Por que a tecnologia de reconhecimento facial torna os protestos nos campi diferentes?
Nos protestos que estão tomando as universidades dos EUA, muitos estão cobrindo os rostos por medo da vigilância policial
Nos últimos dias, as imagens dos protestos universitários se tornaram onipresentes nos noticiários dos EUA. Manifestantes ocuparam prédios na Universidade de Columbia, enfrentando a polícia com equipamento anti-motim. No pátio da Universidade de Emory, a polícia prendeu manifestantes pró-Palestina no chão, amarrando-os com lacres de plástico.
Porém, o que tornou essas imagens ainda mais marcantes são os esforços que muitos manifestantes estão fazendo para esconder suas identidades. O uso de keffiyehs – o lenço que representa a luta palestina - e de máscaras faciais é frequente.
É um tipo de protesto muito diferente das marchas Black Lives Matter de 2020, ou de qualquer outra coisa que os EUA tenham visto ultimamente. E a inteligência artificial, junto com a tecnologia de reconhecimento facial, pode ser a culpada.
A vigilância por vídeo por motivos de segurança é bastante comum nos campi universitários. Mas, como as autoridades policiais usam cada vez mais a tecnologia de reconhecimento facial para identificar suspeitos, isso levou a mais preocupações entre os manifestantes de que eles poderiam ser alvos de ataques ou doxing (transmissão de seus dados privados sem autorização) por expressar sua opinião.
Isso pode ter várias consequências, que vão desde impactos para o resto da vida por causa de um protesto que poderia ser pacífico, até ameaças à segurança dos alunos que forem identificados (correta ou incorretamente) como manifestantes.
Considerando os questionamentos sobre a precisão (especialmente para pessoas negras) de alguns softwares de reconhecimento facial, isso também pode resultar em ameaças legais às universidades.
Há anos, os estudantes que protestam exigem que as universidades se abstenham de usar o reconhecimento facial nos campi. Há dois anos, os ativistas pediram à Universidade Carnegie Mellon que proibisse a tecnologia depois que a escola elaborou uma política de vigilância por vídeo que permitiria à polícia usar o reconhecimento facial.
A escola acabou "decidindo não levar adiante a consideração" da política elaborada pelos ativistas e observou que seu departamento de polícia não tinha planos de implantar ferramentas de reconhecimento facial no campus. Dois anos antes, a UCLA abandonou os planos de usar a tecnologia no campus, após o protesto dos estudantes.
Mas, na mais recente onda de protestos, não são apenas os policiais do campus que estão envolvidos. A Columbia chamou a polícia de Nova York para limpar o Hamilton Hall, que havia sido ocupado por manifestantes.
No campus de Emory, o departamento de polícia de Atlanta e a patrulha do estado da Geórgia foram enviados para desocupar uma área comum do campus. Esta cena está se repetindo em outras faculdades.
O reconhecimento facial preocupam os manifestantes de que eles possam ser alvo de ataques ou doxing por expressar sua opinião.
Muitas dessas instituições de aplicação da lei adotam o software de reconhecimento facial, sendo que várias delas estão fechando acordos com empresas de tecnologia para aumentar seu uso. Em muitos casos, é por isso que os manifestantes estão se escondendo.
As universidades têm desencorajado os estudantes a usar máscaras nos protestos contra a situação em Gaza. No entanto, esses esforços podem estar tendo o efeito oposto. A Universidade da Carolina do Norte supostamente citou a política do campus e a lei estadual contra o uso de máscaras em uma mensagem para a organização Estudantes pela Justiça na Palestina.
Já a Universidade do Texas em Austin enviou uma carta aos alunos dizendo que era uma violação das regras da instituição usar máscaras e ocultar a identidade para obstruir a aplicação da lei. A universidade acabou chamando a polícia estadual para interromper a manifestação.
É claro que há fortes convicções de ambos os lados dos protestos sobre o conflito entre Israel e Hamas. Dada a situação na região e o envolvimento dos EUA no assunto, era quase inevitável que ocorressem protestos em alguns campi universitários.
Mas os avanços na IA e na tecnologia de reconhecimento facial nos últimos anos redefiniram as condições para os manifestantes. De certa forma, isso está ampliando as tensões, transformando uma situação, que já era delicada, em um potencial barril de pólvora.
Pode levar algum tempo até sabermos o quanto a tecnologia de vigilância está sendo usada. "Depois de movimentos de protesto em grande escala, geralmente leva-se meses, se não anos, para saber a extensão da vigilância policial a que os manifestantes foram submetidos", diz Matthew Guariglia, analista de políticas da Electronic Frontier Foundation.
"A EFF vem alertando há anos sobre os perigos da tecnologia de reconhecimento facial, incluindo ameaças ao direito de protesto protegido pela Primeira Emenda da constituição norte-americana. Por esse motivo, muitas cidades dos EUA Unidos proibiram e devem continuar a proibir o uso dessa tecnologia invasiva por parte do governo", diz Guariglia.
Há anos, os estudantes que protestam exigem que as universidades se abstenham de usar o reconhecimento facial nos campi.
"A capacidade da polícia de identificar manifestantes usando dados biométricos, seja em tempo real ou após o fato, torna os manifes- tantes vulneráveis à retaliação por seu discurso político e tem o potencial de esfriar a vontade das pessoas de se envolverem em atividades legalmente protegidas."
Como os alunos e o corpo docente não têm a mesma influência sobre o policiamento do campus que os moradores de uma cidade poderiam ter, Guariglia recomenda que os jornais estudantis e os órgãos de representação dos alunos prestem muita atenção ao uso da vigilância no campus.
"Em última análise, os reitores e gestores das universidades devem reconhecer como a vigilância prejudica sua responsabilidade principal: criar um ambiente positivo para o aprendizado, para o engajamento, a expressão e a autorealização", diz Guariglia.