A inteligência artificial conseguirá substituir trabalhadores em greve?

Perplexity ofereceu sua tecnologia ao "The New York Times" durante uma greve, ressaltando as sérias preocupações trabalhistas com a IA

Crédito: Freepik

Kristin Toussaint 4 minutos de leitura

Quando os trabalhadores da área de tecnologia do jornal "The New York Times" entraram em greve na véspera da eleição presidencial nos EUA, o editor do jornal, AG Sulzberger, criticou a medida, dizendo que era “preocupante que a Tech Guild [o sindicato dos trabalhadores de tecnologia] tentasse bloquear o serviço público do jornal em um momento tão importante para o país”. 

Alguns dos trabalhadores em greve lidam com software e análise de dados. Não ficou claro se, sem eles, o site do jornal seria capaz de lidar com o aumento esperado do tráfego causado pelas eleições.

Aravind Srinivas, CEO da empresa de IA Perplexity, respondeu no X (ex-Twitter) às declarações de Sulzberger, dizendo que sua empresa estava “de prontidão para ajudar a garantir que sua cobertura essencial esteja disponível para todos durante a eleição”. 

A greve dos trabalhadores de tecnologia terminou depois de uma semana (embora sem uma resolução contratual), e não houve relatos de interrupções no site. Mas a oferta de Srinivas soou para muitos como uma forma de enfraquecer o poder do sindicato e comprometer a capacidade dos trabalhadores de lutar por melhores condições de trabalho. 

A Perplexity não respondeu ao pedido de comentário da Fast Company, mas Srinivas  disse no  X que a oferta “não era para ‘substituir’ jornalistas ou engenheiros por IA, mas para fornecer infraestrutura técnica em um dia de alto tráfego”.

Acontece que esse é o trabalho dos profissionais de tecnologia – fornecer essa infraestrutura – e não o dos jornalistas ou engenheiros que, obviamente, não estavam em greve.

Embora não esteja claro para qual trabalho Srinivas estava oferecendo seus serviços, o caso realçou as possíveis maneiras pelas quais a IA poderia prejudicar ações trabalhistas em geral e as preocupações que os trabalhadores têm sobre como seus empregadores podem estar integrando essas ferramentas. 

Sharon Block, diretora executiva do Centro para o Trabalho e uma Economia Justa da Faculdade de Direito de Harvard, diz que a oferta da Perplexity “apenas ressalta a importância de as pessoas terem um sindicato para ajudá-las a atravessar esse período”.

POUCA ADESÃO SINDICAL

Embora a participação em sindicatos ainda seja baixa nos EUA (apenas cerca de 6% dos trabalhadores do setor privado são sindicalizados), o apoio público a eles tem aumentado. Uma pesquisa da Gallup de 2022 revelou que 71% dos norte-americanos apoiam os esforços de sindicalização, um recorde desde 1965. 

E como a sindicalização tem crescido nos últimos anos, cada vez mais trabalhadores têm recorrido a greves para exercer seu poder. Em 2023, cerca de 539 mil entraram em greve nos EUA – um aumento de 141% em relação a 2022. 

Esse número foi reforçado por ações que incluíram as greves de escritores e atores, ambas relacionadas ao uso de IA. Os trabalhadores conquistaram proteções em relação ao uso de IA e aos créditos dos roteiristas, incluindo o fato de que uma empresa não pode exigir que um roteirista use IA, além de proteções em relação às imagens digitais dos atores

Piquete em frente ao estúdio da Netflix em Los Angeles (Crédito: Damian Dovarganes/ AP)

Os sindicatos estão apenas começando a negociar sobre o uso de IA. As áreas mais ativas têm sido as dos trabalhadores criativos por meio do Sindicato dos Escritores (Writers Guild) ou do SAG-AFTRA (atores). Esse tipo de trabalho é único porque há questões relacionadas aos direitos de propriedade e ao uso de IA. 

No entanto, é mais difícil proteger o trabalho de pessoas que não atuam em setores criativos, e a inteligência artificial já está substituindo alguns trabalhos mais técnicos, como a entrada de dados.

UMA DISCUSSÃO EM ABERTO

Embora o uso da IA possa ser novo, a questão geral – a capacidade dos empregadores de combater as ações trabalhistas – não é. Supostamente, os empregadores poderiam ameaçar com a possibilidade de uma ação trabalhista.

Em princípio, os empregadores poderiam ameaçar terceirizar um trabalho para a IA, mas essa ameaça só tem credibilidade “se a IA for significativamente mais barata e tão eficaz quanto os próprios trabalhadores”, diz Block. Mas, para ela, a tecnologia ainda não provou seu valor.

A substituição só tem valor se a IA for muito mais barata e tão eficaz quanto os próprios trabalhadores.

Ao conversar com engenheiros de software para sua pesquisa, alguns lhe contaram que as ferramentas de IA ajudam em seu trabalho de programação, mas outros disseram que é como “consultar cartas de tarô – não é preciso o suficiente para de fato fazer um bom trabalho ao me ajudar a escrever código e resolver problemas”. 

Até mesmo as grandes empresas de tecnologia parecem reconhecer isso. Quando o Google lançou novas ferramentas de IA para o Chrome, um pop-up avisou: “este recurso usa IA e nem sempre acerta”. Os funcionários que trabalham com ferramentas de IA frequentemente mencionam a necessidade de checar seu trabalho. 

Isso significa que os trabalhadores ainda não estão enfrentando a ameaça de serem completamente substituídos pela IA de uma só vez. Mas ainda há questões a serem resolvidas sobre como a tecnologia está sendo integrada ao trabalho cotidiano, e é preciso que os trabalhadores participem dessas discussões.


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais