A volta por cima: psicólogo do Botafogo conta o que torna um time (e um líder) campeão
Paulo Ribeiro fala sobre desafios de gerar confiança em um ambiente de muita pressão e pouco generoso com o erro - como o futebol e o mundo corporativo
O que acontece quando um líder coloca a saúde mental dos colaboradores em primeiro lugar? A temporada de 2024 do Botafogo responde. O time ganhou o título inédito da Libertadores da América e venceu o Brasileirão.*
Os resultados dentro de campo refletem os investimentos que o Botafogo fez em psicologia esportiva. Nos últimos 12 meses, houve esforço coletivo para criar um ambiente de segurança emocional para atletas e comissão técnica.
O trabalho psicológico transformou a frustração das derrotas em aprendizado e a cobrança dos torcedores em motivação. Tudo isso a partir do apoio aos sentimentos e às particularidades de cada um. Segurança psicológica significa garantir que todos possam expressar ideias, opiniões e sentimentos sem medo de julgamentos.
“Toda vez que um líder puder proporcionar o melhor ambiente possível e a melhor gestão das emoções, melhores resultados o grupo vai apresentar”, diz Paulo Ribeiro, head de psicologia do Botafogo.
Ribeiro trabalha com futebol há mais de 30 anos. Foi psicólogo do Flamengo por 21 anos e atuou no Vasco da Gama. Atualmente, também é professor universitário e coordena um curso de formação em psicologia e neurociência do esporte e do exercício.
Para ele, o mundo corporativo se assemelha em muito ao ambiente esportivo. Ambos exigem bastante. Assim como nas empresas, o futebol é pouco gentil com erros.
Não é incomum que atletas e torcedores lembrem, com detalhes excruciantes, sobre um jogo perdido há 30 anos. Botafoguenses, por exemplo, nunca se esqueceram da derrota de 3 a 0 contra o Flamengo na fase de mata-mata do Campeonato Brasileiro, em 1992.
No esporte como na vida, é importante que a pessoa encare os erros como um processo de aprendizado.
A memória “de ferro” com os fracassos aumenta a pressão sobre os times. Em casos de clubes grandes, chega a sobrecarga mental. Pesquisa feita pela Unicamp mostra que 3% dos atletas brasileiros de alto rendimento têm sintomas de depressão grave e cerca de 30% relataram sintomas leves ou moderados. Outros 5% apresentaram taxas graves de ansiedade, enquanto 16% sofrem com sintomas moderados do transtorno.
No mundo corporativo, esse cenário não é diferente. Segundo a International Stress Management Association (ISMA), 30% dos trabalhadores brasileiros apresentam sintomas de exaustão extrema, esgotamento e estresse, mais conhecido como burnout. O país é o segundo no ranking mundial com a maior incidência da síndrome.
"Se eu estou forte mentalmente, consigo seguir adiante mesmo com grandes cobranças", diz o psicólogo.
A BOLA PUNE, MAS TAMBÉM FAZ GOL
Desde 2019 no Botafogo, Ribeiro acompanhou fases complicadas e gloriosas do alvinegro carioca. Em 2021, o time disputou a série B do Campeonato Brasileiro. Em 2023, já na série A, a equipe fez o melhor primeiro turno da história do campeonato: 82,5% de aproveitamento, 47 pontos. Chegou na metade da tabela com 13 pontos de folga para o vice-líder.
No segundo turno, no entanto, o Botafogo fez apenas 12 pontos e acabou perdendo o campeonato na reta final – na 35ª rodada, de um total de 38.
Em 2024, o cenário parecia se repetir. O Botafogo liderava o campeonato até a 35ª rodada, quando perdeu a posição para o Palmeiras. Diferentemente de 2023, este ano os clubes tiveram uma disputa direta na 36ª rodada, no Allianz Parque, “casa” do adversário paulista. A equipe carioca, no entanto, ganhou por 3 a 1.
“O trabalho no qual a gente se fixou foi entender o que aconteceu e não tocar mais nesse assunto. Não tinha porque ficar ruminando sobre a questão. Entendemos, aceitamos, aprendemos. Porém, seguimos", comenta o psicólogo.
Ele destaca que, com a chegada de novos atletas em 2024 – muitos dos quais não participaram dos acontecimentos do ano anterior –, não havia razão para permanecer focado no passado. A abordagem foi aceitar e aprender com os eventos, mas avançar com um propósito claro: não repetir os padrões.
