Impacto ambiental: quais os riscos da mineração no fundo do mar?

O presidente dos EUA assinou uma ordem executiva liberando a mineração no leito oceânico. Isso pode ter profundas implicações para o ecossistema global

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Jessica Hullinger 4 minutos de leitura

Em meio à guerra comercial com a China, o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou na última quinta-feira (dia 24) uma ordem executiva para autorizar a exploração de minerais no fundo do mar – inclusive em águas internacionais.

Os mares cobrem cerca de 70% da superfície da Terra, mas o leito oceânico continua, em grande parte, intocado pelo ser humano. Embora pequenas operações exploratórias de mineração submarina já existam, a prática ainda não foi implementada em larga escala.

Isso se deve, em parte, ao medo de que a atividade venha a causar danos catastróficos a um dos ecossistemas mais preservados do planeta. O que acontece é que tecnologias de energia limpa – como painéis solares, turbinas eólicas e baterias – dependem de minerais críticos como níquel, lítio, cobalto, cobre e manganês.

Assim, existe uma preocupação crescente: haverá material suficiente para gerar energia limpa e atender às metas de zerar as emissões de carbono na atmosfera? Algumas empresas apontam a mineração em águas profundas como solução. Mas será que os riscos compensam?

COMO É A MINERAÇÃO EM ÁGUAS PROFUNDAS

A empresa canadense Metals Co. (TMC) já havia anunciado a intenção de solicitar ao governo Trump autorização para minerar metais no leito do oceano Pacífico. A operação envolveria a coleta de nódulos polimetálicos – rochas do tamanho de batatas que repousam sobre os sedimentos do fundo do mar e concentram diversos minerais valiosos.

O processo utilizaria uma máquina semelhante a um rover, lançada de um navio até o fundo do mar para recolher os nódulos e enviá-los de volta à superfície. A água e o sedimento extraídos seriam devolvidos ao oceano.

mineração em águas profundas
Crédito: The Metals Company

Só que esses nódulos desempenham um papel vital no ecossistema: são o único substrato sólido em imensas planícies de lama e abrigam milhares de espécies, muitas ainda desconhecidas pela ciência.

Pesquisas indicam que a remoção desses nódulos causaria perda na integridade das cadeias alimentares e redução significativa da biodiversidade marinha, com risco de impactos em cascata que podem afetar populações de peixes e ameaçar a segurança alimentar de milhões de pessoas.

Há ainda preocupações de que a mineração em águas profundas comprometa a capacidade do oceano de sequestrar carbono e produzir oxigênio, fatores críticos para o equilíbrio climático do planeta.

A própria TMC admite os riscos ambientais, mas argumenta que a "transição para a energia limpa exigirá concessões".

DEMANDA DEVE DOBRAR EM 5 ANOS

A Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos da ONU (ISA, na sigla em inglês) é o órgão responsável por regulamentar a mineração em alto-mar, mas até hoje não estabeleceu normas ambientais e financeiras claras.

Como os Estados Unidos nunca ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1994, o país não está obrigado a esperar pela autorização da ISA, o que explica a investida da TMC junto à Casa Branca

A empresa promete "uma rápida e massiva injeção de metais" na economia norte-americana, o que é estratégico: a demanda por minerais críticos deve mais que dobrar até 2030 e triplicar até 2040, impulsionada pelo avanço das tecnologias verdes.

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Crédito: The Metals Company

Apesar de haver grandes reservas em terra firme, a produção se concentra em poucos países, principalmente na China, tornando a cadeia de suprimentos vulnerável. Nos EUA, mais de 80% dos minerais críticos são importados.

As tensões comerciais agravaram o quadro: recentemente, a China restringiu a exportação de sete elementos de terras raras em resposta às tarifas impostas por Trump. A falta de investimentos também limita a expansão da produção terrestre.

Os nódulos polimetálicos desempenham um papel vital no ecossistema marinho.

A TMC sustenta que a mineração em águas profundas seria menos danosa ao meio ambiente do que a mineração em terra, conhecida por poluir, destruir ecossistemas e esgotar recursos naturais.

“A mineração, por sua própria natureza, não é uma atividade livre de impactos”, observa Melissa Barbanell, do World Resources Institute. No entanto, ainda não há consenso de que a mineração no fundo do mar seria de fato mais sustentável.

OPERAÇÃO PODE NÃO SER LUCRATIVA

Um estudo publicado na revista "Ocean Sustainability" tentou avaliar a viabilidade econômica da mineração em águas profundas. A conclusão: apenas as empresas de mineração teriam lucro – e, ainda assim, por pouco tempo.

“O único grupo que provavelmente verá algum lucro são as mineradoras, e não será muito”, afirma Ussif Rashid Sumaila, professor de economia oceânica e pesqueira na Universidade da Colúmbia Britânica e principal autor do estudo.

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Crédito: The Metals Company

O levantamento indica que os lucros iniciais da mineração em águas profundas poderiam ser elevados, impulsionados pela alta demanda. No entanto, à medida que a oferta desses metais fosse aumentando e os preços começassem a cair, os ganhos despencariam.

Operações caras e o risco de processos judiciais bilionários colocariam em dúvida a viabilidade de longo prazo da atividade. Empresas como a norueguesa Loke Marine Minerals já decretaram falência por falta de financiamento.

Quanto à natureza, o estudo de Sumaila prevê que os custos para mitigar danos ambientais seriam astronômicos. “Às vezes, a melhor decisão é apenas deixar as coisas onde estão”, conclui.


SOBRE A AUTORA

Jessica Hullinger é jornalista especializada em mudanças climáticas, inovação e ciência. saiba mais