“Limite de Caracteres”: sobre foguetes e pássaros

"'Limite de Caracteres" narra os passos para a aquisição do Twitter (atual X) pelo bilionário Elon Musk e aponta cenários preocupantes para a democracia

Crédito: Fast Company Brasil

Gustavo Mayrink 4 minutos de leitura

Quando "Limite de Caracteres: Como Elon Musk Destruiu o Twitter" (editora Todavia) chegou às livrarias na primeira semana de outubro, a companhia adquirida pelo excêntrico bilionário em 2022 por estratosféricos US$ 44 bilhões, depois transformada em X, estava valendo 79% menos – cerca de US$ 9,4 bilhões, segundo a gestora de investimentos Fidelity.

Considerado o pior negócio para os bancos norte-americanos desde a crise de 2008, a operação parece um foguete fora de órbita na carreira do empresário que acumulou fama e fortuna desenvolvendo carros elétricos, satélites e liderando a exploração espacial.

O fiasco financeiro, no entanto, tinha um cálculo, como mostra um trecho do livro. "Enquanto a maioria dos bilionários da indústria de tecnologia gastava dinheiro com iates imensos, clubes esportivos, publicações na imprensa ou ilhas longínquas, Musk cobiçou um megafone, um site de internet onde sua voz seria transmitida diretamente para centenas de milhões de pessoas. Ele queria o Twitter". 

Além do megafone, Elon cobiçava o púlpito e, principalmente, o controle total da "praça pública global", definição um tanto contraditória usada ao longo dos anos para se referir ao Twitter, "um espaço aberto para discussões onde todos têm voz e liberdade de expressão garantida".

"'Limite de Caracteres" narra minuciosamente todos os passos para a aquisição da plataforma e aponta cenários preocupantes para a democracia dos EUA e do mundo.

Poderoso e imprevisível, o homem mais rico do mundo colocou mais foguetes no espaço este ano do que todos os países juntos, suas empresas controlam satélites que monitoram e proveem acesso à internet em regiões estratégicas como Amazônia e Ucrânia, sem falar na proximidade com Donald Trump e outros expoentes da extrema direita global, como o ex-presidente Jair Bolsonaro. 

O livro é fruto de uma rigorosa reportagem de Kate Conger e Ryan Mac, jornalistas de tecnologia do "The New York Times" que tiveram acesso a documentos sigilosos, memorandos internos e ouviram mais de 100 pessoas, algumas muito próximas ao círculo do bilionário – Musk não foi entrevistado pelos autores.

O empresário entrou na plataforma em 2010 e, em 2022, era um dos mais influentes na rede. Secretamente, começou a comprar e acumular ações da companhia. Tinha 80 milhões de seguidores e fazia barulho promovendo suas empresas, provocando inimigos e reclamando da "censura" que o Twitter passou a exercer sobre publicações, o que iria contra um dos princípios fundamentais do site.

Trabalhadores instalam placa com o símbolo X no prédio do ex-Twitter (Crédito: Noah Berger/AP Photo)

Para o megalomaníaco Musk, a sobrevivência da democracia e da própria raça humana dependia do futuro da plataforma e só uma pessoa no mundo poderia salvá-la. 

 A compra do novo brinquedo foi caótica desde o princípio. Musk exigiu a expulsão de um alto executivo mesmo antes de se tornar CEO, enquanto milhares de pessoas eram demitidas aleatoriamente, obrigando a companhia a recontratar parte delas pouco tempo depois – reviravolta que os sagazes usuários da rede chamariam de "plot Twitter". 

Os departamentos de engenharia de segurança, moderação e direitos humanos foram dizimados. Paranoico, Elon promoveu uma auditoria para que se comprovasse a identidade de todos os sete mil funcionários restantes na empresa, o que provocou risos constrangidos em alguns executivos. O novo proprietário achava que havia pessoas que recebiam sem trabalhar e que poderiam tentar sabotar o X, mas a diligência não localizou nenhum fantasma.

O livro é fruto de uma rigorosa reportagem de Kate Conger e Ryan Mac, jornalistas de tecnologia do "The New York Times".

Os autores também escancaram a face rancorosa e agressiva do empresário, como quando ele recebeu a confirmação de que a transação bilionária com o Twitter havia sido fechada. Musk deu um soco na mesa e bradou o que pareceu ser um grito de guerra: "foda-se, Zuck!".

A rixa com Mark Zuckerberg, CEO da Meta, é antiga e tem vários capítulos. Começou em 2016, quando um foguete da SpaceX, que enviaria um satélite do Facebook ao espaço explodiu ainda na plataforma e arruinou o projeto que levaria internet a áreas remotas do planeta. Zuckerberg se declarou "profundamente decepcionado" com o acidente, o que irritou Musk.

Desde então, os dois magnatas da tecnologia vêm trocando acusações e ameaças em escala crescente, o que culminou em um episódio bizarro ao ponto de se desafiarem para uma luta livre com transmissão ao vivo para o mundo.

Apesar do alvoroço nas redes – chegaram a especular o Coliseu de Roma como palco para o duelo –, a "rinha de bilionários", como foi sarcasticamente chamada, acabou sendo cancelada.

Suspenso no Brasil por mais de um mês, o X só foi liberado após cumprir várias medidas impostas pela Justiça brasileira. Mas o cenário para a companhia é cada vez mais nebuloso.

Sua sobrevivência está condicionada a uma série de fatores que passam pelas eleições nos EUA, pelo retorno dos anunciantes à plataforma – algo cada vez mais improvável – e pela evolução e popularização das novas redes que querem ocupar e revitalizar a praça, como Bluesky e Threads.

O futuro do X depende, sobretudo, dos próximos movimentos de Elon Musk – algo que nem o elucidativo e surpreendente "Limite de Caracteres" poderia prever.


SOBRE O AUTOR

Gustavo Mayrink é diretor de conteúdo e cultura. saiba mais