Essa perspectiva reflete uma estratégia de resiliência e foco no presente. Ao evitar a "ruminação" e concentrar-se nos objetivos atuais, o Botafogo conseguiu se superar.
Tanto no esporte quanto na vida, Ribeiro diz que é importante que a pessoa encare os erros como um processo de aprendizado. “Se o líder consegue construir um ambiente que proporcione o aprendizado a partir do erro e uma nova visão sobre os ocorridos, ele consegue promover a resiliência dentro da equipe", ensina.
SOB PRESSÃO
A torcida botafoguense lotou Buenos Aires nos dias anteriores ao jogo da final da Libertadores da América, em 29 de novembro. Só no estádio Monumental, foram 40 mil torcedores do clube. Isso sem contar os milhares que não conseguiram entradas, mas se espalharam por bares em Porto Madeiro.
A cobrança dos fãs foi usada como energia para o time. O psicólogo fez referência ao técnico norte-americano de basquete Doc Rivers. Ele dizia que a pressão é um privilégio que times vencedores precisam abraçar. O norte-americano foi responsável pelo retorno do time do Celtics à elite da liga de basquete dos Estados Unidos (NBA), em 2008.
A trajetória de Doc foi imortalizada no documentário da Netflix "The Playbook: Estratégias para Vencer". No filme, o lendário técnico lista regras que apoiam o seu trabalho: “termine a corrida”; “não se vitimize, tome responsabilidade pelos erros"; “ubuntu, tudo é coletivo” e “pressão é privilégio”.
Desde 2021, as paredes internas do estádio Nilton Santos têm quadros com as quatro regras de Doc Rivers. Na época, a visão deu gás para o Botafogo subir para a Série A. Hoje em dia, as regras norteiam o trabalho mental do time.
Ribeiro diz que os torcedores fazem parte da pressão positiva, que motiva e dá energia para o time se superar. "Se eu tenho uma pressão boa, uma cobrança boa, entrego um resultado bom. A cobrança faz agir, não deixa cair na lentidão ou na procrastinação", acrescenta.
EMPATIA NA LIDERANÇA
A maneira como a pressão é gerida está diretamente relacionada à empatia e ao comportamento construtivo dos líderes. “A equipe é feita de pessoas com conceitos diferentes, que vieram de lugares diferentes, estão em momentos de vida diferentes, mas que precisam conversar. O trabalho do líder é fazer com que essa conversa aconteça”, diz.
O líder atento aos colaboradores evita que haja contágio emocional negativo no time. O psicólogo esportivo estudou sobre o assunto no doutorado. O contágio emocional ocorre quando o ser humano reconhece as emoções dos demais e, inconscientemente, as imita. Sabe quando uma pessoa na sala boceja e todos bocejam? É mais ou menos isso.
Na final da Copa Libertadores da América, o Botafogo jogou desde o primeiro minuto com um jogador a menos. E ganhou por 3 a 1.
O estresse da expulsão poderia ser contagioso. Os fãs estavam ansiosos. Ainda assim, os jogadores mantiveram o foco. Uma das razões foi a ação do líder do clube, o técnico Artur Jorge. O treinador não mudou a equipe depois do cartão vermelho.
A atitude mostrou que ele estava confiante e que o time podia seguir o jogo, sentimento que foi replicado pelos jogadores. Um exemplo de contágio emocional positivo.
Ao evitar a "ruminação" e concentrar-se nos objetivos atuais, o Botafogo conseguiu se superar.
A atitude do líder acaba dando o tom da equipe, para o bem ou para o mal. Por isso, o gestor precisa estar atento ao que está acontecendo no ambiente. “O contágio emocional, por vezes, é determinante para o insucesso”, aponta Ribeiro.
A segurança psicológica cria o espaço e a empatia do líder dá o tom para o ambiente colaborativo. A colaboração torna os processos de lidar com estresse ou frustração mais leves. Cada um tem lugar para dividir seu conhecimento, dando mais repertório para o time encontrar resoluções.
Trabalho em equipe é um dos sete princípios do núcleo de Saúde. Para o Botafogo, o resultado desse trabalho ajudou na conquista do título inédito.
*Esta matéria foi atualizada dia 9, às 23h