Pesquisas ampliam as possibilidades de tratamento por edição genética
A biotecnologia que está no centro de um novo tratamento para a doença falciforme pode revolucionar a medicina, a agricultura e outros setores
2023 foi o ano em que a técnica de edição genética CRISPR saiu dos laboratórios e chegou ao conhecimento do público. A Food and Drug Administration (agência reguladora de alimentos e remédios dos EUA) aprovou recentemente a primeira terapia CRISPR de edição de genes, Casgevy (ou exa-cel), um tratamento da CRISPR Therapeutics e da parceira Vertex para pacientes com doença falciforme.
Essa decisão veio na esteira de um sinal verde similar dos órgãos reguladores do Reino Unido, em um momento histórico para uma tecnologia de edição de genes cujas bases foram lançadas na década de 1980 e que acabou culminando em um prêmio Nobel de Química de 2020 para as cientistas pioneiras da CRISPR, Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier.
Essa lacuna de décadas entre a centelha científica inicial, o amplo reconhecimento acadêmico e, agora, a entrada no mercado de uma possível cura para doenças do sangue – como a doença falciforme, que aflige centenas de milhares de pessoas em todo o mundo – diz muito.
Respaldadas por esse histórico, as técnicas mais recentes de edição de genes CRISPR, que estão sendo estudadas atualmente, têm o potencial de tratar doenças que vão desde o câncer e a distrofia muscular até doenças cardíacas, além de criar animais e plantas mais resistentes, capazes de enfrentar as mudanças climáticas e novas cepas de vírus mortais.
Elas podem até mesmo revolucionar o setor de energia, ajustando o DNA bacteriano para criar biocombustíveis mais eficientes nas próximas décadas.
Com a ajuda de outras tecnologias, como a inteligência artificial, os novos usos da CRISPR podem possibilitar uma edição de genes ainda mais precisa e direcionada – acelerando, por sua vez, as descobertas futuras com implicações para praticamente qualquer setor que dependa de material biológico, da medicina à agricultura e à energia.
Com novas descobertas de CRISPR orientadas por IA, mais especificamente, "podemos expandir a gama de recursos disponíveis para edição de genes, o que é crucial para aplicações terapêuticas, de diagnóstico e de pesquisa. Mas também é uma ótima maneira de entender melhor a vasta diversidade dos mecanismos de defesa microbiana", afirma Feng Zhang, outro pioneiro do CRISPR, biólogo molecular e membro do núcleo do Broad Institute do MIT e de Harvard.
Esses mecanismos de defesa são usados pelas bactérias para afastar patógenos inimigos, como os vírus, cortando seu DNA e criando uma resposta imunológica. Eles são também a base dos sistemas de edição de genes CRISPR modificados, como o sistema CRISPR-Cas9 que Casgevy usa para cortar os genes defeituosos que causam a doença falciforme.
BIODIVERSIDADE
Mas esse é apenas um exemplo de CRISPR. Uma infinidade de outros sistemas, desde os que já estão sendo testados na clínica até aqueles que ainda não foram identificados por bactérias em diferentes ambientes, podem oferecer aos cientistas novos caminhos para a edição de genes para uso médico, agrícola ou industrial.
"O sistema Cas9, que é o mais avançado em termos de aplicações clínicas, é apenas um dentre os diversos tipos diferentes de sistemas CRISPR. Cada um deles tem atributos exclusivos que podem ser úteis em diferentes aplicações", explica Zhang.
as técnicas mais recentes de edição de genes CRISPR têm o potencial de tratar desde câncer até doenças cardíacas.
É nesse aspecto que a IA pode dar aos pesquisadores um impulso algorítmico. Em novembro, Zhang e uma equipe de cientistas anunciaram que haviam descoberto uma "fonte" de novos tipos de sistemas CRISPR.
Os pesquisadores usaram um algoritmo para vasculhar bancos de dados genômicos de bactérias encontradas em tudo, de cervejarias a minas e saliva de cães. Eles identificaram 188 tipos de sistemas CRISPR raros e não descobertos anteriormente em bactérias com potencial para estimular métodos de edição de genes mais seguros, mais direcionados e precisos na medicina humana e em outras áreas.
"Uma das lições que tiramos desse estudo é a importância da biodiversidade", diz Zhang. "Os novos sistemas que encontramos vieram de amostras ambientais de todo o mundo. Nessas amostras, descobrimos muita biologia nova e interessante. Esperamos que essa seja a semente para futuras ferramentas e terapêuticas eficazes."