Plataforma conecta mulheres das artes visuais e cria diretório de talentos
Sororidade para crescer no mercado. Essa ideia poderia ser aplicada à transformação de um programa de mentoria destinado a mulheres das artes visuais, que nasceu no Zoom em 2020, para uma plataforma que oferece serviços mais robustos, com aulas, modelos de contratos de trabalho, fóruns e um diretório de talentos. Criado por Marina Bortoluzzi, curadora e pesquisadora de arte, o projeto Women On Walls (WOW) está com uma nova roupagem: é agora uma femtech.
Com lançamento previsto para este mês de abril, a startup voltada para mulheres traz o conceito de colaboração e pretende ser uma plataforma internacional, com conteúdo trilíngue (português, inglês e espanhol). Com o material que já tem produzido – e que constava no programa – e mais o conteúdo que será gerado pelas novas usuárias, a intenção é valorizar e dar visibilidade a mulheres que se dedicam às artes visuais, desde as que têm nomes conhecidos até as que estão começando e buscam inspiração nas profissionais já estabelecidas.
Publicitária de formação, Marina tem especialização em cool hunting pela escola Polimoda, de Florença, estudou arte contemporânea no MAM e no Masp e curadoria artística no centro universitário Belas Artes, três instituições da capital paulista. Atuou como pesquisadora de tendências e planejamento no mercado de agências de publicidade. Mas há 11 anos deu uma guinada na vida profissional com o surgimento do Instagrafite, um perfil no Instagram com foco nas artes urbanas que tinha sido criado pelo também publicitário Marcelo Pimentel, junto com ela.
O que parecia ser um hobby virou uma empresa em 2013, com Marina e Marcelo como sócios. Hoje o Instagrafite presta consultoria e faz curadoria de projetos envolvendo arte contemporânea. Entre os projetos de que participou está um que ganhou, em 2019, um Grand Prix no Cannes Lions, festival de criatividade que representa o Oscar da publicidade. É o case “Air Max Graffiti Stores”, criado pela agência AKQA São Paulo para a Nike, que celebrou o modelo Air Max e que teve tênis customizados a partir do trabalho de quatro artistas urbanos de São Paulo.
MAIS VISIBILIDADE PARA AS ARTISTAS
Com o interesse do mercado de comunicação e a reputação conquistada no mundo das artes visuais, Marina passou a se incomodar com a falta de um conhecimento maior das mulheres que atuam nesse campo. Onde elas estavam? Notou que as artistas não apareciam tanto quanto os artistas.
“Comecei a pensar na minha trajetória. Eu sou mulher. Eu tinha de trazer mais mulheres. Pensei no que poderia oferecer de ferramentas para que essas artistas pudessem aparecer. E entendi que poderia fazer mais pela igualdade”, contou.
Assim nasceu o programa Women On Walls, com uma proposta de capacitação de mais artistas de forma gratuita e anual. Em 2020, foi lançada a primeira edição. “Foi um teste para entendermos o que poderia ser feito”, disse Marina. Foram ministradas aulas e mentorias com profissionais reconhecidas. Embora o forte estivesse no treinamento e preparação, o programa também serviu como suporte emocional para as artistas.
Além de capacitar e ajudar a impulsionar carreiras, o WOW visava ampliar o banco de talentos do Instagrafite para a contratação de mais mulheres em seus projetos. Após a conclusão da primeira edição, a empresa assinou a curadoria e produção de um festival de arte urbana em São Paulo no qual 80% das convidadas eram as alunas do Women On Walls.
o programa Women On Walls nasceu com a proposta de capacitar mais artistas, de forma gratuita.
O programa tinha conseguido o patrocínio das Sandálias Ipanema. Em 2021, na conclusão da segunda edição, a marca lançou um concurso entre as participantes para que uma sandália fosse estampada. Satisfeita com o resultado, a empresa decidiu criar uma coleção cápsula, a Ipanema WOW, com três alunas: Larissa Paredes Ramos, Thaiz Zafalon e Fabiana Mimura. A coleção foi lançada no e-commerce da marca em março, com duas estampas de cada artista.
GRANDE DEMAIS PARA SER UM PROGRAMA
Para selecionar as alunas, era feito um edital e, depois da convocatória, analisavam-se as inscrições. As vagas eram priorizadas para mulheres com menor renda financeira, negras e indígenas. No ano passado, o programa recebeu 600 inscrições para um processo de escolha de 60 alunas.
“Havia uma demanda grande. Como o Instagrafite é uma marca internacional, também apareceram candidatas de fora do país e que entendem português”, afirmou Marina. Entraram para o programa mulheres de Cabo Verde e de Portugal.
