TikTok pode ser suspenso no país; ação reforça regulamentação sobre privacidade de crianças e jovens

Agência Nacional de Proteção de Dados quer que empresa retire do ar recurso do “feed sem cadastro”. Entenda

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Camila de Lira 5 minutos de leitura

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) instaurou um processo administrativo sancionador contra o TikTok para investigar possíveis irregularidades no tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. A autoridade suspeita que a rede social tenha violado a lei de proteção de dados pessoais. 

A autoridade pede para que a rede social retire do ar o recurso do “feed sem cadastro”, que permite que qualquer pessoa, inclusive menores de idade, acessem o conteúdo da plataforma.

Testes feitos pela própria autoridade do governo mostram que tal prática não acontece em locais como Estados Unidos e Europa. “Há um duplo padrão de proteção”, afirma Isabella Henriques, CEO do Instituto Alana e conselheira titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD). 

O Alana ajudou a Autoridade Nacional a levantar referências para o processo contra a ByteDance – empresa chinesa que opera plataformas de conteúdo, entre elas, o TikTok. A análise do instituto mostrou que a navegação sem registro é o padrão do feed do TikTok, em que o cadastro é uma ação voluntária do usuário.

A opção do design da plataforma privilegia a captação de audiência, mas falha em proteger o princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes, presentes na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Segundo este princípio, os direitos de crianças e adolescentes devem ser observados de forma prioritária, prevalecendo em face a outros interesses, de modo a garantir uma proteção adequada aos seus dados pessoais.

A autoridade deu 10 dias para o TikTok retirar o recurso feed sem cadastro e 20 dias para a ByteDance “aprimorar os mecanismos de verificação de idade”. Caso não atenda a essas exigências, a rede poderá sofrer sanções mais graves, como multas e até suspensão. Ou seja, ficar fora do ar. 

A infração com dados de crianças e adolescentes é considerada grave, com agravantes tanto pela LGPD quanto pela Constituição Federal. Caso isso acontecesse, seria um caso inédito de ação da ANPD. 

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De acordo com a Autoridade, o TikTok “realiza tratamento de dados pessoais de menores de idade tendo em vista o mecanismo frágil para identificar a idade dos usuários na hora do cadastro”. 

Em matéria publicada pela Fast Company Brasil em 8 de abril deste ano, o professor do departamento de computação da Universidade Federal Rural de Pernambuco George Valença classificou a falta de fricção do cadastro do TikTok como “propositalmente falha”. Segundo o especialista, mais etapas para o cadastro poderiam tornar a rede mais segura para adolescentes. 

PARA MAIORES E MENORES DE 13 ANOS

A decisão da ANPD resulta de um processo de fiscalização iniciado em 2021. Na época, a pesquisa girava em torno de como a rede social tratava dados do público menor de 15 anos. Em documentos enviados para a própria ANPD, a ByteDance afirma que a rede não é direcionada a menores de 13 anos. 

Dados da pesquisa TIC Kids Online de 2023 indicam que 63% das crianças e adolescentes brasileiros têm acesso ao TikTok. O levantamento feito pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil mostra que mais de 30% dos jovens entre nove e 10 anos têm o TikTok como a plataforma mais utilizada, atrás apenas do YouTube.

A ByteDance informou que, de outubro de 2021 a setembro de 2023, derrubou 7,75 milhões de contas de menores de 13 anos. A empresa, no entanto, não revela a quantidade de usuários no Brasil – algumas pesquisas estimam esse número em 98 milhões. Segundo Isabella, do Instituto Alana, não dá para medir a proporcionalidade das ações do TikTok para proteger o público infantil.

Fonte: Pesquisa TIC Kids Online 2023

A campanha que o TikTok fez para mostrar que a plataforma não era adequada para menores de 13 anos tinha linguagens e elementos apelativos para crianças, como desenhos e linguajar infantil. O Instituto Alana fez uma análise da campanha e percebeu que a maioria dos comentários nos vídeos eram feitos por crianças, questionando a indicação do próprio app.

Em nota, o TikTok informou que está trabalhando com a ANPD e com a sociedade civil para fortalecer os mecanismos de controle etário e que tem "um firme compromisso com a segurança e a privacidade".

“O aprimoramento dos mecanismos de controle etário é um desafio em toda a indústria, e continuaremos a fortalecer nossa abordagem, colaborando com a ANPD e com parceiros da indústria e da sociedade civil para encontrar outras soluções”, indicou a rede em nota. 

CONTEXTO INTERNACIONAL

A decisão brasileira acompanha ações semelhantes de autoridades internacionais, como a da União Europeia, que recentemente aplicou uma multa de € 345 milhões (mais de R$ 2,1 bilhões) ao TikTok por práticas inadequadas de proteção de dados de menores. 

Em março, o TikTok foi condenado a pagar US$ 11 milhões (R$ 63,5 milhões) pelo órgão de defesa da concorrência da Itália por verificação insuficiente de conteúdo.

o TikTok tem 10 dias para retirar o recurso feed sem cadastro e 20 para aprimorar os mecanismos de verificação de idade.

No ano passado, levou multa de US$ 16 milhões (R$ 92 milhões) do regulador de privacidade de dados do Reino Unido por manuseio inadequado das informações pessoais de crianças, além de multa de US$ 1 milhão (R$ 5,8 milhões) na Holanda e de US$ 5,7 milhões (R$ 33 milhões) nos Estados Unidos em 2019.

O TikTok recorreu às multas europeias, mas separou US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões) do seu caixa para provisões, de acordo com os resultados financeiros da Bytedance do terceiro trimestre. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, a rede não tem o recurso de feed sem logar. 

Advogados ligados ao caso dizem que, caso o TikTok consiga cumprir as premissas, haverá evolução na proteção de crianças em outros ambientes digitais. A intenção da ANPD é garantir a conformidade de empresas de tecnologia, para que elas ajam de maneira proativa para proteger a audiência online – principalmente com relação aos tipos de conteúdo.

Os impactos podem ir para além do TikTok. “Esta ação abre a porta para a fiscalização em outras plataformas, como as bets”, diz Isabella Henriques.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais