O que a ascensão, queda e retorno dos NFTs nos ensinam sobre a bolha da IA
Após o colapso do mercado de NFTs em 2022, a tecnologia rapidamente saiu dos holofotes, mas nunca desapareceu

O lançamento de um departamento de arte digital na tradicional casa de leilões Christie’s foi tão amplamente divulgado quanto o seu fechamento, anos depois, passou despercebido.
Em 11 de março de 2021, a Christie’s fez história ao se tornar a primeira grande casa de leilões a vender uma obra de arte em formato de token não fungível (NFT). O artista digital Beeple vendeu seu gigantesco mosaico "Everydays: The First 5000 Days" (Cotidiano: os primeiros 500 dias) por impressionantes US$ 69 milhões.
O negócio gerou centenas de manchetes e apresentou aquelas três letras – NFT – a milhões de curiosos e investidores de primeira hora. Foi a venda “vista em todo o mundo”, o tiro de largada de uma corrida do ouro digital.
Corta para o mês passado: a Christie’s encerrou discretamente seu departamento de arte digital. Como se o momento em que os NFTs pareciam o epicentro de cultura, tecnologia e comércio nunca tivesse acontecido.
Ainda assim, vale olhar mais de perto o que o rápido declínio dessa febre revela – especialmente à luz do que o mercado se tornou nos anos seguintes.
DA FEBRE À RESSACA
Para quem já esqueceu (ou nunca chegou a entender), os NFTs são certificados digitais únicos armazenados em uma blockchain, que comprovam a propriedade ou autenticidade de itens diversos, como obras de arte.
Diferentemente de criptomoedas como Bitcoin ou Ethereum, em que cada unidade é idêntica, os NFTs são únicos – daí o termo non-fungible, ou “não fungível”.

A tecnologia começou a chamar atenção em 2017, com a chegada dos CryptoKitties. Criados na blockchain da Ethereum, eram gatinhos digitais animados que podiam ser colecionados, negociados e até “cruzados” para gerar novos personagens com traços herdados – uma mistura de arte e jogo que abriu caminho para todo um mercado.
Entre os projetos mais famosos, surgiu o Bored Ape Yacht Club (BAYC), lançado em abril de 2021. A coleção reunia 10 mil ilustrações exclusivas de macacos estilizados, cada um com uma “personalidade” distinta.

Mas, ao contrário dos CryptoKitties, a Yuga Labs, criadora do BAYC, o vendeu como um clube de elite. Por cerca de US$ 190, os compradores ganhavam acesso a brindes, salas privadas no Discord e eventos exclusivos – além da sensação de pertencer a um círculo que incluía celebridades como Justin Bieber e Serena Williams, que passaram a exibir seus “macacos entediados” como símbolos de status.
Com o entusiasmo do público, o valor dos NFTs – e da própria Ethereum – disparou. Em poucos meses, alguns Bored Apes passaram de centenas para centenas de milhares de dólares. Investidores passaram a acompanhar seus preços como se fossem ações. No fim de 2021, o volume de negociação global de NFTs ultrapassou US$ 13 bilhões.
QUANDO TUDO DESMORONOU
No auge da popularidade, os NFTs estavam em toda parte – e podiam ser qualquer coisa. A banda Kings of Leon lançou um álbum em NFT; a produtora de Reese Witherspoon, Hello Sunshine, anunciou adaptações de NFTs para cinema e TV; o escritor Neil Strauss lançou um livro em NFT; e até uma coluna do "New York Times" sobre o tema foi vendida por US$ 560 mil.
Com tanto entusiasmo vindo de lugares tão influentes, qualquer pessoa que não embarcasse na onda podia se sentir uma boba. Mas os céticos logo se viram justificados: esses ativos digitais não eram o investimento sólido que os entusiastas mais barulhentos prometiam.
Com o entusiasmo do público, o valor dos NFTs disparou.
“Todo mundo pulou no trem dos NFTs, o que saturou o mercado muito rápido e gerou confusão e tédio – até porque os porta-vozes das empresas nem sabiam direito o que um NFT era”, afirma Omar Kholief, curador, professor e autor do livro "Internet_Art: From the Birth of the Web to the Rise of NFTs" (Arte na Internet: do nascimento da web à ascensão dos NFTs, em tradução livre).
Quando o Federal Reserve (o Banco Central dos EUA) começou a subir os juros em 2022 para conter a inflação pós-pandemia, a confiança dos investidores em criptoativos caiu. Somou-se a isso um colapso mais amplo no mercado, culminando na falência da empresa de criptomoedas FTX, em novembro daquele ano. O volume de negociação de NFTs despencou 97%.

E as celebridades que exibiam orgulhosamente seus “macacos entediados”?
Em dezembro de 2022, quando a maioria dos tokens valia uma fração do preço original, vários nomes famosos – incluindo Snoop Dogg, Madonna e Post Malone – foram citados em uma ação coletiva contra a Yuga Labs. A acusação: participar de um esquema para “inflar artificialmente o interesse e o preço” dos NFTs, sem revelar compensações financeiras por seus endossos.
Mesmo antes da ação, as estrelas já haviam esfriado o entusiasmo. A febre dos NFTs desapareceu tão rápido quanto surgiu.
UM MERCADO MAIS MADURO
O colapso dos NFTs teve várias causas, mas o excesso de hype e a expansão descontrolada foram as principais. O que começou como uma fronteira promissora da propriedade digital virou uma máquina de especulação.
Em 2023, com a poeira baixando, ficou claro: uma imagem digital, por si só, não tem valor intrínseco. Hoje, o mercado se tornou menor, mas mais realista. Projetos de jogos exploram melhor o uso dos NFTs em seus mundos virtuais, enquanto marcas de luxo, como a Louis Vuitton, associam peças físicas (e caríssimas) a tokens digitais.

Ao mesmo tempo, novas regras vêm fortalecendo a infraestrutura cripto e tornando o ambiente mais seguro para os consumidores. Os NFTs agora circulam em volumes menores, entre públicos de nicho – e os especuladores migraram para modas como as meme coins.
Mas a principal lição talvez esteja fora do mercado cripto. O entusiasmo em torno da inteligência artificial segue um roteiro assustadoramente parecido.
No auge de 2021, os NFTs fizeram sucesso pela novidade, não pela utilidade. O mesmo ocorre agora com a IA.
A febre dos NFTs desapareceu tão rápido quanto surgiu.
Três anos após o lançamento do ChatGPT, o simples uso da expressão “com IA” já é tratado como sinônimo de inovação – mesmo quando o recurso acrescenta pouco (ou nada) ao produto.
Empresas e investidores apostam bilhões em projetos que envolvem IA, não necessariamente porque sejam inovadores, mas porque têm a sigla certa no nome. Como aconteceu com os NFTs, os executivos mais entusiasmados tendem a prometer mais do que a tecnologia pode entregar – afirmando, por exemplo, que a IA vai “curar o câncer” num futuro próximo.
Ainda assim, o fato de o mercado de NFTs ter sobrevivido à implosão da própria bolha é um lembrete importante. O “fim” dos tokens digitais pode acabar sendo apenas uma pausa – e não o último capítulo dessa história.