Por dentro do “aromaverso”: as empresas que estão tentando levar cheiros ao metaverso

Crédito: OVR

Zara Stone 4 minutos de leitura

Uma nova exposição no Museum of Craft and Design, em São Francisco, Califórnia, reúne uma grande coleção dos mais extraordinários dispositivos. Entre eles está um globo de vidro com abelhas treinadas para detectar a presença de doenças em humanos através da respiração; um difusor parecido com uma Alexa que libera fragrâncias em intervalos programados para incentivar pessoas com demência a comer; e um colar de prata alimentado por USB que exala perfume quando a frequência cardíaca do usuário atinge 110 batimentos por minuto. Todos estes itens fazem parte da Living With Scents, a primeira exposição olfativa do museu.

Mas foi um dispositivo mais despretensioso – um par de óculos de realidade virtual (VR) – que me encheu os olhos (e o nariz).

Ao lado dele está o ingrediente secreto dessa experiência olfativa: um cartucho branco chamado ION que se conecta via Bluetooth. Este é o principal produto da empresa OVR Technology (abreviação de olfactory virtual reality, ou tecnologia de realidade virtual olfativa, em português). 

“É fundamental que os odores também façam parte do metaverso... ou limitaremos completamente o potencial da plataforma”, explica o CEO da OVR, Aaron Wisniewski. “Eles têm um enorme efeito sobre quem somos, como nos sentimos, o que fazemos, o que compramos, quem amamos.”

Créditos: OVR/ Divulgação

CHEIRO DEIXA O VIRTUAL MAIS REAL

O cartucho carrega nove compostos químicos, que se combinam para produzir centenas de odores Um plug-in o torna compatível tanto com o motor gráfico Unity quanto com o Unreal Engine (usados para renderizar gráficos em jogos). A empresa espera lançar o produto no ano que vem.

Cheiros são extremamente importantes em nossas vidas. Eles estimulam nossos neurônios olfativos que, por sua vez, criam respostas fisiológicas inconscientes. As flores de ameixa, por exemplo, bastante valorizadas no Japão, ativam o sistema nervoso simpático, melhorando o humor e a disposição. Para construir um metaverso realmente imersivo, é fundamental incluir aromas. Do contrário, parecerá artificial.

Enquanto engenheiros, designers e arquitetos ainda estudam e desenvolvem as experiências digitais futuras, para alguns, o cheiro é uma parte muito importante do quebra-cabeça. Quem conseguir criar primeiro o “aromaverso” liderará este crescente setor – ou seja, já foi dada a largada.

O OVR já é usado em alguns tipos de terapia. No Instituto de Tecnologias Criativas da Universidade do Sul da Califórnia, veteranos com transtorno de estresse pós-traumático recebem tratamento com a tecnologia graças a óculos de realidade virtual.

A empresa é apenas uma entre os muitos players no espaço digital de perfumes. Talvez um dos hardwares mais interessantes já esteja sendo desenvolvido em um laboratório em Chicago. Esse dispositivo Bluetooth é colocado sobre o septo e envia pequenos impulsos elétricos que estimulam o nervo trigêmeo (responsável pela sensibilidade da face) para criar informações sobre um odor para o usuário.

No Reino Unido, a OW Smell Digital arrecadou US$ 1,2 milhão para desenvolver um “Photoshop para cheiro” com inteligência artificial. Na Espanha, a Olorama Technology criou um difusor com 400 aromas que pode ser ativado por voz, além de um kit de teste que avalia a perda de olfato causada pela Covid-19. Mais que um produto de luxo, o Olorama VIP combina a experiência do cinema com 40 aromas e custa a partir de US$ 13.408.

Para construir um metaverso realmente imersivo, é fundamental incluir aromas. Do contrário, parecerá artificial.

Outro grande player é a Hypnos Virtual. A empresa desenvolveu um nebulizador, que emite aromas coletados por um processo de difusão a frio para manter a pureza. O software os combina e libera em momentos específicos, escolhidos por seu sistema de “poetas de perfume” interno ou por inteligência artificial. Segundo o CEO, Michael Kaczkowski, um editor de aromas também está em desenvolvimento.

Em 2020, Kaczkowski, que também administra uma empresa de próteses que recria pele, olhos e membros realistas, contraiu Covid-19. Parecia que tinha sido atropelado por um caminhão; sentia-se letárgico e perdeu completamente o olfato. “Foi horrível”, conta. “Gastei milhões de dólares e não conseguia sentir cheiro algum.”

Kaczkowski encontrou um leve conforto no fato de que o corpo humano, mesmo sem conseguir sentir cheiros, ainda responde fisiologicamente (embora não psicologicamente) a estímulos olfativos. Isso significa que o lado terapêutico do produto ainda funcionaria, sobretudo os cartuchos de canabinoides, que fornecem THC e CBD sem gerar fumaça. Testada por anestesiologistas, essa é a aplicação que mais despertou o interesse de investidores.

Antes de deixar a exposição, parei em uma mesa interativa de perfumaria, senti a fragrância de cerca de 30 frascos e apliquei meus favoritos em papéis de amostra. Havia uma segunda mesa com frascos marrons com conta-gotas para que os visitantes criassem seu próprio perfume. Criei o meu com uma pitada de chá rosa, chocolate e fragrância aquática. Ao provar o resultado, respirei fundo e tossi. Tinha um cheiro úmido e enjoativo, mistura de detergente, cachorro molhado e biscoito velho.

Foi um bom lembrete de que perfumes também são uma forma de arte. A maior parte do metaverso será desenvolvida por engenheiros de software, que, embora muito habilidosos, não têm conhecimento sobre aromas. Reconhecendo isso, muitos procuram trabalhar junto com outros profissionais, como designers de moda para o Metaverse Fashion Week, e consultam e contratam renomados arquitetos para criar cidades virtuais. É possível que, em breve, perfumistas também integrem as equipes que desenvolvem o metaverso.


SOBRE A AUTORA

Zara Stone é escritora, jornalista e autora da não-ficção "Killer Looks: The Forgotten History of Plastic Surgery in Prisons". saiba mais