Quer desgrudar do celular e não consegue? Tente fazer exatamente o oposto

Nenhuma daquelas estratégias de restrição de tempo de tela jamais funcionou para mim

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Nate Klemp 4 minutos de leitura

Eu tentei – eu realmente tentei – limitar meu próprio tempo de tela. Criei ambientes livres da tentação, silenciei todas as notificações, coloquei meu celular no modo de escala de cinza e impus a mim mesmo limites de tempo de tela dignos de uma criança indisciplinada.

Mas cada truque desses produzia um efeito paradoxal: o aumento, e não a diminuição, da minha vontade de estar com aquele retângulo iluminado na palma da mão.

Desesperado, depois de anos de esforços fracassados, decidi tentar algo radical. E se eu simplesmente desistisse desses limites? E se me permitisse comer à vontade por vários dias em um rodízio digital de distrações, passando o máximo de tempo possível diante das telas, de propósito?

Mesmo depois de dias dessa insanidade, eu ainda conseguia devorar esses salgadinhos mentais o dia todo, todos os dias.

Essa estranha técnica tem uma longa história. A tradição tântrica do budismo, por exemplo, usa a indulgência intencional como uma forma de queimar os elementos destrutivos de nossos desejos por coisas como bebida e sexo. Mas será que isso daria certo com meu vício em telas? Eu estava prestes a descobrir.

Reservei três dias e avisei minha esposa e minha filha: "não vou estar disponível para jogos e conversas em família. Vou passar o máximo de tempo possível com as minhas telas".

Durante três dias, fiquei alucinado com o uso delas. Li e assisti às notícias – meu principal vício digital – por horas a fio. Verifiquei e-mails toda hora. Naveguei no Instagram até chegar ao almejado aviso de que já eu tinha visto todas as publicações, na parte inferior do feed. Ouvi todos os podcasts que minimamente me interessavam.

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O resultado? Primeiro, descobri que os pesquisadores estavam certos: a superestimulação digital realmente destrói o sono. Todas as noites, eu acordava às 2h30, com meu corpo pulsando de adrenalina e minha mente acelerada.

Em segundo lugar, aprendi que as regras de consumo excessivo no mundo analógico não parecem se aplicar ao mundo virtual. Se você tentar beber, comer ou fazer sexo por dias seguidos, chegará a um ponto de saturação, a um ponto em que simplesmente não conseguirá mais fazer aquilo.

Só que não funciona assim no mundo digital. Mesmo depois de dias dessa insanidade, eu ainda conseguia devorar esses salgadinhos mentais o dia todo, todos os dias.

No mundo digital, as recompensas funcionam de forma diferente. Você recebe o que os tecnólogos chamam de "recompensa variável".

Mas uma última lição talvez tenha sido a mais surpreendente. Ao permitir, em vez de resistir aos meus desejos digitais, algo mágico aconteceu: meu celular perdeu a sensação de novidade.

De todas as inovações inteligentes inventadas pela Meta, Google, X e TikTok, a maneira como essas ferramentas exploram o "viés de novidade" do cérebro humano talvez seja a mais nefasta. Essas estratégias representam uma ruptura fundamental em relação à maneira como interagimos com as tecnologias antigas.

Quando você usa seu cortador de grama, recebe uma recompensa, sim, mas ela é previsível. Você sabe exatamente o que vai receber: um gramado recém-cortado, nada mais, nada menos.

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No mundo digital, as recompensas funcionam de forma diferente. Você não recebe apenas algo previsível, recebe algo novo. Você recebe o que os tecnólogos chamam de "recompensa variável".

Quando você abre o Facebook, por exemplo, não sabe o que vai encontrar. Uma discussão acirrada sobre os benefícios da ivermectina? A foto de um amigo na praia que faz você se sentir mal consigo mesmo? Ou um vídeo adorável de um cachorro latindo a melodia de uma música da Taylor Swift?

Todo dia parece Natal no mundo das telas. Cada feed, cada novo site e aplicativo oferece uma infinidade diária de opções. É por isso que continuamos voltando mais vezes, mesmo quando temos coisas melhores, mais importantes e mais significativas para fazer.

É também por isso que todas aquelas estratégias bem-intencionadas de restrição do tempo de tela nunca funcionaram para mim. Elas não acabaram com o prazer da novidade proporcionado pelo meu celular. Na verdade, elas o amplificaram. Mas daí a ficar intencionalmente compulsivo com as telas por vários dias?

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Olha, de alguma forma, isso realmente funcionou. No dia seguinte ao experimento, por exemplo, acordei e pensei comigo mesmo: "É nessa hora que geralmente pego meu telefone e vou ao banheiro". Mas nesse dia, ao contrário de qualquer outro dia na última década, essa vontade não bateu. Simplesmente não veio. 

No início, pensei que poderia ser algum tipo de coincidência. Depois, isso aconteceu no dia seguinte e no outro. Por fim, percebi que, de alguma forma, essa farra tântrica dissipou a ilusão hipnotizante de que sempre há algo incrível à espreita para além da tela bloqueada.

É como uma paixão de adolescente. Lembra-se daquela paixão do ensino médio? Lembra-se da sensação de desejo passional e intriga? Bem, imagine se, naquela época, você pudesse ter seguido essa pessoa em todos os momentos, observando-a enquanto ela acordava, escovava os dentes, comia, ia ao banheiro e entrava em colapsos de ciúme mesquinho e baixa autoestima. 

Essa imersão total no seu objeto de desejo ajudaria muito a dissipar o mistério. Depois disso, você nunca mais conseguiria vê-la da mesma forma.

Foi exatamente isso que aconteceu com meu celular. Agora que fui até o limite com ele, o mistério se dissipou. Já sei tudo o que ele tem a oferecer e, assim, destruí pelo menos um de seus superpoderes: a sensação de novidade.


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