Abrimos a caixa de Pandora
A esperança, único dom que sobrou na mítica caixa, é o que nos impede de sucumbir à enxurrada de informações e fake news a que somos expostos diariamente
Todos os dias, uma enxurrada de conteúdos sobre (quase) tudo é despejada em todas as mídias, e todos, por mais leigos no tema, sentem-se compelidos a opinar, transformados em experts autointitulados. Isso causa ansiedade e aflições até então inéditas em tempos modernos.
Podemos relacionar essas aflições ao mito grego da Caixa de Pandora (que gira em torno do titã Prometeu, seu irmão Epimeteu e o deus Zeus). Na caixa era possível encontrar todos os males da Terra, como miséria, pobreza, morte, vícios, inveja e outros. No entanto, existia uma única coisa positiva dentro dela: a esperança. Talvez seja ela que nos impeça de colapsar diante de tantos males travestidos de insights e inputs intermináveis.
Quanto mais espaço for ocupado pelas vozes responsáveis, menos haverá para os que apostam (e muitas vezes lucram) na confusão e disseminação de mentiras.
Dentre estes males estão a hipercomunicação e a hiperconectividade, que, como desdobramentos, nos levaram a sofrer um leque de distúrbios contemporâneos, como a proliferação de ˜efes˜: FOMO (fear of missing out), “medo de ficar de fora” ou “medo de estar perdendo alguma coisa importante”; FORTO (fear of returning to the office) ou “medo de retornar ao escritório”; FOPO (fear of people’s opinions), “medo da opinião alheia” ou “medo do julgamento”; e até uma outra versão de FOPO (fear of posting out), ou “medo de não postar o suficiente”, que tem sido outra aversão bastante acentuada nos últimos dois anos.
Também vivemos uma enxurrada de agendas, simultâneas e igualmente relevantes, que aumentam nossa ansiedade: posições políticas, liderança feminina, questões identitárias (gênero e “raça”, principalmente), empreendedorismo, ESG, inovação, tecnologia, sustentabilidade etc.
Essa velocidade vertiginosa de fobias e a multiplicação de “agendas” acaba induzindo à perpetuação de conteúdos, boa parte cada vez menos embasados, numa espécie de “telefone sem fio” anabolizado, em que o que normalmente já nasce ruim acaba tendo uma trajetória devastadora e melancólica.
Nós, que trabalhamos e vivemos a comunicação, devemos ser, na sociedade, aqueles capazes de identificar formas mais hábeis de nos comunicar (tanto na forma, como na frequência), com o intuito de ajustar nosso olhar e compreender a força e o valor do conteúdo de qualidade.
Tentemos não reverberar e, pior, até amplificar as vozes de palpiteiros, sejam eles bem ou mal-intencionados.
Talvez o sopro de esperança seja em direção ao caminho da autorregulação, isto é, por meio de lideranças hábeis e engajadas com o compromisso de gerar e propagar conteúdos e mensagens genuínas, subindo a barra das discussões com temas tratados de forma embasada.
Ouçamos quem tem, de fato, o que dizer. Tentemos não reverberar e, pior, até amplificar as vozes de palpiteiros, sejam eles bem ou mal-intencionados. Quanto mais espaço for ocupado pelas vozes responsáveis, menos haverá para os que apostam – e muitas vezes lucram – na confusão e disseminação de mentiras.
Podemos fortalecer a “esperança da Caixa de Pandora” por meio das vozes que consigam provocar o interesse da sociedade com o objetivo de criar diálogos, que não questionem o que, coletivamente, já temos pacificado – como, por exemplo, o conceito de que a democracia não é perfeita, mas é o melhor que conseguimos produzir até hoje.
Esta pode ser uma forma de amenizar medos, diminuir o ruído e a confusão. Nós, gestores de comunicação, somos parte fundamental desta equação. Podemos melhorar a frequência e aumentar o som e a circulação de verdades e generosidade e tentar, assim, impedir o eco de atitudes, gestos e falas encharcadas de violência e mentira, que acabam por intoxicar nossas vidas.