Órgãos geneticamente modificados de porcos e o futuro dos transplantes

Crédito: Fast Company Brasil

Ruth Reader 4 minutos de leitura

Em um novo estudo, pesquisadores e cirurgiões da Universidade do Alabama Birmingham conseguiram transplantar com sucesso um rim de porco geneticamente modificado para o corpo de um humano com morte cerebral. Essa cirurgia contribui para um crescente corpo de evidências de que o xenotransplante – transplante de órgãos, células ou tecidos vivos vindos de outras espécies para seres humanos – pode funcionar. Seu uso para pacientes que precisam de rins pode estar mais próximo do que se pensava – ele pode se tornar realidade daqui a cinco anos.

No início deste mês, a Universidade de Maryland transplantou um coração de porco geneticamente modificado para um homem vivo de 57 anos. Até agora, seu corpo não rejeitou o órgão, o que também é um marco importante para os estudos. 

Em 2020, havia 91.099 pessoas em lista de espera para transplantes de rim, das quais apenas 22.817 conseguiram ser operadas, de acordo com dados da Administração de Recursos e Serviços de Saúde. A Dra. Jayme E. Locke, médica cirurgiã especializada em transplante abdominal da UAB e principal autora do estudo envolvendo o rim de porco, diz que “40% dos pacientes na lista de espera estarão mortos em cinco anos”.

É importante ressaltar, ela diz, que esses números não incluem os cerca de 800 mil indivíduos com insuficiência renal nos EUA, muitos dos quais sequer chegam à lista de espera de transplante. “O problema é ainda maior do que a lista de espera pode sugerir”, diz ela. “Queremos poder oferecer essa possibilidade a todos os pacientes que sofrem de insuficiência renal nos Estados Unidos e mundo afora.”

(Crédito: UAB)

No outono passado, cirurgiões da NYU Langone Health, em Nova York, conseguiram anexar rins de porco geneticamente modificados a um paciente sem função cerebral observável. Os rins produziram urina e não foram rejeitados durante as 54 horas em que o experimento foi conduzido.

Todos os três estudos usaram porcos geneticamente modificados oriundos da Revivicor, uma subsidiária da empresa de biotecnologia United Therapeutics, com sede na Virgínia.

(Crédito: cortesia da UAB)

A cirurgia da UAB foi realizada em setembro de 2021, alguns dias após a implantação inovadora da NYU. Pesquisadores da UAB implantaram rins de porco geneticamente modificados em um indivíduo com morte cerebral e monitoraram o corpo por 77 horas. Os rins pareciam saudáveis ​​e produziam urina.

UM TESTE PARA O MUNDO REAL

Existem algumas diferenças entre os xenotransplantes feitos pela UAB e pela NYU. Os rins de porco da NYU tiveram três modificações genéticas em comparação com as dez feitas nos rins de porco da UAB. Além disso, os pesquisadores da NYU anexaram os rins externamente, enquanto os pesquisadores da UAB transplantaram os rins de porco diretamente em um corpo humano. A UAB também monitorou seu paciente por 77 horas, embora esse intervalo de tempo esteja relacionado à forma como o paciente com morte cerebral foi capaz de continuar funcionando. Em ambos os casos, os pesquisadores conseguiram mostrar que os novos rins eram capazes de produzir urina. Um dos riscos de transplantar órgãos de porco para humanos é a infecção por retrovírus endógenos porcinos, mas a UAB conseguiu demonstrar que o sangue de seu paciente estava livre deles (A NYU ainda não publicou um estudo revisado por pares relacionado a esse aspecto).

(Crédito: cortesia da UAB)

Mas talvez o maior diferencial entre os dois estudos seja que o UAB realizou essencialmente um teste de como essa cirurgia poderia funcionar no mundo real. “Imitamos completamente o processo de transplante de humano para humano e realmente testamos operacionalmente nossa capacidade de realizar xenotransplante em um nível que seria considerado de grau clínico e apropriado para uma pessoa viva”, explica Locke, observando que o estudo levou mais de 18 meses antes da cirurgia e que foi orientado por reguladores.

Esse trabalho de preparação permitiu aos pesquisadores projetar seu protocolo de cirurgia para ser utilizável em futuros transplantes humanos. Os pesquisadores trabalharam com seu conselho de revisão institucional para desenvolver, por exemplo, o tipo de formulário de consentimento que será relevante se esse xenotransplante for usado para humanos vivos.

Jayme E. Locke (Crédito: cortesia da UAB)

A universidade está agora no processo de reunir os materiais necessários para um futuro ensaio clínico, que espera começar no final deste ano. A partir daí, começaria o cronograma para o potencial uso rotineiro de rins de porco geneticamente modificados em cirurgias de transplante. “Se tudo der certo e se pudermos iniciar nosso ensaio clínico de fase 1 ainda este ano, a previsão mais otimista é a de que a aplicação prática começaria em cinco anos”, calcula Locke.

Ainda há questões em aberto sobre como funcionará o transplante de rins de porco geneticamente modificados em humanos. Por meio de uma colaboração com a Revivicor, a UAB criou uma instalação livre de patógenos, onde cria seus porcos.

“Mas é irreal pensarmos que teremos uma instalação livre de patógenos perto de cada centro de transplante”, problematiza Locke. Ela também observa que o procedimento requer conhecimentos que precisarão ser ensinados, o que também levará tempo. Outra pergunta que paira no ar é: esses transplantes serão considerados de curto prazo, os chamados transplantes em ponte, ou eles resistirão ao teste do tempo? Locke espera que os futuros ensaios clínicos ofereçam uma resposta.


SOBRE A AUTORA

Ruth Reader é redatora da Fast Company. Ela cobre a interseção de saúde e tecnologia. saiba mais