Um professor que parou de dar notas e contar faltas

As notas realmente refletem a aptidão e aprendizado de um aluno – ou seu potencial como futuro trabalhador?

Crédito: Istock

J. W. Traphagan 3 minutos de leitura

No semestre passado, realizei um experimento interessante em uma de minhas turmas. Parei de contar faltas e de dar notas. Em vez disso, periodicamente, me sentava com cada um dos alunos para discutirmos seu aproveitamento até aquele momento. Em nossas conversas, refletíamos sobre a entrega de trabalhos, provas escritas, presença e o quanto consideravam que haviam aprendido.

Os resultados foram incríveis. No último dia de aula, discutimos o que cada um achou da experiência, quais pontos da abordagem gostaram ou não. Eles me disseram que passaram a focar no aprendizado, não na nota. Muitos deles relataram que se sentiam mais livres e confiantes com sua escrita, por não terem que se preocupar em perder pontos.

o sistema de notas não é a melhor forma de avaliar conhecimento ou habilidade.

No início, alguns ficaram bastante frustrados com o novo sistema, já que foram condicionados a acreditar que a única maneira de medir o desempenho na escola é através de notas. Mas mesmo esses alunos, no final, disseram que isso fez com que se sentissem menos estressados. Curiosamente, a presença nas aulas foi de cerca de 95% no semestre – a mais alta entre as turmas que já tive.

Quanto a mim, não ter que dar nota foi libertador. Eu podia escrever comentários e críticas detalhadas sem me preocupar em atribuir um número de zero a dez aos trabalhos. Agora, faço o mesmo em todas as minhas turmas pequenas, e estou pensando em formas de aplicar esse sistema também nas maiores.

SEM PRESSÃO

A ideia de ser avaliado com notas é tão comum hoje que as pessoas raramente dão muita atenção ao que elas representam. Será que realmente refletem a aptidão e aprendizado de um aluno? Elas indicam se terão sucesso no mercado de trabalho?

Não. A verdade é que o sistema de notas não é a melhor forma de avaliar conhecimento ou habilidade. Em grande parte, ele apenas revela o quanto um indivíduo está em conformidade com as metodologias convencionais de aprendizagem e com o que esperam dele.

pessoas com TDAH apresentam ótimos resultados quando estão em um ambiente que os ajuda a se concentrar.

Essas expectativas são criadas por pessoas condicionadas a enxergar a aquisição de conhecimento e a aprendizagem em termos numéricos, como 80% ou 90%. Isso diminui a qualidade do aprendizado e impede que os alunos absorvam e usem informa- ções de formas diferentes.

Este efeito fica ainda mais evidente quando consideramos alunos neurodivergentes, como é o caso de pessoas com TDAH, que, em geral, não se dão muito bem com as abordagens pedagógicas convencionais, mas que apresentam ótimos resultados quando estão em um ambiente que os ajuda a se concentrar e os incentiva a explorar e desenvolver sua própria forma de aprender.

SEM COMPETIÇÃO

O uso de sistemas de notas estimula a competição, algo bastante valorizado na sociedade atual. Mas de um jeito muitas vezes equivocado, principalmente quando se trata de alunos. Em vez de se concentrar no aprendizado, esse sistema de avaliação foca em métricas – ter boas notas e passar de ano.

Para muitos, a ênfase ultracompetitiva das notas, que surgiu nos últimos 30 anos, apenas resultou em altos níveis de estresse – que, por sua vez, atrapalha a qualidade do ensino.

a ênfase ultracompetitiva das notas resultou em altos níveis de estresse.

De forma resumida, nosso sistema educacional gera estresse entre os alunos e não necessariamente oferece um aprendizado criativo ou promove o pensamento crítico. Ao mesmo tempo, treina as pessoas para estarem sempre em conformidade com as expectativas das autoridades. 

Os recrutadores devem se perguntar se esse é realmente o tipo de profissional que desejam ter em suas empresas. Você quer ter funcionários conformados e obedientes? Ou quer pessoas criativas, que refletem profundamente sobre questões complexas do trabalho e propõem ideias disruptivas que desafiam os pressupostos de sua organização?

Se você preferir a segunda opção, não há por que perder muito tempo analisando o histórico de notas dos candidatos. As notas não refletem a capacidade e o potencial de alguém, apenas revelam o quanto a pessoa age em conformidade com o que esperam dela.


SOBRE O AUTOR

J. W. Traphagan é professor de dimensões humanas de organizações na Universidade do Texas em Austin. saiba mais