OpenAI e o fim do sonho de um negócio voltado à ciência, e não ao lucro

O laboratório de IA está abrindo espaço para lucros ilimitados, aumentando o temor de que a segurança fique em segundo plano

Crédito: Resource Database eIgor Omilaev/ Unsplash

Mark Sullivan 4 minutos de leitura

A OpenAI foi criada como uma organização sem fins lucrativos, com a missão de desenvolver uma inteligência artificial geral segura e voltada ao bem da humanidade.

Por um tempo, esse modelo fazia sentido. Mas, em 2019, uma descoberta mudou os rumos da empresa: escalar os modelos de IA – com mais dados, poder computacional e parâmetros – levava a melhores resultados.

Essa descoberta foi formalizada em um artigo publicado em 2020, intitulado “Scaling Laws for Neural Language Models” (Leis de escalonamento para modelos de linguagem neural), que redefiniu o futuro da OpenAI.

No mesmo ano, a empresa lançou o GPT-3, um modelo 100 vezes maior que o GPT-2. A Microsoft entrou como investidora. Fundos de capital de risco também passaram a apostar na OpenAI. Internamente, Sam Altman passou a ser visto como o líder capaz de transformar uma inovação científica em um negócio global – e altamente lucrativo.

Mesmo assim, a OpenAI ainda operava como uma organização sem fins lucrativos. Por isso, o anúncio feito nesta segunda-feira (dia 5) de que sua divisão comercial passará a funcionar como uma empresa de benefício público não chega a ser surpresa.

Pela nova proposta, a OpenAI continuará sendo uma empresa com fins lucrativos, controlada por uma fundação sem fins lucrativos. Altman já havia sinalizado no ano passado que queria separar a operação comercial da estrutura original da organização.

Sam Altman e outros executivos já deixaram claro que a geração de receita se tornou essencial.

“Decidimos manter o controle da OpenAI com a fundação sem fins lucrativos após conversas com líderes da sociedade civil e um diálogo construtivo com os procuradores-gerais de Delaware e da Califórnia”, escreveu Bret Taylor, membro do conselho da OpenAI, em um post no blog da empresa.

A novidade é que a divisão comercial deixa de ter um limite de retorno para investidores e passa a funcionar como uma empresa de benefício público. Isso significa que agora não há mais teto para os lucros de investidores e funcionários.

Abrir mão do modelo de retorno limitado também foi uma condição exigida nas duas últimas rodadas de investimento. Na mais recente – e a maior até o momento –, o SoftBank, principal investidor, impôs a mudança de estrutura até o fim de 2025. Os investidores estão dispostos a apostar alto, mas querem retorno à altura.

MUDANÇA PONTUAL

Altman e outros executivos já deixaram claro que a geração de receita se tornou essencial, já que construir modelos cada vez mais avançados exige investimentos gigantescos em infraestrutura e poder computacional.

A grande preocupação em relação a Altman é que, sob sua liderança, a empresa avance rápido demais no desenvolvimento de uma superinteligência artificial sem garantir testes de segurança adequados nem mitigar os riscos envolvidos. A nova estrutura como empresa de benefício público não deve reduzir esse temor.

“O anúncio da OpenAI é, na prática, um compromisso com a continuidade do que já existe, com pequenas mudanças pontuais”, disse Robert Weissman, copresidente da organização Public Citizen, em um comunicado.

Nova identidade visual da OpenAI com paisagem ao fundo
Crédito: OpenAI

“Com esse novo arranjo, a fundação sem fins lucrativos continuará no comando da parte com fins lucrativos, agora com direito a ações. Como a fundação nunca fez nada até hoje para restringir ou limitar a operação comercial, não há razão para acreditar que agora o fará .”

Elon Musk, um dos fundadores da OpenAI, abriu um processo contra a empresa alegando que ela abandonou sua missão original de desenvolver uma IA de nível humano para o bem coletivo.

A OpenAI, por sua vez, afirma que Musk – hoje dono de uma empresa concorrente de IA – está apenas tentando frear o avanço da organização. Ambas as afirmações podem ter um fundo de verdade.

Abrir mão do modelo de retorno limitado foi uma condição exigida nas duas últimas rodadas de investimento.

A OpenAI vai continuar lançando novos modelos em ritmo acelerado e vai manter em sigilo os detalhes técnicos de seus sistemas mais avançados.

O conselho da fundação sem fins lucrativos – que chegou a questionar o compromisso de Altman com a segurança e a demiti-lo brevemente no fim de 2023, por falta de transparência – agora é formado por membros mais alinhados aos objetivos do CEO. Esse mesmo conselho também vai receber uma fatia relevante das ações da nova empresa de benefício público.

A Microsoft ainda precisa aprovar formalmente a nova estrutura, mas tudo indica que dará sinal verde. Mesmo que a relação entre as duas empresas já não seja mais tão próxima como antes, a Microsoft ainda tem muito a ganhar com a valorização da sua participação na OpenAI.


SOBRE O AUTOR

Mark Sullivan é redator sênior da Fast Company e escreve sobre tecnologia emergente, política, inteligência artificial, grandes empres... saiba mais