs Bored Ape Yacht Club (Crédito: Reprodução/ Redes sociais)

Mas, ao contrário dos CryptoKitties, a Yuga Labs, criadora do BAYC, o vendeu como um clube de elite. Por cerca de US$ 190, os compradores ganhavam acesso a brindes, salas privadas no Discord e eventos exclusivos – além da sensação de pertencer a um círculo que incluía celebridades como Justin Bieber e Serena Williams, que passaram a exibir seus “macacos entediados” como símbolos de status.

Com o entusiasmo do público, o valor dos NFTs – e da própria Ethereum – disparou. Em poucos meses, alguns Bored Apes passaram de centenas para centenas de milhares de dólares. Investidores passaram a acompanhar seus preços como se fossem ações. No fim de 2021, o volume de negociação global de NFTs ultrapassou US$ 13 bilhões.

QUANDO TUDO DESMORONOU

No auge da popularidade, os NFTs estavam em toda parte – e podiam ser qualquer coisa. A banda Kings of Leon lançou um álbum em NFT; a produtora de Reese Witherspoon, Hello Sunshine, anunciou adaptações de NFTs para cinema e TV; o escritor Neil Strauss lançou um livro em NFT; e até uma coluna do "New York Times" sobre o tema foi vendida por US$ 560 mil.

Com tanto entusiasmo vindo de lugares tão influentes, qualquer pessoa que não embarcasse na onda podia se sentir uma boba. Mas os céticos logo se viram justificados: esses ativos digitais não eram o investimento sólido que os entusiastas mais barulhentos prometiam.

Com o entusiasmo do público, o valor dos NFTs disparou.

“Todo mundo pulou no trem dos NFTs, o que saturou o mercado muito rápido e gerou confusão e tédio – até porque os porta-vozes das empresas nem sabiam direito o que um NFT era”, afirma Omar Kholief, curador, professor e autor do livro "Internet_Art: From the Birth of the Web to the Rise of NFTs" (Arte na Internet: do nascimento da web à ascensão dos NFTs, em tradução livre).

Quando o Federal Reserve (o Banco Central dos EUA) começou a subir os juros em 2022 para conter a inflação pós-pandemia, a confiança dos investidores em criptoativos caiu. Somou-se a isso um colapso mais amplo no mercado, culminando na falência da empresa de criptomoedas FTX, em novembro daquele ano. O volume de negociação de NFTs despencou 97%.

prisão de Sam Bankman-Fried, da empresa de criptomoedas FTX
Prisão de Sam Bankman-Fried, da FTX (Crédito: Getty Images)

E as celebridades que exibiam orgulhosamente seus “macacos entediados”?

Em dezembro de 2022, quando a maioria dos tokens valia uma fração do preço original, vários nomes famosos – incluindo Snoop Dogg, Madonna e Post Malone – foram citados em uma ação coletiva contra a Yuga Labs. A acusação: participar de um esquema para “inflar artificialmente o interesse e o preço” dos NFTs, sem revelar compensações financeiras por seus endossos.

Mesmo antes da ação, as estrelas já haviam esfriado o entusiasmo. A febre dos NFTs desapareceu tão rápido quanto surgiu.

UM MERCADO MAIS MADURO

O colapso dos NFTs teve várias causas, mas o excesso de hype e a expansão descontrolada foram as principais. O que começou como uma fronteira promissora da propriedade digital virou uma máquina de especulação.

Em 2023, com a poeira baixando, ficou claro: uma imagem digital, por si só, não tem valor intrínseco. Hoje, o mercado se tornou menor, mas mais realista. Projetos de jogos exploram melhor o uso dos NFTs em seus mundos virtuais, enquanto marcas de luxo, como a Louis Vuitton, associam peças físicas (e caríssimas) a tokens digitais.

Jaqueta NFT criada por  Pharrell Williams para a Louis Vuitton
Jaqueta NFT criada por Pharrell Williams para a Louis Vuitton (Crédito: Louis Vuitton)

Ao mesmo tempo, novas regras vêm fortalecendo a infraestrutura cripto e tornando o ambiente mais seguro para os consumidores. Os NFTs agora circulam em volumes menores, entre públicos de nicho – e os especuladores migraram para modas como as meme coins.

Mas a principal lição talvez esteja fora do mercado cripto. O entusiasmo em torno da inteligência artificial segue um roteiro assustadoramente parecido.

No auge de 2021, os NFTs fizeram sucesso pela novidade, não pela utilidade. O mesmo ocorre agora com a IA.

A febre dos NFTs desapareceu tão rápido quanto surgiu.

Três anos após o lançamento do ChatGPT, o simples uso da expressão “com IA” já é tratado como sinônimo de inovação – mesmo quando o recurso acrescenta pouco (ou nada) ao produto.

Empresas e investidores apostam bilhões em projetos que envolvem IA, não necessariamente porque sejam inovadores, mas porque têm a sigla certa no nome. Como aconteceu com os NFTs, os executivos mais entusiasmados tendem a prometer mais do que a tecnologia pode entregar – afirmando, por exemplo, que a IA vai “curar o câncer” num futuro próximo.

Ainda assim, o fato de o mercado de NFTs ter sobrevivido à implosão da própria bolha é um lembrete importante. O “fim” dos tokens digitais pode acabar sendo apenas uma pausa – e não o último capítulo dessa história.


SOBRE O AUTOR

Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais