A inteligência artificial será sua assistente no trabalho ou vai virar seu chefe?

Especialista em ética de IA argumenta que ela pode criar um novo ambiente de trabalho baseado em vigilância

Crédito: Josef Kubes/ iStock

Nell Watson 5 minutos de leitura

Todo mundo já percebeu que a inteligência artificial está mudando a forma como trabalhamos. Mas ainda não ficou claro quais são as tarefas que a IA vai assumir. Será que vamos aproveitá-la como um tipo de assessor executivo pessoal? Ou a IA é que vai acabar supervisionando os trabalhadores humanos?

Como já dizia o psicólogo social alemão Erich Fromm, "o mal do passado era os homens se tornarem escravos. O perigo do futuro é que eles se tornem robôs".

Confira a seguir o que sabemos até o momento sobre as chances de a IA se tornar o assistente dos sonhos que as pessoas sempre desejaram – e as chances de ela se tornar o tipo de chefe que os trabalhadores nunca quiseram.

AVANÇOS NA IA

A tomada de decisões por máquinas está tomando conta da gestão nas empresas. Essa gestão algorítmica está transformando a gerência média e influenciando a diretoria executiva. De fato, a IA pode melhorar muito as funções executivas, analisando rapidamente dados complexos sobre tendências de mercado, comportamento da concorrência e recursos humanos. 

Um consultor de IA pode fornecer ao CEO recomendações sucintas e baseadas em dados sobre decisões estratégicas, como expansão de mercado, desenvolvimento de produtos, aquisições e parcerias.

A IA agêntica – que se refere a sistemas de inteligência artificial que podem se adaptar e atingir metas complexas de forma independente – marca uma nova fase no desenvolvimento da tecnologia. Esses sistemas se integram a grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) para fornecer ferramentas para inovação, logística e gerenciamento de riscos.

No entanto, os recursos independentes da IA agêntica vêm acompanhados de desafios éticos e de segurança únicos em comparação com outros sistemas de inteligência artificial. Sendo assim, demandam um alinhamento cuidadoso das metas da IA com os valores humanos, para evitar consequências indesejadas.

Com a evolução dessas tecnologias, uma supervisão minuciosa vai se tornar cada vez mais essencial para aproveitar os benefícios e, ao mesmo tempo, atenuar os riscos.

A inclusão de ferramentas de IA na gestão tem implicações sociais importantes. A automação que esvazia as funções de gerência de nível médio pode levar a crises de identidade, já que o entendimento tradicional de "gestão" se modifica.

Na consultoria de gestão, o fato de que a IA oferece conselhos estratégicos baseados em dados é inovador. No entanto, a implementação da IA em funções tão importantes exige uma supervisão meticulosa para validar as recomendações e reduzir os riscos.

O IMPACTO DA IA NOS EMPREGOS

No passado, o maior impacto da IA sobre os empregos foi a substituição do trabalho manual. Mas agora, ela está assumindo tarefas mais "intelectuais", como análise de dados e atendimento ao cliente.

Acredito que, diferentemente das mudanças tecnológicas anteriores, a IA ameaça monopolizar o trabalho intelectual, possivelmente relegando aos humanos apenas as tarefas manuais e comportamentais básicas. 

IA agêntica são sistemas de inteligência artificial que podem se adaptar e atingir metas complexas de forma independente.

Alguns especialistas costumam chamar isso de "enclausuramento da atividade intelectual". Em outras palavras, uma redução da qualificação da força de trabalho. A capacidade da IA agêntica de se adaptar e atingir metas complexas de forma independente pode acelerar essa tendência, otimizando e automatizando as tarefas intelectuais.

Os algoritmos já direcionam trabalhadores autônomos em tarefas fragmentadas e de curto prazo. Embora isso não cause desemprego generalizado, pode tornar os empregos ainda menos gratificantes e os serviços menos eficazes. Eu argumentaria que a "gigificação" divide o trabalho em tarefas desconectadas, reduzindo a satisfação e o envolvimento de longo prazo.

A IA que opera no âmbito de um fluxo de trabalho agêntico pode ser usada para gerenciar e otimizar essas tarefas fragmentadas, o que pode agravar os problemas de empregos menos gratificantes e de serviços abaixo da média.

OS RISCOS DA GESTÃO POR ALGORITMOS

A integração de aprendizado de máquina e automação nos negócios promete aumentar a eficiência. No entanto, eu argumentaria que esses sistemas colocam em risco a autonomia e o bem-estar dos trabalhadores.

A IA pode aumentar o potencial humano ou substituí-lo, reduzindo as pessoas a meras engrenagens em uma máquina automatizada. A adaptabilidade e a capacidade de atingir objetivos independentemente da IA agêntica poderiam levar a sistemas de gestão ainda mais impessoais e draconianos.

Crédito: Freepik

A natureza impessoal desses sistemas os torna potencialmente tirânicos, controlando sem contexto, empatia ou compreensão. Sua complexidade pode atingir um ponto em que até mesmo os criadores não conseguem explicar totalmente seu comportamento.

Uma vez estabelecidos, esses sistemas são difíceis de reverter, arriscando consolidar ambientes de trabalho desumanos. A capacidade da IA agêntica de otimização visando maior eficiência, sem contexto humano ou empatia, poderia perpetuar e consolidar esses problemas.

PRESSIONANDO OS HUMANOS A SE ADAPTAR

No universo conduzido pela IA, as funções humanas tradicionais poderiam ser reduzidas a "manipuladores de máquinas", que supervisionam os sistemas automatizados, e a "detectores de desvios", que lidam com as falhas.

Acredito que o aspecto mais alarmante do trabalho de transformação da inteligência artificial não é apenas a perda de empregos, mas a transformação dos que restarem em funções robóticas. 

a IA ameaça monopolizar o trabalho intelectual, relegando aos humanos apenas tarefas básicas.

Sob o gerenciamento algorítmico, cada ação consiste em um exame minucioso dos dados, comparando o desempenho humano com as métricas da máquina. A capacidade da IA de otimizar fluxos de trabalho e processos pode intensificar a pressão sobre os funcionários para que adotem comportamentos semelhantes aos das máquinas – sempre disponíveis, muito focados, preferindo métricas quantitativas – se quiserem manter o emprego.

Embora isso possa aumentar a produtividade, acaba exaurindo os funcionários, em uma rotina insustentável. A adaptabilidade da IA agêntica pode levar a padrões de desempenho ainda mais rígidos e implacáveis, que deixam pouco espaço para a liberdade ou a criatividade humana.

    Essa mecanização da gestão reduz o espaço para a espontaneidade, a criatividade e os erros toleráveis. As ações individuais são reduzidas apenas a dados e a margem de manobra para as escolhas humanas diminui.

    Ironicamente, conforme as máquinas avançam na tentativa de imitar a cognição humana, os seres humanos estão sendo pressionados a abandonar suas qualidades únicas para atender aos padrões das máquinas.


    SOBRE A AUTORA

    Nell Watson presidente do Escritório Europeu de IA Responsável, especialista em IA na Singularity University e pioneira em padrões glo... saiba mais