Impacto social na juventude negra


Adriana Barbosa 5 minutos de leitura

Começo a falar sobre "autonomia", que é a capacidade de governar-se pelos próprios meios. Não me lembro de ter feito grandes planos para a minha trajetória profissional na infância, mas aprendi o significado do verbo “trabalhar” muito cedo.

Aos 15, tratei de procurar um jeito de fazer meu próprio dinheiro. Sempre me entreguei a tudo com profundidade e dedicação, então, quando o desemprego chegou pela primeira vez, no início dos meus 20 anos, fez um vácuo na minha rotina.

a sociedade e o mercado precisam absorver esta população não apenas em seus processos de consumo, mas no respeito à sua existência enquanto potência criativa e empreendedora.

O ímpeto de fazer algo que não fosse esperar por uma vaga não demorou a chegar. Decidi investir tempo em criar algo que suprisse as faltas que eu sentia naquele momento. Olhei ao meu redor e me perguntei: o que eu preciso agora?

A essa altura, eu nutria uma paixão pela cultura negra. Música, artes, cinema, tudo – e era urgente que esse segmento recebesse mais atenção, tanto do ponto de vista do lazer quanto do da economia.

Desde minha juventude até hoje, vendi roupas na rua, fui secretária e a moça que cola adesivos de emissoras de rádio nos carros do farol. Na década de 1990, me tornei uma estudante universitária de moda, depois mudei para marketing e desisti – o ambiente acadêmico era muito opressor e hostil para mim, preferi não insistir naquele momento.

Trabalhar era o movimento natural para mim. Não me lembro de um momento sequer em que as mulheres ao meu redor não trabalhassem. Usei a capacidade intelectual que minhas antepassadas haviam transmitido a mim como uma herança: a habilidade de transformar escassez em abundância.

AFROEMPREENDEDORISMO

Conto minha trajetória pensando que muitos jovens não têm a mesma  que a minha. Há um grande desafio no enfrentamento ao racismo estrutural, especialmente os ataques cometidos contra a juventude negra. Uma forma básica de se pensar é que ela se constitui enquanto uma fase do desenvolvimento da vida fisiológica do ser humano, na qual experiências contingentes são características.

Desde muito se fala em juventude negra no Brasil. Contudo, tem-se falado com maior regularidade e constância na medida em que as estatísticas sobre violência têm revelado o peso que ser jovem e ser negro tem ao se contarem as vítimas da violência letal. Sobretudo com o surgimento do movimento hip hop, sua linguagem musical, o rap, e os grupos que tematizam em suas canções os dramas vividos por pessoas negras de periferias, em especial a violência policial.

A Feira Preta iniciou-se a partir do mapeamento do afro- empreendedorismo. Observamos o deslocamento de jovens negros de regiões periféricas para locais que tivessem mais consumo e também para a produção cultural. Era uma cadeia de produção e consumo negro.

Em 2019, realizamos o terceiro estudo sobre as dores e amores do empreendedorismo negro no Brasil. Destaco alguns dados: há um número expressivo de empreendedores por vocação, que vislumbram oportunidades. E há o empreendedor engajado, que se autodeclara negro e empreende em produtos e serviços voltados à questão racial.

Segundo pesquisa do Data Favela, 5,2 milhões de moradores de comunidades já empreendem e seis milhões sonham em ter seu próprio negócio.

Desde o início, pensamos na relação com a cultura, a economia e o empreendedorismo preto a partir de um olhar honesto e propositivo, entendendo seus papéis fundamentais na mudança estrutural de uma sociedade – e um mercado – que precisa absorver esta população não apenas em seus processos de consumo, mas no respeito à sua existência enquanto potência criativa e empreendedora.

A criação de todos os projetos que surgiram a partir da Feira Preta é uma resposta sobre as especificidades dos negócios negros, para trazer ferramentas práticas, inspirações e espaço de criação e produção efetiva, considerando contextos e desafios externos.

Em 2023, por exemplo, trouxemos uma nova perspectiva para o Afrolab, um dos projetos da PretaHub, que é um programa voltado para a capacitação de empreendedores negros e indígenas. Ele atuará em formato de aceleração, selecionando em média 300 pessoas que poderão participar das 10 fases planejadas.

O projeto se iniciou em abril, por meio da já tradicional Jornada Imersiva Afrolab. É uma jornada completa de fomento ao empreendedor, a médio e longo prazo, na qual acompanhamos o desenvolvimento, mudanças e crescimento dos empreendimentos de profissionais negros e indígenas.

CAPACIDADE CRIATIVA

A economia criativa tem se mostrado uma importante fonte de renda e geração de empregos. Segundo pesquisa do Data Favela 2023, a população das comunidades movimenta anualmente R$ 200 milhões – R$ 12 milhões a mais em relação ao último ano. Cerca de 5,2 milhões de moradores dessas comunidades já empreendem e seis milhões sonham em ter seu próprio negócio.

Há um grande desafio no enfrentamento ao racismo estrutural, especialmente os ataques cometidos contra a juventude negra.

Os dados apresentados demonstram que a população periférica movimenta uma grande parte da economia brasileira, sendo que a maioria dos empreendedores inicia seus próprios negócios sem qualquer tipo de investimento financeiro.

A falta de oportunidades no emprego formal, somada a essa grande capacidade criativa, faz com que as favelas e periferias sejam ambientes onde o empreendedorismo ganha força. O setor envolve moda, design, produção audiovisual, arquitetura, tecnologia, comunicação, entre outras atividades.

Não é por acaso que é considerado um dos setores que mais crescem no mundo, respondendo por 6,1% da economia global – equivalente a um faturamento anual de US$ 2,25 bilhões – e 30 milhões de empregos no mundo.

É necessário entender como a construção desses negócios podem amenizar essa desigualdade, quebrar barreiras e fortalecer uma comunidade que cresce a cada ano e impulsiona a economia brasileira. Além disso, o aumento dessa representatividade negra no mercado, incentiva a contratação, financiamento e promoção das pessoas negras.

A pluralidade dá trabalho e tenho encarado isso com coragem. Assim, sigo o caminho trilhado pelas minhas ancestrais com o olhar no futuro.


SOBRE A AUTORA

Adriana Barbosa é fundadora da Feira Preta, evento de cultura e empreendedorismo, e CEO da PretaHub. Foi apontada pelo Fórum Econômico... saiba mais