Em dois anos de existência, o WOW formou mais de 140 alunas e fez a conexão entre elas e mais de 60 mulheres influentes das artes do Brasil e do mundo. Foram criadas também 47 aulas, de uma a duas horas de duração, no total das edições. Contribuíram com o projeto nomes expressivos do setor, como Criola, Hanna Lucatelli, Anne Galante, Mag Magrela, Igi Ayedun, Arissana Pataxó, Pati Rigon, Daiara Tukano, Gleo, Ledania, Faith47, Lady Pink, Rosana Paulino e Nina Pandolfo.
“O projeto reverberou. Para fazer a seleção de 60 alunas o processo estava sendo quase injusto, porque tinha muita gente que ficava de fora. Seria necessário fazer mais edições”, observou a fundadora do WOW. “Estava ficando inviável para tocar sozinha. Porque não é só uma questão de chamar mais mulheres. A proposta é preparar, treinar, educar. No Instagrafite, trabalhamos com murais de prédios, que são gigantes”, completou Marina, que fez 120 mentorias de até duas horas de duração no passado.
Diante dessa constatação e do desejo de montar um amplo diretório de mulheres das artes visuais, decidiu-se pela consolidação do projeto na forma de uma femtech. “O WOW virou uma empresa do Instagrafite. É uma plataforma gratuita e automatizada, que pretende ser um ponto de encontro com conteúdos compilados”, explicou Marina. Foram estabelecidas três cotas de patrocínio. Uma delas está com Ipanema e as outras duas permanecem em aberto.
O funcionamento do WOW será como o de uma rede social, uma espécie de mix entre Facebook e LinkedIn.
Como empresa, o WOW começou a ser tocado em março por uma equipe constituída em sua maioria por mulheres (95% do time). A plataforma será lançada de modo gradativo. Seus serviços deverão ser plenamente ofertados em julho. O funcionamento será como o de uma rede social, uma espécie de mix entre Facebook e LinkedIn. Para entrar, basta fazer um cadastro e criar login e senha.
Todas as aulas já preparadas farão parte da parte educativa. Elas estavam disponíveis no canal no YouTube do Instagrafite. Agora estarão todas agrupadas e a seção receberá novas. O site contará ainda com masterclasses com nomes consagrados das artes no segundo semestre, quando a startup fechar parceria com uma produtora.
As usuárias também poderão fazer upload das aulas. Algumas artistas têm conteúdo em plataformas de vídeos, porém não têm muita audiência. Segundo Marina, isso ampliará o acesso a esse material. Quem for pesquisar técnicas de caligrafia, por exemplo, poderá encontrar no WOW.
A plataforma vai oferecer uma nova seção que atende pedidos das alunas. Será uma área para fazer testes e obter certificados digitais. As interessadas terão de passar por um número estabelecido de horas e, cumpridas as etapas, conseguirão o certificado.
DO WHATSAPP PARA A PLATAFORMA
Como parte do programa, havia intensa troca de mensagens por meio de um grupo no WhatsApp. São cerca de 140 artistas conectadas por esse meio. Muitas delas levantaram questões que podiam interessar a outras fora do WhatsApp do WOW, como a constituição de MEI ou que embalagens são mais adequadas para envio de gravuras por correio. Essas dúvidas poderão ser esclarecidas com mais facilidade no Fórum.
Claro que há uma enorme expectativa em relação ao diretório, que pretende funcionar como um gigantesco glossário das artes visuais vinculado apenas a mulheres. A ideia é que, se uma marca estiver interessada em contratar uma produtora para um evento no Recife, ela possa encontrar no WOW. Se um projeto em Manaus necessitar de uma artista local, opções poderão ser descobertas. E isso vale para qualquer expressão artística, de grafite a uma instalação indoor.
Com a abertura do WOW como empresa, o Instagrafite acelera sua conexão com artistas do Brasil e amplia sua rede de relacionamento. Também poderá contratar mulheres de diferentes regiões, especialidades, idades e subjetividades. Em março, o Instagrafite estava com três projetos em andamento em que foram chamadas alunas do programa.
Na nova configuração, as artistas cadastradas poderão atuar em qualquer projeto que surgir. “Hoje temos 200 mulheres, mas o WOW tende a ser gigante e mundial. É importante ter essa plataforma para reunir mais gente, para mostrar nossas cicatrizes, mas também trazer soluções. E para permitir que mais mulheres sejam contratadas e até para estimular que outras mulheres contratem mulheres”, salientou Marina.