Se não cultivarmos essas 4 características, a IA vai nos deixar para trás

Os recentes avanços da IA são um alerta para a humanidade sobre a importância de valorizarmos quatro virtudes humanas únicas e preciosas

Créditos: Cristina Morillo/ Miguel Á. Padriñán/ Pexels

Sunny Lee e Tomas Chamorro Premuzic 4 minutos de leitura

O ChatGPT, um chatbot de inteligência artificial capaz de gerar respostas semelhantes às humanas, acumulou 100 milhões de usuários em apenas dois meses, superando as taxas de crescimento de plataformas de mídia social, como TikTok e Instagram.

Seu incrível desempenho provocou diferentes reações em críticos e fãs, de espanto e admiração até preocupação e temores de que mesmo trabalhos criativos e qualificados possam estar destinados a desaparecer graças à automação.

A evolução da IA deve ser encarada como um catalisador para uma mudança mais profunda na forma de pensarmos e de nos relacionarmos com o mundo.

Entre muitos feitos notáveis, o ChatGPT foi capaz de passar em exames universitários avançados em direito, medicina e negócios; traduzir imagens em receitas; produzir textos, poemas e artigos (embora não este, juro); e transformar o esboço de um site feito à mão no código necessário para criá-lo. Tudo isso e muito mais em questão de segundos.

Como psicólogos, nosso principal interesse nele, na IA ou em qualquer tecnologia diz respeito a seu impacto humano, incluindo o potencial para mudar e reformular a maneira como pensamos, trabalhamos e vivemos. Como observou Pamela Pavliscak, “projetamos a tecnologia e a tecnologia, por sua vez, nos projeta”.

Com o surgimento de uma tecnologia incrivelmente versátil, viral e onipresente como o ChatGPT, precisamos entender as repercussões no comportamento humano. As mudanças induzidas pela IA podem revelar, amplificar ou intensificar crenças e hábitos existentes.

Por isso, acreditamos que sua evolução deve ser encarada como um catalisador para uma mudança mais profunda na forma de pensarmos e de nos relacionarmos com o mundo. Devemos enxergar o ChatGPT como um alerta para valorizarmos quatro virtudes humanas únicas e preciosas.

HUMILDADE

O fato de a inteligência artificial ser capaz de lidar até com tarefas criativas e intelectualmente complexas é uma experiência humilhante para nós. O pensamento abstrato e outras atividades cognitivas já não são mais exclusividade nossa. Isso fere nosso ego porque desafia a crença de que os humanos são superiores em tudo.

O que importa hoje não é que os especialistas saibam as respostas, mas que façam as perguntas certas.

Essa mudança de percepção também ocorreu quando a ciência provou que o mundo não é o centro do universo, que compartilhamos ancestrais com os primatas e que, muitas vezes, não temos o controle sobre o nosso próprio comportamento.

Depois de séculos usando o mantra “penso, logo existo” para definir a essência da humanidade, devemos, pela primeira vez, nos perguntar o que significa ser humano em um momento em que grande parte do nosso pensamento pode ser terceirizado para máquinas.

CURIOSIDADE

Viver em mundo com livre acesso a informações e conhecimento pode não ter sentido, a menos que usemos nossa curiosidade, nosso desejo de aprender e entender. A era da IA ampliou o valor (já alto) desse traço no campo das virtudes humanas, redefinindo o significado de expertise.

O que importa hoje não é que os especialistas saibam as respostas, mas que façam as perguntas certas, avaliando e analisando criticamente as informações e tomando decisões inteligentes com base nelas.

Paradoxalmente, o ChatGPT e outras ferramentas podem realmente diminuir a nossa curiosidade. É muito mais simples recorrer à IA para soluções rápidas, como alguns fazem com fast food para matar a fome.

No entanto, ela também pode ser usada para expandir nossas perspectivas e promover mais inovação para a humanidade. A capacidade de se envolver em “aprendizagem profunda” (um termo infelizmente associado à inteligência artificial em vez da humana, atualmente) é fundamental para o sucesso individual e coletivo.

AUTOCONHECIMENTO

Entender a nós mesmos na era da IA significa prestar atenção em como nossas interações com a tecnologia estão remodelando nossos comportamentos e o que isso diz sobre a gente, incluindo nossos traços negativos: impulsividade, distração, egocentrismo e preconceito.

o que significa ser humano em um momento em que grande parte do nosso pensamento pode ser terceirizado para máquinas?

Alimentar o ChatGPT com nossos próprios textos, gravações e conteúdo pode nos dar uma reflexão da IA sobre nós mesmos. Um futuro em que examinamos nossa pegada digital para entender melhor nossa reputação e identidade não é improvável, principalmente porque as pressões regulatórias em torno do uso ético e legal da IA incentivam as grandes plataformas de tecnologia a fornecer alguns dos dados que cedemos na forma de insights e que podem potencializar o nosso autoconhecimento.

EMPATIA

A empatia, capacidade humana única de compreender e compartilhar os sentimentos dos outros, traz diversos benefícios para o bem-estar das pessoas e para a coesão social. Interagir com tecnologias de IA pode facilitar o desenvolvimento desse traço.

Ao reconhecer nossas limitações intelectuais e epistêmicas e apreciar os pontos fortes dos outros, mesmo que sejam máquinas, podemos nos tornar menos egocêntricos e prestar a devida atenção e reconhecimento às pessoas ao redor, levando a sentimentos de empatia e gratidão.

O surgimento de tecnologias avançadas de inteligência artificial representa tanto riscos quanto oportunidades. Se as aproveitarmos para nos tornar um pouco mais humildes e buscar preservar, desenvolver e recuperar as características que nos tornam únicos, talvez o futuro da humanidade seja mais brilhante do que parece hoje.


SOBRE O AUTOR

Sunny Lee é professora de comportamento organizacional e chefe de diversidade na Escola de Gestão da University College London. Tomas... saiba mais