Se pesquisa não reflete o resultado das urnas, por que fazer pesquisa?

Elas não mostram a realidade do futuro, e sim a intenção do presente, para orientar candidatos (e marcas) sobre o que fazer para chegar aonde querem

Crédito: rawpixel.com

Guta Tolmasquim 4 minutos de leitura

Existem instrumentos que não refletem a realidade, mas a gente perde tempo com eles de toda forma. Business plan é um deles. Pesquisa eleitoral é outro. Sabemos que a pesquisa não indica o resultado (se indicasse, será que faríamos pesquisa em vez de eleições?). Mas a gente passa todo ano eleitoral vendo pesquisa de intenção de voto.

O objetivo de uma pesquisa eleitoral é entender o que as pessoas pretendem fazer hoje. Não todas as pessoas, uma amostra delas. Então pergunta-se a uma pequena parte dos eleitores, o que hoje eles acham que vão fazer no dia da eleição. Eles respondem. E estima-se o resultado a partir disso.

Nem sempre foi assim. O conceito de pesquisa eleitoral surgiu nos Estados Unidos, entre as décadas de 1820 e 1830, quando se coletaram dados de preferências dos norte-americanos. Mas, na época, o padrão era perguntar ao maior número de pessoas possível.

as equipes dos candidatos observam a intenção de voto no presente e mudam suas ações para tentar ganhar as eleições no futuro.

Em 1936, a revista “Literary Digest” errou feio a previsão de que Alfred Landon venceria a corrida presidencial, quando na realidade o vencedor foi Franklin D. Roosevelt. Pior, erraram com uma diferença de 19,5%. A revista não usou o que hoje chamamos de amostra representativa.

 O conceito de amostragem começou em 1935, com George Gallup, que nos afastou da ideia de “quanto mais, melhor” e nos aproximou do conceito de selecionar um grupo representativo da população para tentar estimar a quantidade de votos para cada candidato.

Em outras palavras, quanto mais os entrevistados se parecerem proporcionalmente com a população, menor será o erro. Obviamente, a única forma de saber exatamente o que as pessoas vão fazer no dia da eleição é esperar o dia da eleição e ver.

Mas aí será tarde demais para recalcular a rota. Então, as equipes dos candidatos observam a intenção de voto no presente e mudam suas ações no presente para tentar ganhar as eleições no futuro.

PARA O BEM E PARA O MAL

Na primeira eleição presidencial da redemocratização brasileira, dados ajudaram o então candidato Fernando Collor a entender o que a população desejava em um presidente. Foi assim que surgiu o slogan do “caçador de marajás”. Sucesso nas urnas, não exatamente na gestão.

O mesmo Collor errou terrivelmente ao achar que mantinha o apoio da população após as denúncias de corrupção. Ele pediu que as pessoas saíssem às ruas vestidas de verde e amarelo. Mas a maioria, em especial os jovens, saiu de preto e com o rosto pintado. Era o início do movimento dos “caras-pintadas”, ainda na primeira metade dos anos 90.

quanto mais os entrevistados se parecerem proporcionalmente com a população, menor será o erro.

Quase 30 anos depois, em 2018, veio à tona o escândalo da Cambridge Analytica, empresa de marketing político responsável pela campanha do presidente Trump nos Estados Unidos. O episódio mostrou que o paradigma de campanhas eleitorais estava totalmente transformado.

Graças a uma base de dados adquirida de forma ilícita, a campanha de Trump conseguiu treinar modelos estatísticos para hiper direcionar anúncios a cada pequeno segmento da população com o assunto que mais tocava aquela pessoa. Os anúncios eram distribuídos pelo Facebook para convencer cada um individualmente.

Hoje, sabe-se que eleitores brasileiros tendem a votar de acordo com a pauta que mais lhes toca pessoalmente, e não com o conjunto das propostas.  Os candidatos não buscam mais uma pauta única, como o caçador de marajás. Suas equipes conseguem dividir a população em pequenos grupos e transmitir diversas mensagens ao longo da campanha.

NO BRANDING, ASSIM COMO NA POLÍTICA

Como as metodologias e os canais de pesquisa estão em transformação (antes se ligava para as pessoas, hoje existem aplicativos de pesquisa, por exemplo), os dados destoam. Há variações de mais de 10 pontos percentuais entre diferentes fontes na atual eleição brasileira. Um estatístico recomendaria tirar a média de todas elas para tentar chegar em um retrato da realidade.

Para os times das campanhas, as pesquisas ajudam a identificar a rejeição e as parcelas da população que não estão alcançando. Assim eles podem redirecionar estratégias, modular o discurso do candidato, dirigir a campanha para determinados segmentos e alterar as alianças.

não dá para medir o futuro, mas dá para medir a “intenção de futuro”.

O que fazemos com branding é parecido. Marca é algo que acontece no futuro. Por isso, muita gente acha que não é possível medir. É verdade, não dá para medir o futuro. Mas dá para medir “intenção de futuro”, seja a partir das promessas e propostas de um candidato ou dos atributos tangíveis e intangíveis de uma marca ou produto.

Pequenos pedacinhos de vontades e sentimentos revelados a partir da resposta dos consumidores. Esses pedacinhos não refletem a realidade do futuro, eles refletem a intenção do presente. Sabemos que não vão se concretizar exatamente dessa forma, mas é um ótimo orientador do que devemos fazer hoje para chegar ao futuro que queremos.

Assim como nas campanhas eleitorais, medir a força da marca permite rever as estratégias, os públicos e os discursos. Isso é algo novo para os departamentos de marketing e para as empresas de forma geral.

Pode soar impossível para alguns, pois branding tem resultado no longo prazo. Mas, assim como nas eleições, o fato de não ser possível prever o futuro (ainda) não impede que os times monitorem suas ações a partir das intenções declaradas das pessoas.


SOBRE A AUTORA

Guta Tolmasquim é CEO do Purple Metrics, startup de pesquisa de consumo e métricas de branding. saiba mais