Por que tecnologias inclusivas não garantem acessibilidade a deficientes visuais

Pessoas cegas ou com baixa visão frequentemente se deparam com obstáculos no mundo digital

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Michele McDonnall 4 minutos de leitura

Imagine que você tem baixa visão e está preenchendo um formulário de emprego online usando um leitor de tela. Na metade, se depara com uma pergunta com opções que o software não consegue ler, simplesmente porque o formulário não atende aos padrões de acessibilidade. O resultado? Você não pode enviar sua inscrição e acabou perdendo seu tempo.

Tecnologias assistivas, como leitores de tela, desempenham um papel vital em reduzir a lacuna entre pessoas cegas ou com baixa visão e as que enxergam. Mas essas tecnologias frequentemente encontram desafios porque as informações para as quais foram projetadas – sites, programas – não funcionam bem com elas, tornando o conteúdo inacessível.

Nos Estados Unidos, existem oito milhões de pessoas cegas ou com baixa visão. Mais de 4,23 milhões delas estão em idade ativa, mas apenas cerca de metade está empregada. No Brasil, segundo a Pnad Contínua 2022, 3,1% da população (cerca de 6,5 milhões de pessoas) têm dificuldade de enxergar, mesmo usando óculos ou lentes de contato.

Historicamente, as taxas de emprego para indivíduos com algum tipo de deficiência visual são consideravelmente mais baixas em comparação com a população geral. No Brasil, o nível de ocupação das pessoas com algum tipo de deficiência (não só visual) é de 26,6%, menos da metade do percentual encontrado para as pessoas sem deficiência (60,7%).

Pessoas cegas ou com baixa visão enfrentam mais dificuldade para encontrar emprego do que indivíduos com outros tipos de deficiência.

A maioria dos cargos em todas as indústrias exige habilidades digitais. Tecnologias assistivas, como leitores e ampliadores de tela e blocos de anotações em braile, oferecem a essas pessoas a oportunidade de ter sucesso na vida escolar e profissional.

As tecnologias assistivas melhoraram consideravelmente com o tempo, e outras continuam sendo criadas. Os produtos que estão sendo desenvolvidos atualmente por grandes empresas de tecnologia frequentemente já vêm com recursos de acessibilidade integrados.

Apesar da grande variedade dessas tecnologias, aqueles que não dependem delas muitas vezes não sabem como são usadas no ambiente de trabalho e os desafios que seus usuários enfrentam.

Estamos conduzindo um estudo de cinco anos para aumentar o conhecimento nessa área e esperamos que ele possa ajudar pessoas cegas ou com baixa visão a entrar no mercado de trabalho. O estudo está programado para continuar até 2025.

DIRETRIZES DE ACESSIBILIDADE

Embora a maioria das pessoas que entrevistamos tenha afirmado estar satisfeita com as tecnologias assistivas que usam no trabalho, quase todas também relataram enfrentar alguns desafios. Os maiores obstáculos relacionados a essas tecnologias giravam em torno do ambiente digital inacessível: documentos, programas, sites, gráficos e fotos.

Às vezes, os conteúdos digitais são tecnicamente acessíveis, mas impossíveis de serem utilizados por quem usa tecnologias assistivas. Isso significa que pessoas com algum tipo de deficiência visual frequentemente são excluídas de funções que poderiam desempenhar, simplesmente porque o software da empresa não é compatível com leitores de tela.

Pessoas cegas ou com baixa visão enfrentam mais dificuldade para encontrar emprego do que indivíduos com outros tipos de deficiência devido a essa questão, afirma Ross Barchacky, vice-presidente de desenvolvimento de negócios e parcerias estratégicas da Inclusively, organização que apoia empresas que desejam contratar pessoas com deficiência.

Crédito: zlikovec/ iStock

A boa notícia é que os responsáveis por definir padrões digitais começaram a dar atenção ao tema. O World Wide Web Consortium desenvolveu padrões para conteúdo web acessível: as Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo da Web, recentemente revisadas.

Essas diretrizes oferecem orientação gratuita para ajudar os desenvolvedores a tornar seu conteúdo digital acessível. O Dia Mundial de Conscientização sobre a Acessibilidade foi criado em 2012 para incentivar as pessoas a aprender e pensar sobre a inclusão digital para pessoas com deficiência.

Apesar das leis e diretrizes que exigem e que apoiam um ambiente digital inclusivo, grande parte (se não a maioria) do conteúdo ainda não é totalmente acessível. Em sua mais recente revisão anual que analisa um milhão de sites, a organização sem fins lucrativos WebAIM encontrou uma média de 50 erros de acessibilidade por página. Pior ainda, quase todas elas (96,3%) continham falhas nas Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo da Web 2.0.

O QUE PODE SER FEITO

Integrar a acessibilidade desde o início é muito mais fácil do que adaptar produtos posteriormente. Para isso, ela precisaria fazer parte do currículo dos cursos de desenvolvimento digital, mas isso geralmente não acontece.

As empresas podem exigir que os desenvolvedores criem softwares inclusivos e se recusar a comprar programas que não sejam acessíveis. As pessoas podem ajudar produzindo seus próprios documentos digitais com isso em mente.

A Microsoft tem trabalhado para tornar a produção de documentos digitais acessíveis mais fácil com seu verificador de acessibilidade e agora com seu novo assistente.

Um ambiente digital acessível é possível e resultaria em maiores oportunidades de emprego para pessoas com algum tipo de deficiência visual.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Michele McDonnall é professora de educação e pesquisa em reabilitação na Universidade Estadual do Mississippi. saiba mais