Países ricos estão explorando as riquezas do espaço sideral e deixando os outros para trás

Créditos: The New York Public/ NASA/ Unsplash

Theodora Ogden 6 minutos de leitura

Satélites ajudam a transmitir para o mundo inteiro sinais de internet e televisão e são fundamentais para o Sistema de Posicionamento Global, mais conhecido pela sigla GPS. Eles contribuem com a previsão do tempo, ajudam cientistas a monitorar a degradação ambiental e desempenham um papel importante na tecnologia militar.

Países que não possuem seus próprios satélites dependem de outros para o fornecimento desses serviços. E aqueles que desejam ter sua própria infraestrutura de satélite veem as possibilidades se esgotando à medida que mais e mais deles tomam conta da órbita terrestre.

Sou pesquisadora na Universidade Estadual do Arizona e estudo o espaço e formas de fazer com que países em desenvolvimento possam ter acesso a ele. 

Hoje, há uma enorme desigualdade de acesso em relação a satélites. Em um futuro não muito distante, a extração de recursos da Lua e de asteroides pode contribuir ainda mais para esse desequilíbrio. Conforme mais políticas de exploração espacial surgem, há o risco de que essas desigualdades se tornem permanentes.

ONDE “ESTACIONAR” UM SATÉLITE

Graças à rápida comercialização, avanços tecnológicos e queda nos custos de satélites nos últimos anos, mais países podem desfrutar dos benefícios que o espaço oferece.

CubeSats são pequenos satélites, baratos e customizáveis, simples o suficiente para que até mesmo um estudante do ensino médio possa construí-los. Empresas como a SpaceX podem lançar um satélite como esse em órbita por um preço relativamente barato – a partir de US$ 1,3 mil por libra (uma libra pesa pouco menos de meio quilo). No entanto, há poucos lugares para “estacionar” novos satélites ao redor da Terra, e eles estão se esgotando rapidamente.

A altura ideal para colocá-los é em órbita geoestacionária, a cerca de 35,8 mil quilômetros da linha do Equador. Lá, o satélite gira na mesma velocidade que a Terra, permanecendo em um ponto específico em relação à superfície – o que é bastante útil para a telecomunicação e para a meteorologia.

Países e empresas privadas já reservaram a maioria das vagas orbitais, enquanto seus equipamentos ainda são construídos ou aguardam lançamento.

Existem apenas, ao todo, 1,8 mil “vagas” orbitais geoestacionárias e, em fevereiro de 2022, 541 delas estavam ocupadas por satélites ativos. Países e empresas privadas já reservaram a maioria delas, enquanto seus equipamentos ainda são construídos ou aguardam lançamento. Se, por exemplo, um país quiser colocar um satélite meteorológico em órbita sobre um ponto específico do Oceano Atlântico que já foi ocupado ou reservado, teria que lançá-lo a outra altitude, que não seria a ideal, ou contratar o serviço do país que ocupa aquele ponto.

As “vagas” orbitais são distribuídas por uma agência das Nações Unidas chamada União Internacional de Telecomunicações. Elas são gratuitas e concedidas por um sistema de “ordem de chegada”. Quando um satélite chega ao fim de sua vida útil, após cerca de 15 a 20 anos, o país pode simplesmente substituí-lo e renovar sua concessão de vaga. Na prática, permite que as mantenham indefinidamente. Países que já possuem a tecnologia necessária estão em grande vantagem sobre o resto do mundo.

Embora a órbita geoestacionária seja a ideal, existem muitas outras ao redor da Terra. Mas que também estão cada vez mais lotadas, agravando o problema de detritos espaciais.

A órbita baixa da Terra fica a cerca de 1,6 mil quilômetros da superfície. Nela, satélites se movem com grande velocidade em um ambiente altamente congestionado. Embora esta possa ser uma ótima órbita para satélites de imagens, não é a ideal para satélites de telecomunicação – como os utilizados para transmitir sinais de televisão, de rádio e de internet.

Mas também pode servir para esse fim por meio de uma constelação de satélites. Empresas como SpaceX e Blue Origin estão trabalhando em projetos para lançar milhares de satélites em órbita baixa nos próximos anos para fornecer internet a todo o mundo. A primeira geração do Starlink da SpaceX consiste em 1.926 satélites. A segunda lançará outros 30 mil em órbita.

Os principais players espaciais estão ocupando cada vez mais órbitas geoestacionárias e baixas, criando assim um monopólio em relação ao acesso a importantes recursos de satélite e aumentando o volume de lixo espacial.

ACESSO A RECURSOS NO ESPAÇO

O domínio das vagas orbitais por certos países escancara uma enorme desigualdade tecnológica e de acesso. Uma corrida por recursos em que vários ficarão de fora.

Os principais players espaciais estão criando um monopólio em relação a recursos de satélite e aumentando o volume de lixo espacial.

Asteroides abrigam quantidades surpreendentes de minerais e metais valiosos. Ainda este ano, a NASA enviará uma sonda para explorar um asteroide chamado 16 Psyche, que os cientistas estimam conter mais de US$ 10 quintilhões em ferro. Explorar enormes depósitos de recursos como este e transportá-los para a Terra pode impulsionar a economia de países que exploram o espaço, ao mesmo tempo em que atrapalha a daqueles que dependem da exportação de minerais e metais.

Outro recurso bastante valioso no espaço é o hélio-3, uma forma rara do gás que cientistas acreditam que poderia ser usada na fusão nuclear sem produzir resíduos radioativos. Apesar de haver obstáculos tecnológicos consideráveis a serem superados antes que o hélio-3 seja uma fonte de energia viável, há depósitos na Lua e em outros lugares do sistema solar suficientes para atender as necessidades energéticas da Terra por vários séculos. Caso países desenvolvam a tecnologia para usar e extrair hélio-3, mas decidam não compartilhá-la com outras nações, isso pode resultar em uma desigualdade ainda mais atenuada e duradoura.

As leis espaciais internacionais não são adequadas para lidar com a complexa rede de empresas privadas e nações que competem por recursos no espaço.

As leis espaciais internacionais não são adequadas para lidar com a complexa rede de empresas privadas e nações que competem por recursos no espaço. Diversos países estão se organizando em grupos – ou “blocos espaciais” – para definir objetivos e regras para futuras missões espaciais. Os dois principais blocos estão planejando missões para estabelecer bases e operações de mineração na Lua: os Acordos de Artemis, liderados pelos EUA, bem como esforços conjuntos entre China e Rússia.

Neste momento, os maiores players estão criando normas para a exploração de recursos. Mas existe o risco de que, em vez de estabelecer regras para garantir o melhor para todos, a corrida para recursos espaciais seja o foco dessas decisões, prejudicando o ambiente espacial e causando conflitos. A história comprova que é extremamente difícil alterar normas internacionais já estabelecidas.

Segundo o Tratado do Espaço Sideral de 1967, documento que fundou a lei espacial, o espaço deve ser explorado “em benefício e atendendo aos interesse de todos os países”. Mas tudo isso depende das políticas que estão sendo desenvolvidas hoje.


SOBRE A AUTORA

Theodora Ogden é pesquisadora da Interplanetary Initiative na Universidade Estadual do Arizona e analista de segurança e defesa na Ran... saiba mais