Por que a indústria tech patina na construção de uma cultura diversa

É preciso combinar a inovação nos produtos a esforços de recrutamento igualmente inovadores

Crédito: Boris SV/ GettyImages

Lotus Smits 5 minutos de leitura

Por mais que esteja diretamente focado na inovação e no futuro, quando se trata de inclusão, o setor de tecnologia está muito atrasado. Todos sabemos da importância de sermos mais inclusivos. Mas, na prática, a maioria das empresas carece de compromissos mais formais e de ações de longo prazo.

O setor de tecnologia, em particular, se beneficiaria muito com iniciativas de inclusão implementadas durante o ano inteiro. Não apenas pelo motivo ético – assumir essa responsabilidade social –, mas também porque espera-se que esse setor lidere a disrupção necessária.  

Em 2007, o CEO da Fog Creek Software, Anil Dash, escreveu um texto que viralizou. Em “The Old Boys Club is for Losers” (algo como “O antigo clube do Bolinha é coisa de perdedores”), ele defende que, enquanto a Big Tech se recusar a buscar novas vozes, ela pode até “conseguir manter o clube do Bolinha funcionando dentro do seu playground. Mas, no cômputo geral, estará condenada à irrelevância.”

As palavras de Dash soam necessárias e verdadeiras até hoje, já que a cultura da “broderagem” na indústria da tecnologia é uma praga. Muitas empresas estão acomodadas em suas posições de domínio de mercado, e a complacência significa que o setor não está conseguindo inovar e crescer fora de si mesmo.

a cultura da “broderagem” na indústria da tecnologia é uma praga.

Isso produziu uma indústria incapaz de representar as necessidades e os apetites de um mundo incrivelmente diverso em um momento no qual, depois do auge da pandemia, as pessoas buscam significado.

Essa incapacidade não é nenhuma surpresa, dadas as deficiências demográficas do setor. E é justamente por isso que precisamos revolucioná-lo com ideias melhores e mais ambiciosas. Para tanto, precisamos encontrar as melhores formas de impulsionar a inclusão.

A seguir, destaco quatro métodos simples, mas eficazes, que as empresas deveriam aplicar para impulsionar a inclusão em seu ambiente.

1. REVEJA O PENSAMENTO DA EMPRESA

Muitas vezes, procuramos contratar pessoas com base em quem se ajustaria melhor à cultura pré-existente. Esse “ajuste cultural” é importante, mas não pode ser o único aspecto considerado. Quando cada funcionário adere demais ao modo de ser dos colegas, isso pode reforçar preconceitos inconscientes e resultar em uma equipe mais homogênea do que antes.

Para realmente exercer a inclusão, é preciso pensar em como reeducar aqueles que conduzem a cultura da empresa. Onde trabalho, criamos um programa de seis semanas para levar toda a equipe executiva e os gerentes gerais por uma jornada de aprendizagem sobre D&I (diversidade e inclusão). Isso significa educação sobre preconceito, privilégio, desigualdade sistêmica, alianças, microagressões e muito mais.

Para exercer a inclusão, é preciso reeducar aqueles que conduzem a cultura da empresa.

Iniciar esse processo de mudança no pensamento de cima para baixo pode garantir que o restante da equipe tenha os recursos e os aliados necessários para também abraçar a mudança. 

O próximo passo é trazer essa “lente de inclusão” para o recrutamento, para que ela se torne parte integrante do trabalho na empresa desde o início, e não algo opcional, de que os funcionários lançam mão se tiverem tempo. Oferecer essa educação antecipadamente é muito mais eficaz do que deixar para resolver problemas relacionados à inclusão quando começarem a aparecer. 

2. CONSTRUA UM ECOSSISTEMA DE ALIANÇAS

Para construir redes de suporte para nutrir talentos, é necessário garantir plataformas e recursos que façam os funcionários se sentirem vistos e ouvidos. A visibilidade é fundamental para as pessoas se sentirem incluídas e aptas a se expressar, dando voz às suas opiniões e ideias.

Grupos de funcionários coordenados pelo RH podem funcionar como “a voz” da força de trabalho, incentivando as comunidades, mas também criando um vínculo direto com a equipe de negócios e liderança. Clubes, eventos e atividades são igualmente importantes para incentivar essa sensação de aliança, pois têm um papel educativo e, em alguns casos, ajudam a desfazer preconceitos.

Um portal virtual de inclusão é outra forma importante para as pessoas se educarem. Nem todos se sentirão à vontade para fazer perguntas que possam considerar estranhas na frente de uma sala lotada. Recursos como esse oferecem privacidade e autonomia para que cada um desenvolva a sua própria consciência.

3. REFORMULE AS POLÍTICAS

As empresas precisam rever suas políticas se quiserem de fato construir uma cultura inclusiva. A Espanha tornou-se recentemente o primeiro país da Europa a conceder folga às mulheres em caso de cólicas menstruais intensas.

A visibilidade é fundamental para as pessoas se sentirem incluídas e aptas a se expressar.

Nas palavras de sua ministra da Igualdade, Irene Montero, este passo significou que a Espanha é “o primeiro país da Europa que fala sobre a saúde menstrual como um padrão de saúde”, enfrentando o “estigma, a vergonha e a culpa, bem como a solidão, que as mulheres muitas vezes enfrentam.”

Independentemente da legislação local, as empresas precisam olhar para sua própria cultura e tomar as rédeas quando se trata de estabelecer políticas que incentivem de forma semelhante o apoio e a inclusão para diferentes grupos.

A equipe de liderança sênior deve se envolver o máximo possível com o time de recursos humanos para que, juntos, criem e implementem políticas para todos – incluindo funcionárias que abortam, que estão grávidas, que são LGBTQ+ ou neurodiversos.

O setor de tecnologia sempre se orgulhou de lançar tendências.  Agora, está na hora de aplicar essa mentalidade inovadora a políticas pioneiras que promovam a inclusão e o empoderamento, derrubando estigmas.

4. ASSUMA A RESPONSABILIDADE 

Qualquer cultura verdadeiramente inclusiva precisa de total transparência e responsabilidade pelos compromissos que a empresa está estabelecendo e pela mudança que deseja que aconteça.

Incentivamos pesquisas anônimas com funcionários para ajudar a manter o ritmo no cumprimento das metas de inclusão e a identificar gargalos. Elas também podem dar uma noção dos dados demográficos que compõem a empresa, ajudando a mostrar o trabalho a ser feito.

A construção de uma cultura inclusiva não acontece da noite para o dia. Mas, seguindo as etapas acima, você vai começar a ouvir mais vozes e ideias diferentes em sua empresa – algo que será benéfico para os funcionários, os negócios e para todo o setor de tecnologia.


SOBRE A AUTORA

Lotus Smits é chefe de diversidade, inclusão e cultura do aplicativo de entregas Glovo. saiba mais