Processo contra a Apple é um marco na aplicação da lei antitruste nos EUA

Diversas ações já trataram dos efeitos da empresa sobre desenvolvedores de apps, mas a Apple pode também ter mexido com a indústria automobilística

Créditos: Garin Chadwick/ Unsplash/ Freepik

Clint Rainey 4 minutos de leitura

O Departamento de Justiça dos EUA (DoJ, na sigla em inglês) anunciou um amplo processo antitruste contra a Apple, acusando a gigante da tecnologia de criar um monopólio ilegal em smartphones que exclui concorrentes e sufoca a inovação. A empresa chamou a ação de “equivocada quanto aos fatos e à lei” e disse que “irá se defender vigorosamente”.

O processo, que contou com a adesão de 16 estados e do Distrito de Columbia, será o maior desafio que a Apple já enfrentou até o momento – apesar de ter acabado de encerrar o que poderia ser chamado de um ano histórico em termos legais, que envolveu disputas com outras empresas de tecnologia e também com a União Europeia.

Mas, em vez de focar apenas em sua conduta em relação à App Store, como outros fizeram, o DoJ, sob a administração Biden – que agora pode se orgulhar de ter processado todas as quatro maiores empresas de tecnologia dos EUA – expõe uma série de preocupações de que a Apple possa dominar quase todos os pontos de entrada da vida digital moderna, tudo a partir de seu domínio no mercado de smartphones.

a empresa está investindo pesado em um sistema de info entretenimento compatível com o iPhone para o mercado automotivo.

“As estratégias que a Apple utilizou até agora não são as únicas que ela pode usar para alcançar seus objetivos anticompetitivos e lucrativos”, diz a ação, fazendo referência às alegações de abuso da App Store. E acrescenta: “à medida que a tecnologia evolui, a Apple muda seu comportamento para proteger seu poder de monopólio.”

Como exemplo, o Departamento de Justiça menciona a crescente lista de serviços de assinatura da empresa que competem em setores que vão desde Hollywood à mídia, passando pela indústria de bem-estar e de finanças.

O DoJ acusa a Apple de estar tornando o “fosso em torno de seu monopólio de smartphones” mais profundo e amplo, de modo que, na prática, ninguém que tenha um iPhone consiga escapar.

Crédito: Apple

Aos olhos da agência, a empresa cria serviços como Apple Pay, Apple TV, Apple Music, Apple News, Apple Arcade e Apple Fitness e então usa seu poder de ditar as regras da App Store e outros meios para prejudicar a concorrência.

O governo argumenta que os serviços de assinatura da empresa também controlam a maneira como o público acessa o conteúdo de terceiros, permitindo que ela se aproveite deles como intermediária ou cobrando uma espécie de pedágio.

INDÚSTRIA AUTOMOTIVA

O domínio da Apple no mercado de smartphones (61,3% do mercado dos EUA), tablets (57%) e aplicativos (US$ 1,1 trilhão gerado pelos usuários da App Store em 2022) já é amplamente reconhecido. Mas o DoJ está buscando destacar outras áreas nas quais a empresa poderia ampliar esse fosso. Uma particularmente preocupante envolve o sistema Apple CarPlay.

A Apple informou às montadoras que, para funcionar em seus veículos, a próxima geração do CarPlay precisará receber permissão para “assumir todas as telas, sensores e medidores, forçando os usuários a experimentar a direção como uma experiência centrada no iPhone se desejarem usar qualquer um dos recursos fornecidos”, diz o processo.

Embora, tecnicamente, tenha desistido de seus planos de fabricar veículos elétricos, a empresa ainda está investindo pesado em um sistema de infoentretenimento compatível com o iPhone para este mercado.

Crédito: Hyundai

O governo norte-americano enxerga nisso um padrão. “A Apple aproveita a base de usuários do iPhone para exercer mais poder sobre seus parceiros comerciais, incluindo fabricantes de automóveis, em inovações futuras.”

Por anos, as acusações de que ela estaria violando as leis antitruste se concentraram nos efeitos sobre os desenvolvedores da App Store. No entanto, a jogada ousada do CarPlay pode, de fato, ter assustado a indústria automobilística – um grupo que o governo dos EUA também precisa proteger contra condutas anticompetitivas.

O governo argumenta que os serviços de assinatura da Apple controlam o modo como o público acessa o conteúdo de terceiros.

No ano passado, a GM surpreendeu os apaixonados por automóveis quando anunciou planos de parar de oferecer suporte ao CarPlay em seus próximos veículos elétricos. O suporte para Android Auto, a plataforma rival do Google, também seria gradualmente removido.

Essas medidas podem ser interpretadas como uma tentativa de conter o crescente apetite de ambas as empresas. Mas isso preocupa o governo. “A Apple já demonstrou sua capacidade de encontrar novos caminhos com os mesmos ou piores objetivos”, diz o processo.

A administração Biden argumenta que a gigante da tecnologia agora enfrenta menos concorrência, “não porque torna seus próprios produtos melhores, mas porque torna os produtos de outras empresas piores”, desde sites de notícias até jogos e, potencialmente, automóveis.


SOBRE O AUTOR

Clint Rainey é jornalista investigativo, mora em NYC e é colaborador da Fast Company. saiba mais