O que se previa para o futuro há 50 anos e o que se tornou (ou não) realidade

Em 1974, 20 dos maiores pensadores do mundo tentaram prever como seria a vida em 2024. E erraram bastante

Crédito: CSA-Printstock/ iStock

Ted C. Fishman 5 minutos de leitura

Em 1974, a revista norte-americana “Saturday Review”, que completava 50 anos, lançou edições especiais comemorativas que refletiam sobre como o século 19 havia conduzido o mundo a um presente sombrio.

Na época, a sociedade enfrentava o escândalo de Watergate, o risco iminente de uma guerra nuclear, uma explosão demográfica que parecia ameaçar os recursos e a energia do planeta, entre outras crises globais.

Para fechar as comemorações, a revista apostou em uma edição mais ousada, repleta de previsões e ideias – algumas até excêntricas – sobre como seria o mundo meio século depois.

Uma dessas edições foi inteiramente dedicada a pensar em “como o mundo poderia recuperar sua confiança”. Elas foram organizadas por Norman Cousins, editor de longa data da revista, que também era um renomado intelectual – e talvez o maior otimista do país na época.

Recentemente, o otimismo de Cousins chegou à minha casa pelo correio. Um amigo editor encontrou uma cópia dessa edição especial e me enviou, pois sabia que, como alguém que escreve sobre o futuro, eu ficaria curioso para ver essas antigas previsões.

FUTURISTAS FAMOSOS

Cousins reuniu um time de grandes pensadores da época, incluindo Andrei Sakharov, Neil Armstrong, Jacques Cousteau, Isaac Asimov e Clare Boothe Luce (a única mulher do grupo). Alguns dos problemas que eles esperavam que a humanidade superasse foram de fato resolvidos, e essas preocupações deram lugar a outras.

Hoje, há preocupações com as epidemias de obesidade e os danos causados pelo excesso de combustíveis fósseis. Apenas duas das grandes empresas de petróleo e gás do mundo (Saudi Aramco e Exxon), são mais valiosas do que a Novo Nordisk, fabricante dos medicamentos para perda de peso Ozempic e Wegovy.

As nações agora entram em pânico com a queda mundial das taxas de natalidade, o encolhimento e o envelhecimento da população. Esta tendência, aliás, é uma que já analisei detalhadamente em dois livros focados no futuro. Previ que as taxas de natalidade em queda afetariam o mundo inteiro.

Crédito: Daniel V. Fung/ iStock

No entanto, não previ quantos adultos escolheriam não ter filhos, nem que milhões de jovens chineses com formação universitária, mas frustrados profissionalmente, prefeririam continuar desempregados por anos em vez de aceitar empregos que consideram abaixo de sua capacidade. Ou que eles continuariam dependentes dos pais, solteiros e sem filhos.

Certamente não previ que, nos Estados Unidos, a prosperidade e o baixo desemprego desestimulariam os jovens a frequentar a faculdade, ou que os "não escolarizados" alardeariam sua falta de formação acadêmica como uma virtude política e seriam exaltados como vanguardas da grande revitalização do país.

O CHOQUE DO FUTURO

As coisas que não previ não são nem de longe tão ousadas quanto algumas das visões malucas da equipe da "Review" em 1974.

Neil Armstrong, por exemplo, imaginava grandes comunidades humanas vivendo em um oceano de metano sob a superfície de Júpiter. Curiosamente, ele via essa possibilidade como uma visão positiva para 2024. Confesso que gostaria de ver algo assim... mas em um filme de Paul Verhoeven.

Andrei Sakharov, criador da bomba de hidrogênio soviética e futuro ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em 1975, também propôs maneiras de “retirar as pessoas de um mundo industrial superlotado e hostil à vida humana e à natureza”.

previsões de especialistas frequentemente falham, pois se baseiam em fatos atuais, assim como as previsões de IA.

Ele imaginava que o mundo de 2024 seria dividido em zonas industriais sombrias e cinturões verdes densamente povoados, onde as pessoas passariam a maior parte do tempo. No entanto, achava que a superfície da Terra não seria suficiente para sustentar uma população de sete bilhões – um cálculo que, no final, subestimou a realidade em cerca de um bilhão.

O mais perturbador é que a descrição de Sakharov sobre 1974 soa assustadoramente familiar ao nosso tempo. “Atualmente”, ele escreveu, “o mundo está se dividindo abertamente em grupos governamentais opostos e todos os perigos que ameaçam a humanidade estão aumentando de forma alarmante.”

Clare Boothe Luce, uma política conservadora e defensora do uso de LSD, que já havia sido dramaturga, deputada e embaixadora na Itália, escreveu sobre o progresso feminino que, segundo ela, parecia lento demais ao ser observado no contexto histórico.

Créditos: Philippe Bout/ Anton Maksimov 5642.su/ Unsplash

Em seu ensaio, Luce incluiu fotos de 18 mulheres de destaque nas artes, literatura, esportes e áreas intelectuais. É improvável que qualquer uma delas concordasse com a visão de Luce de que “a durabilidade da relação de superioridade masculina e inferioridade feminina é uma prova razoável de que isso, até agora, tem servido aos interesses da sociedade humana”.

Ela acreditava que a igualdade para as mulheres viria, mas demoraria mais de um século. “Relutantemente, recorro à minha bola de cristal”, escreveu. “Sinto dizer que a imagem que vejo não é a de uma mulher sentada na Casa Branca em 2024.” Talvez, se os outros pensadores convidados tivessem experimentado LSD, suas previsões também seriam surpreendentemente precisas.

FÉ NO FUTURO

Ultimamente, tenho buscado uma perspectiva sobre o futuro visitando as construções de novos data centers, que estão surgindo pelo país para atender ao crescimento da inteligência artificial.

Uma das previsões mais audaciosas que orientam investimentos e políticas atuais é a de que o mundo gastará mais de US$ 1 trilhão em infraestrutura de dados (Sam Altman, fundador da OpenAI, fala em até US$ 7 trilhões) para a próxima geração de computação, que poderia substituir previsões humanas por modelos preditivos operados por máquinas.

Hoje, há preocupações com as epidemias de obesidade e os danos causados pelo excesso de combustíveis fósseis.

Embora ninguém saiba exatamente para onde essa enorme capacidade computacional nos levará, o mundo está apostando alto nela. E isso faz minha imaginação parecer limitada e sobrecarregada.

Mas encontro algum consolo no otimismo de Cousins. Ele observou que previsões de especialistas frequentemente falham, pois se baseiam em fatos atuais (assim como as previsões de inteligência artificial).

Para Cousins, o que realmente o inspirava não eram as projeções que apenas extrapolam o presente, mas sim a inteligência emocional e o otimismo daqueles que usam seu conhecimento para romper com o passado.

Ele argumentava que previsões não captam o otimismo que as pessoas projetam para o futuro. Se um número suficiente delas acreditar que a espécie humana é inteligente e forte o bastante para enfrentar problemas globais em conjunto, concluiu ele, “as previsões pessimistas dos especialistas perderão seu poder de paralisar e intimidar. A maior tarefa da humanidade nos próximos 50 anos será provar que esses especialistas [pessimistas] estavam errados.”


SOBRE O AUTOR

Ted C. Fishman é membro da Chicago Mercantile Exchange e autor de "China, Inc." e "Shock of Gray". saiba mais