Até o Japão quer que os trabalhadores experimentem a semana de 4 dias

Governo lança campanha para incentivar menos horas de trabalho e outros tipos de acordo que permitam maior flexibilidade

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Yuri Kageyama 5 minutos de leitura

O Japão é uma nação tão viciada em trabalho que seu idioma tem um termo específico para designar o ato de trabalhar até a morte. Mas até eles estão convencendo pessoas e empresas a adotarem semanas de trabalho de quatro dias, em um esforço para lidar com a preocupante escassez de mão de obra. 

O governo japonês expressou pela primeira vez seu apoio a uma semana de trabalho mais curta em 2021, depois que os legisladores aprovaram a ideia. No entanto, esse conceito demorou a se popularizar: apenas cerca de 8% das empresas permitem que os funcionários tirem três ou mais dias de folga por semana, enquanto 7% concedem a seus funcionários um único dia de folga, obrigatório por lei.

Na esperança de produzir mais adeptos, especialmente entre as empresas de pequeno e médio porte, o governo lançou uma campanha de “reforma do estilo de trabalho” que promove jornadas mais curtas e outros arranjos flexíveis, junto com limites de horas extras e férias anuais remuneradas.

“Ao construir uma sociedade na qual os trabalhadores possam escolher entre uma variedade de estilos de trabalho com base em suas circunstâncias, pretendemos criar um ciclo virtuoso de crescimento e distribuição. Isso permitirá que cada trabalhador tenha uma perspectiva melhor para o futuro”, afirma um site do ministério sobre a campanha hatarakikata kaikaku, que significa “inovando a forma como trabalhamos”.

O departamento que supervisiona os novos serviços de suporte para empresas diz que apenas três delas se apresentaram até o momento para solicitar orientação sobre como fazer mudanças, sobre regulamentos relevantes e subsídios disponíveis – o que ilustra os desafios que a iniciativa enfrenta.

E o que talvez seja mais surpreendente: dos 63 mil funcionários da Panasonic Corp. que têm direito a horários de quatro dias na fabricante de eletrônicos e nas empresas de seu grupo no Japão, apenas 150 optaram por aceitá-los, de acordo com Yohei Mori, que supervisiona a iniciativa em uma empresa do grupo.

PRESSÃO SOCIAL

O apoio oficial do governo a um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal representa uma mudança marcante no Japão, um país cuja cultura de resignação e de vício em trabalho muitas vezes foi considerada a responsável pela recuperação nacional e pelo crescimento econômico excepcional após a Segunda Guerra Mundial.

As pressões conformistas para se sacrificar pela empresa são intensas. Os cidadãos geralmente tiram férias na mesma época do ano que seus colegas – durante os feriados de Bon no verão e próximo ao Ano Novo – para que eles não possam acusá-los de negligência ou falta de cuidado.

Longas jornadas de trabalho são a norma. Embora 85% dos empregadores afirmem dar a seus funcionários dois dias de folga por semana, há restrições legais para horas extras, que são negociadas com sindicatos e detalhadas em contratos. Mas alguns japoneses fazem “horas extras de serviço”, o que significa que elas não são registradas nem remuneradas.

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Um recente documento oficial do governo sobre karoshi – o termo que significa “morte por excesso de trabalho” – informa que o Japão tem pelo menos 54 mortes desse tipo por ano, inclusive por ataques cardíacos.

“O trabalho é uma coisa importante aqui. Não é apenas uma forma de ganhar dinheiro, embora seja isso também”, diz Tim Craig, autor do livro "Cool Japan: Case Studies from Japan’s Cultural and Creative Industries" (Cool Japan: estudos de caso das indústrias cultural e criativa do Japão, em tradução livre), que foi professor na Doshisha Business School.

Algumas autoridades consideram que mudar essa mentalidade é crucial para manter uma força de trabalho viável em meio à queda da taxa de natalidade no Japão.

O apoio oficial do governo a um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal representa uma mudança marcante no Japão.

No ritmo atual, que é parcialmente atribuído à cultura do país voltada para o trabalho, espera-se que a população em idade ativa diminua 40%. Isso significa que os atuais 74 milhões de trabalhadores cairiam para 45 milhões em 2065, de acordo com dados do governo.

Os defensores do modelo de três dias de folga dizem que ele incentiva as pessoas que criam filhos, as que cuidam de parentes idosos, os que vivem de aposentadoria e outras pessoas que buscam flexibilidade ou renda adicional a permanecerem no mercado de trabalho por mais tempo.

A Fast Retailing, empresa japonesa proprietária da Uniqlo, Theory, J Brand e outras marcas de roupas, a empresa farmacêutica Shionogi & Co. e as empresas de eletrônicos Ricoh Co. e Hitachi começaram a oferecer uma semana de trabalho de quatro dias nos últimos anos.

UMA VIDA MAIS PLENA

Os críticos da iniciativa do governo afirmam que, na prática, as pessoas submetidas a jornadas de quatro dias geralmente acabam trabalhando o mesmo tanto por um salário menor. Mas há sinais de mudança.

Uma pesquisa da Gallup que mede o engajamento dos funcionários classificou o Japão como tendo os trabalhadores menos comprometidos de todas as nacionalidades pesquisadas; na pesquisa mais recente, apenas 6% dos japoneses entrevistados se descreveram como engajados no trabalho, em comparação com a média global de 23%.

Isso significa que relativamente poucos trabalhadores japoneses se sentem muito envolvidos no ambiente profissional e entusiasmados com seu trabalho. A maioria está apenas cumprindo suas horas sem investir paixão ou energia.

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Kanako Ogino, presidente do NS Group, com sede em Tóquio, acredita que oferecer horários flexíveis é essencial para preencher vagas na indústria de serviços, onde as mulheres constituem a maior parte da força de trabalho.

A empresa, que opera espaços de karaokê e hotéis, oferece 30 diferentes padrões de agendamento, incluindo a semana de quatro dias, mas também permite longos períodos de folga entre os dias de trabalho.

Para garantir que ninguém se sinta penalizado por escolher um cronograma alternativo, Ogino pergunta a cada um de seus quatro mil funcionários, duas vezes por ano, como eles querem trabalhar. Afirmar necessidades individuais pode ser visto com maus olhos no Japão, onde se espera que você se sacrifique pelo bem comum.

“A visão no Japão era: você é mais legal quanto mais horas trabalha, fazendo horas extras sem remuneração”, diz Ogino com uma risada. “Mas uma vida assim não tem graça.”


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