Para esta consultora, leis sobre dados têm tudo a ver com a queda dos mercados
Membro do Conselho de Risco e Cibersegurança da NASDAQ, Dominique Leipzig quer que empresas coloquem os dados no centro da estratégia
Foi um ano de muita volatilidade para os mercados. Em meados de junho, o índice S&P 500 caiu 3,3% e chegou a 23%, seu menor patamar desde dezembro de 2020. Especialistas atribuem isso à inflação, problemas na cadeia de suprimentos e altas taxas de juros.
Mas, de acordo com Dominique Shelton Leipzig, membro do Conselho de Risco e Cibersegurança da Nasdaq, há outro fator que influencia a queda do mercado: as mudanças na privacidade dos dados. Em 2021, estados norte-americanos propuseram ou aprovaram 27 projetos de lei de privacidade de dados, um aumento considerável comparado ao ano de 2018, quando havia apenas dois.
A Fast Company conversou com Leipzig, advogada da Mayer Brown, sobre a relação entre a privacidade de dados e os mercados, e o que as empresas podem fazer em resposta às mudanças. Esta entrevista foi levemente editada para maior clareza.
Vamos direto ao ponto. Na sua visão, qual a relação entre a privacidade de dados e a queda dos mercados?
Começamos a perceber isso no setor de tecnologia. Em uma teleconferência de resultados em fevereiro, havia uma plataforma específica com um trilhão em valor de mercado. Devido às mudanças na privacidade dos dados do usuário – como, por exemplo, a opção de permitir que aplicativos os rastreiem ou não –, 85% negaram o acesso. Isso causou uma perda na receita de publicidade anúncios e teve impacto em todo o setor, não apenas na empresa. No final do primeiro trimestre, a Nasdaq perdeu US$ 1,3 trilhão em valor de mercado.
O ecossistema de publicidade digital é um negócio de US$ 400 bilhões. Quando se tornou menos preciso, fez com que o dinheiro da publicidade migrasse para vários outros setores. Não são apenas as empresas de tecnologia que investem em publicidade digital. Serviços financeiros, por exemplo, investiram pouco mais de US$ 20 bilhões no ano passado, enquanto varejistas gastaram mais de US$ 30 bilhões em marketing digital.
Essas mudanças causaram uma liquidação no mercado, o que resultou na perda de US$ 1,3 trilhão que vimos. Certamente há outros fatores que contribuem, como os problemas na cadeia de suprimentos, a guerra na Ucrânia e a Covid-19. Mas o que impulsionou tudo isso, em fevereiro, foi a privacidade dos dados.
Como as empresas podem encontrar um equilíbrio entre garantir a privacidade de seus clientes e obter os dados que necessitam?
Acredito que a liderança de dados é fundamental nesse processo. Durante a pandemia, li uma estatística de que estamos gerando diariamente, em todo o mundo 2,5 quintilhões de bytes de dados – são 18 zeros. Isso inclui de tudo, de geladeiras a carros conectados à internet, comandos por voz, wearables (tecnologia vestível), serviços online de saúde, serviços financeiros etc.
Mesmo que os dados não apareçam no balanço patrimonial, é importante que líderes, executivos e diretores os considerem como um ativo que impacta seus resultados.
As empresas precisam começar a refletir sobre quais dados são necessários para atingir seus objetivos de curto e longo prazo e, então, pensar estrategicamente quais medidas serão indispensáveis para conquistar a confiança dos consumidores. Por fim, precisarão desenvolver mecanismos de transparência e comunicação.
Que medidas concretas você aconselharia as empresas a tomarem?
Acho que a primeira coisa que elas precisam entender é que a privacidade dos dados não é mais uma questão de compliance, é um imperativo para negócios. Precisamos de pessoas com conhecimento sobre dados e profissionais com conhecimento sobre estratégia. Hoje, esses campos não estão conectados e isso gera, por exemplo, multas de nove dígitos. As empresas não têm mais tempo a perder. É algo que está prejudicando nossos mercados na ordem dos trilhões. E que requer atenção imediata.
A segunda coisa é refletir urgentemente sobre sua estratégia. Quais dados precisam para que seja bem-sucedida? Como esses dados serão compartilhados e o que farão para protegê-los? A partir daí, uma série de medidas podem ser tomadas. É possível que percebam que coletam mais do que é necessário – algo que acontece com muitas empresas. Assim poderão se concentrar em como coletar apenas o essencial.
Estou ansiosa para ver as empresas da Fortune 500 assumirem um papel de liderança e entenderem que seus dados são seu maior ativo.