O que os filmes dos anos 80 acertaram sobre inteligência artificial

A década que nos trouxe “Blade Runner” e “O Exterminador do Futuro” fez muitas previsões sobre como a IA influenciaria nossas vidas

Créditos: Getty Images/ Valerie Loiseleux/ iStock

Joe Berkowitz 6 minutos de leitura

Muito antes de Spike Jonze levar ao extremo o conceito de se apaixonar por uma tecnologia no filme “Ela”, muitos já estávamos encantados com nossos dispositivos.

Mas a ideia de um futuro com inteligência artificial não se popularizou com este longa de 2013. Na verdade, isso aconteceu na era das calças de cintura alta, neon e gráficos de computador de oito bits. Sim, estou falando dos anos 80.

A variedade de usos da IA no entretenimento dos anos 80 revela que este foi o momento em que nossa paranoia e fascínio com essa tecnologia floresceram completamente. No entanto, algumas dessas representações se mostraram mais precisas do que outras.

O QUE O CINEMA ACERTOU SOBRE A VIDA COM IA

1. De fato, interagimos com IA o tempo todo

O mundo de 2015 retratado em “De Volta para o Futuro 2”, de 1989, era repleto de tecnologias inteligentes. Mesmo quando os filmes dos anos 80 erravam as previsões sobre as tecnologias específicas que surgiriam no futuro, ainda conseguiam capturar a essência do que estava por vir – principalmente, que a inteligência artificial estaria por toda parte.

De Volta para o Futuro 2, de 1989 (Crédito: Universal Pictures)

A presença da IA nesses filmes vai além dos eletrônicos de consumo, chegando ao âmbito profissional – onde delegacias são comandadas por “robocops”.

Embora ainda não tenha substituído muitos empregos em 2024, a inteligência artificial já se tornou predominante em áreas como vigilância e cibersegurança, além de ter se infiltrado em muitas outras.

Robocop - O Policial do Futuro, de 1987 (Crédito: MGM Studios)

2. Elas estão começando a se tornar mais conversacionais

Deixando de lado a semelhança questionável com o filme “Ela”, o GPT-4o é apenas a mais recente inteligência artificial falante a mexer seus “lábios” virtuais.

Os avanços em IA conversacional estão apenas começando, mas já estamos mais próximos dos replicantes de “Blade Runner” e do incorrigível KITT de “A Super Máquina” do que dos monótonos “bip-bips” de antes.

Seriado "A Super Máquina", de 1982 a 1986 (Crédito: NBC Universal)

3. Terceirizamos até tarefas criativas para IA

Um post viral no Twitter (atual X) do início do ano resumiu bem como muitos criativos se sentem em 2024: “quero que a IA lave a roupa e a louça para que eu possa fazer arte e escrever, não que ela faça arte e escreva para que eu possa lavar a roupa e a louça”.

No entanto, nem todos pensam assim. O advento da IA generativa, como o Sora, encontra defensores em Hollywood, mesmo que assuste muitos outros. A comédia “Amores Eletrônicos” previu o dia em que humanos com déficit de criatividade terceirizariam a criação de arte para a inteligência artificial.

Amores Eletrônicos, de 1984 (Crédito: MGM)

No filme, o desajeitado Miles dá instruções ao seu PC senciente Edgar para compor uma música que ele possa apresentar como sua para impressionar uma violinista. “Use palavras como ‘abraçar’, ‘segurar’, ‘beijar nos lábios’, ‘lágrimas no travesseiro’ – não importa, só precisam rimar”, diz o personagem.

Sem querer, ele previu como as pessoas usariam aplicativos como AIVA e Riffusion no futuro. Mas esses apps provavelmente não entregam resultados tão bons como Edgar.

4. A IA seria capaz de nos derrotar em videogames

Os videogames ainda estavam surgindo quando os filmes começaram a prever que a IA seria muito melhor neles do que os humanos. Em 1985, o mesmo ano em que o Nintendo foi lançado, o longa “D.A.R.Y.L.” mostrava um jovem robô derrotando facilmente seu irmão adotivo de 10 anos no game Pole Position.

