O que a engenharia genética tem a aprender com Jurassic Park

A ciência e a tecnologia de manipulação de DNA continuarão a se sobrepor a qualquer consenso sobre como usar a tecnologia de forma ética e responsável?

Crédito: Jonathan Cooper/ Pexels/ Photoholgic/ Unsplash

Andrew Maynard 5 minutos de leitura

"Jurassic World: Domínio" é o entretenimento exagerado de Hollywood em sua melhor forma, com um enredo cheio de ação que se recusa a deixar a realidade atrapalhar uma boa história. No entanto, assim como seus antecessores, nos dá um sinal de alerta sobre a arrogância tecnológica.

O filme "Jurassic Park: Parque dos Dinossauros" (1993), de Stephen Spielberg, baseado no romance de Michael Crichton, não se furtou de lidar com os perigos do empreendedorismo desenfreado e da inovação irresponsável.

Tanto o livro quanto o filme abordam as preocupações quanto à tentativa de brincar de Deus com o código genético da natureza, que poderia levar a consequências devastadoras.

Essa preocupação é trazida à tona por um dos protagonistas, o dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum). Ele diz: “os cientistas estavam tão preocupados em descobrir se poderiam que não pararam para pensar se deveriam”.

No mais recente filme da franquia, a sociedade está começando a ver as consequências de inovações que foram, na melhor das hipóteses, mal concebidas. Elas levaram a um futuro em que dinossauros trazidos de volta à vida vagam livremente e o domínio da humanidade, como espécie, se vê ameaçado.

No cerne desses filmes estão questões mais relevantes do que nunca: será que os pesquisadores aprenderam a lição? Ou a ciência e a tecnologia de manipulação do DNA continuarão a se sobrepor a qualquer consenso sobre como usá-los de forma ética e responsável?

MANIPULANDO O GENOMA

O sequenciamento do genoma humano foi publicado com grande comoção em 2001. No entanto, as tecnologias da época eram caras e demoradas, fazendo com que a manipulação genética fosse um campo fora do alcance de muitos pesquisadores.

Conforme as tecnologias eram aprimoradas e novas surgiam, laboratórios menores – e até mesmo estudantes ou entusiastas – podiam experimentar mais livremente com o código genético.

"Os cientistas [de Jurassic Park] estavam tão preocupados em descobrir se poderiam que não pararam para pensar se deveriam.”

Em 2005, o bioengenheiro Drew Endy propôs que deveria ser possível trabalhar com DNA da mesma forma que engenheiros trabalham com componentes eletrônicos. Ele defendeu a criação de peças padronizadas, baseadas em DNA, chamadas “biobricks” que os cientistas poderiam usar sem precisar de um conhecimento aprofundado da biologia por trás da tecnologia.

Cientistas, engenheiros e até artistas começaram a tratar o DNA como um código biológico que poderia ser digitalizado, manipulado e redesenhado no ciberespaço, da mesma forma que fotos ou vídeos digitais. Isso, por sua vez, abriu as portas para a reprogramação de plantas, microorganismos e fungos, com o intuito de produzir medicamentos e outras substâncias úteis. 

A REVOLUÇÃO CRISPR

Em 2020, as cientistas Jennifer Doudna e Emanuelle Charpentier ganharam o Prêmio Nobel de Química por seu trabalho em uma nova e revolucionária tecnologia de edição de genes. Ela permite aos pesquisadores recortar e substituir com precisão sequências de DNA dentro dos genes: é o sistema CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, ou Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas, em português).

Mais do que qualquer avanço anterior em engenharia genética, o CRISPR permitiu que técnicas de codificação digital e engenharia de sistemas fossem aplicadas à biologia. Essa fertilização cruzada de ideias e métodos levou a avanços que vão do uso de DNA para armazenar dados de computador até a criação de estruturas de “DNA origami” em 3D.

O CRISPR também abriu caminho para os cientistas explorarem o redesenho de espécies inteiras – incluindo trazer de volta à vida animais extintos.

Cientistas, engenheiros e até artistas começaram a tratar o DNA como um código biológico que poderia ser manipulado, como fotos ou vídeos digitais.

Apesar dos benefícios potenciais da tecnologia, os “genes drives” (ou impulsores genéticos) levantam sérias questões éticas. Mesmo quando aplicados para conter ameaças à saúde pública, essas questões não são simples. E ficam ainda mais complexas ao se considerar aplicações hipotéticas em pessoas, como aumentar o desempenho atlético em gerações futuras.

MANIPULAÇÃO RESPONSÁVEL 

Por mais cauteloso que Michael Crichton fosse, era pouco provável que conseguisse prever os avanços em bioengenharia das últimas três décadas. Trazer de volta espécies extintas, embora seja uma área com intensas pesquisas, continua sendo extremamente difícil. No entanto, de muitas maneiras, as tecnologias atuais são substancialmente mais avançadas do que as do Parque dos Dinossauros.

Mas e quanto à responsabilidade?

Felizmente, as considerações da ética e do lado social da manipulação genética andaram de mãos dadas com os avanços tecnológicos e científicos. Em 1975, cientistas definiram regras e abordagens para garantir que pesquisas com DNA fossem realizadas com segurança.

Trazer de volta espécies extintas, embora seja uma área com intensas pesquisas, continua sendo extremamente difícil.

Desde o início, as dimensões éticas, legais e sociais da ciência foram incorporadas ao Projeto Genoma Humano. As comunidades de biologia DIY, também conhecida como biologia de garagem (em referência ao início da revolução informática), estão na vanguarda da manipulação genética segura e responsável. E a responsabilidade social é parte fundamental das competições de biologia sintética.

No entanto, à medida que a manipulação de genes avança e se torna mais acessível, é improvável que uma comunidade de cientistas e engenheiros bem-intencionados seja o suficiente para mantê-la ética e responsável. Mesmo com boas intenções, coisas ruins acontecem quando se combina tecnologias poderosas com cientistas que não foram treinados para pensar nas consequências de suas ações.

Talvez esta seja a mensagem central de "Jurassic World: Domínio": que, apesar dos incríveis avanços em engenharia genética, as coisas podem e vão dar errado se não a usarmos de maneira responsável.

A boa notícia é que ainda temos tempo para estabelecer definições claras sobre como os cientistas redesenham e manipulam o código genético. Mas, como o filme nos lembra, o futuro costuma estar mais próximo do que parece.


SOBRE O AUTOR

Andrew Maynard é professor de inovação na Universidade Estadual do Arizona. saiba mais