A neurociência comprova: ler por prazer faz muito bem para o cérebro

A habilidade de ler está associada a uma parte anterior maior do lobo temporal no hemisfério esquerdo em comparação com o direito

Créditos: Deagreezvia Getty images

The Conversation 4 minutos de leitura

O número de pessoas que leem por prazer tem diminuído continuamente. Cinquenta por cento dos adultos do Reino Unido declararam que não leem regularmente (contra 42% em 2015), de acordo com pesquisa da The Reading Agency.

No Brasil não é diferente. A pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil" mostra que nos últimos quatro anos, o país perdeu cerca de 7 milhões de leitores. Pela primeira vez na história, o estudo mostrou que a maioria dos brasileiros não leem.

Mas quais são as implicações disso? A preferência das pessoas por vídeos em vez de textos pode afetar nossos cérebros ou nossa evolução como espécie? Que tipo de estrutura cerebral os bons leitores desenvolvem, de acordo com a ciência? 

Eu analisei dados de código aberto de mais de 1.000 participantes e descobri que leitores de diferentes tipos e níveis de habilidade tinham características distintas na anatomia do cérebro. 

Leitores de diferentes tipos e níveis de habilidade tem características distintas na anatomia do cérebro 

A estrutura de duas regiões no hemisfério esquerdo, que são cruciais para a linguagem, era diferente nas pessoas que eram leitoras frequentes. Uma delas era a parte anterior do lobo temporal. O polo temporal esquerdo ajuda a associar e categorizar diferentes tipos de informações significativas.

Para montar o significado de uma palavra como “perna”, essa região do cérebro associa as informações visuais, sensoriais e motoras que transmitem a aparência, a sensação e o movimento das pernas.

Crédito Getty Images

A outra região foi o giro de Heschl, uma dobra no lobo temporal superior que abriga o córtex auditivo. A maior habilidade de leitura foi associada a uma parte anterior maior do lobo temporal no hemisfério esquerdo em comparação com o direito. Faz sentido: ter uma área cerebral maior dedicada ao significado facilita a compreensão das palavras e, portanto, a leitura.

O que pode parecer menos intuitivo é que o córtex auditivo esteja relacionado à leitura. A leitura não é principalmente uma habilidade visual? Não apenas. Para associar as letras aos sons da fala, primeiro precisamos estar cientes dos sons do idioma. 

Essa consciência fonológica é um precursor bem estabelecido do desenvolvimento da leitura nas crianças. Um giro de Heschl esquerdo mais estreito já foi relacionado à dislexia, que envolve graves dificuldades de leitura. 

POR QUE O TAMANHO É IMPORTANTE

Maior espessura é sempre melhor? Quando se trata de estrutura cortical, não necessariamente. Sabemos que o córtex auditivo tem mais mielina no hemisfério esquerdo da maioria das pessoas. A mielina é uma substância gordurosa que atua como um isolante para as fibras nervosas. 

Acredita-se que seu maior isolamento e sua rápida comunicação no hemisfério esquerdo possibilitem o processamento rápido e categórico necessário para a linguagem. Precisamos saber se um falante usa o som “t” ou “c” ao dizer tapa ou capa, e não detectar o ponto exato em que as pregas vocais começam a vibrar.

De acordo com o “modelo de balão” do crescimento cortical, a maior quantidade de mielina comprime as áreas corticais do hemisfério esquerdo, tornando-as mais planas, porém mais extensas. Portanto, embora o córtex auditivo esquerdo possa ser mais espesso em bons leitores, ele ainda é mais fino (mas muito mais estendido) do que o córtex direito equivalente.

Essa hipótese foi corroborada em uma pesquisa recente. O hemisfério esquerdo tinha áreas corticais geralmente maiores, porém mais finas, com um grau maior de mielina.

Então, quanto mais fino, melhor? Novamente, a resposta é: não necessariamente. Habilidades complexas que exigem a integração de informações tendem a se beneficiar de um córtex mais espesso. O lobo temporal anterior, com sua forma complexa de integrar informações, é sem dúvida a estrutura mais espessa de todas as áreas corticais. 

A fonologia é uma habilidade altamente complexa, na qual diferentes características sonoras e motoras são integradas aos sons da fala. Embora não esteja claro até que ponto a fonologia é processada no giro de Heschl, o fato de que os foneticistas geralmente têm vários giros de Heschl esquerdos sugere que ela está ligada aos sons da fala.

Aquele momento aconchegante com um livro em sua poltrona não é apenas um momento pessoal - é um serviço à humanidade

Claramente, a estrutura cerebral pode nos dizer muito sobre as habilidades de leitura. Porém, o mais importante é que o cérebro é maleável - ele muda quando aprendemos uma nova habilidade ou praticamos uma habilidade já adquirida.

Por exemplo, jovens adultos que estudam idiomas intensamente aumentaram sua espessura cortical nas áreas de linguagem. Da mesma forma, é provável que a leitura molde a estrutura do giro de Heschl e do polo temporal esquerdo. Portanto, se você quiser manter seu giro de Heschl denso e viçoso, pegue um bom livro e comece a ler.

Por fim, vale a pena considerar o que pode acontecer conosco como espécie se habilidades como a leitura deixarem de ser priorizadas. Nossa capacidade de interpretar o mundo ao nosso redor e entender a mente dos outros certamente diminuiria. Em outras palavras, aquele momento aconchegante com um livro em sua poltrona não é apenas um momento pessoal - é um serviço que você presta à humanidade.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O(A) AUTOR(A)