D.A.R.Y.L., de 1985 (Crédito: Paramount Pictures)

Hoje, criar uma inteligência artificial que pode vencer humanos em qualquer jogo se tornou tão fácil que os cientistas do Google DeepMind passaram a desenvolver IAs que podem colaborar na jogabilidade.

A ideia de que algo como o Nintendo Power Line, um serviço em que podíamos ligar para um número e falar com uma pessoa que nos ajudaria a passar de fase, se torna mais antiquada a cada dia que passa.

5. Precisaríamos criar testes para detectá-la

Algumas das cenas mais famosas de “Blade Runner” envolvem o teste Voight-Kampff, que determina se um indivíduo é um “replicante” ou não. É como um teste de Rorschach (aquele em que a pessoa vê cartões com uma manchas escuras e diz com que acha que se parecem), só que nele existem respostas erradas – e responder errado é uma sentença de morte.

Blade Runner - O Caçador de Andróides, de 1982 (Crédito: Warner Bros.)

Nosso mundo pode não (ainda) estar repleto de replicantes, mas o que podemos gerar com inteligência artificial já é impressionante o suficiente para merecer ferramentas de autenticação.

Agora temos testes para determinar se a IA foi envolvida na criação de textos, roteiros de filmes, arte e vozes de pessoas – e, felizmente, eles são mais complexos do que a pergunta “qual dessas imagens contém um semáforo?” dos testes de robô.

O QUE OS FILMES ERRARAM (ATÉ AGORA)

1. As IAs seriam robôs humanoides
Os tecnothrillers dos anos 80 apostavam em IAs na forma de robôs que passavam por humanos. Embora a internet esteja cheia de bots, eles raramente aparecem na forma literal (sintética). Parece que os humanos estão muito mais confortáveis lidando com assistentes virtuais e, cada vez mais, com amigos que vivem em nossos celulares.

2. Elas teriam emoções humanas
Quando não está destruindo seu irmão adotivo no Pole Position, "D.A.R.Y.L." está ocupado experimentando emoções humanas. Ele parece mesmo assustado quando foge dos agentes do governo e alegre quando consegue escapar.

Roy, de "Blade Runner"

Embora a IA possa imitar emoções para pessoas carentes de empatia, elas tendem a não se envolver em crises existenciais quando confrotadas com a possibilidade de serem desmontadas, como no icônico monólogo do replicante Roy no final de Blade Runner.

3. Elas seriam capazes de pensamento e ação independentes
“Desculpe, amigo, me perdoe,” diz KITT antes de ejetar um indefeso David Hasselhoff do banco do motorista. Não é o resultado de uma programação prévia, mas uma decisão independente.

A super máquina foi abençoada com a capacidade de pensar e agir com autonomia. Vamos cruzar os dedos para que nenhuma IA no mundo real nunca tenha tanta liberdade.

4. As IAs tenderiam a ser manipuladores e malignas
Não havia muito otimismo nos anos 1980 sobre como a IA autoconsciente se comportaria. Tanto que, nos filmes, elas nunca pareciam agir no interesse da humanidade, como a

Crédito: Reprodução

Skynet que provoca um apocalipse nuclear em "O Exterminador do Futuro". 

As IAs da vida real ainda não demonstraram mau comportamento, mas as alucinações que elas geram às vezes chegam bem perto.

5. As máquinas escapariam ao nosso controle
O supercomputador WOPR (de War Operation Plan Response/ Resposta ao Plano de Operação de Guerra), em "Jogos de Guerra", é especificamente projetado sem um dispositivo de segurança, para que possa tomar a difícil decisão de lançar um míssil nuclear – o que um humano frágil poderia errar.

Jogos de Guerra, de 1983 (Crédito: United Artists)

Embora não pareça ter acontecido ainda na vida real, essa possibilidade é motivo de muita preocupação. 

Talvez a visão de tantos cenários de destruição da civilização nos filmes dos anos 80 tenha soado alarmes suficientes para garantir que eles não se concretizem na vida real.


SOBRE O AUTOR

Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais