Chefes e funcionários provavelmente nunca serão amigos e por bons motivos

Ser amigo do chefe é bem mais complicado do que fazer amizade com um colega de trabalho

Crédito: vchal/ Getty Images

Stephanie Vozza 5 minutos de leitura

Quer curtir mais o seu emprego? Talvez o que você esteja precisando seja de mais amizade no trabalho. Segundo a empresa de consultoria e pesquisa de opinião Gallup, ter laços fortes de amizade no trabalho aumenta a satisfação, a inovação, o engajamento e a produtividade — e ainda reduz as chances de você pedir demissão. Mas será que esse amigo pode ser o seu chefe?

“Você pode até pensar: ‘se é para ter um amigo no trabalho, por que não o CEO? Melhor apostar alto e aproveitar os benefícios dessa amizade, certo?’. A pesquisa diz que deveríamos ter um melhor amigo no trabalho — mas ela não está dizendo que esse melhor amigo tem que ser o seu chefe”, comenta o consultor especializado em liderança Steve McClatchy.

Ser amigo do chefe é bem mais complexo do que ser amigo de um colega, explica McClatchy, autor do livro "Leading Relationships: Build Meaningful Connections, Eliminate Conflict, and Radically Improve Engagement" (Liderando relações: conecte-se de forma Significativa, resolva conflitos e potencialize o engajamento, em tradução livre).

Para entender essa diferença, é preciso entender o que é, de fato, uma amizade. “Amizade é quando os dois lados estão sempre agindo pelo melhor interesse um do outro”, ele explica.

“Nesse sentido, eu não pediria para o meu chefe me liberar para mais uma folga, porque isso não seria do interesse dele. Por mais que um chefe tente equilibrar essa linha entre o profissional e o pessoal com quem se reporta a ele, sempre vai haver o risco de parecer que está favorecendo alguém, mesmo que não seja verdade.”

Para entender que tipo de relação você pode (ou não) ter com seu chefe, McClatchy propõe olhar para os níveis de maturidade das amizades.

Nível 1: reconhecendo a existência do outro

Esse é o nível mais básico de amizade. É quando a gente reconhece que está na presença de alguém conhecido. É aquela fase em que vocês fazem contato visual, se cumprimentam sempre que se encontram e respondem um ao outro como se espera em uma conversa.

Parece simples, mas já nessa fase o ego pode atrapalhar. “Na competição, o ego é seu maior aliado. Mas, nos relacionamentos, ele pode ser seu maior problema”, explica McClatchy. “Se você já sentiu que venceu ou perdeu em uma relação, é porque aquilo não era amizade de verdade. O ego ama o poder.”

Quando o ego se sente ferido, surgem microagressões, mesmo nesse nível inicial – como não reconhecer o outro, responder de forma passivo-agressiva ou simplesmente ignorar. Se nem esse primeiro nível é alcançado, a amizade já morreu antes de nascer.

Nível 2: trocando ideias e cumprindo acordos

Para que uma amizade funcione, é preciso compartilhar informações sem distorcê-las para defender seu ponto de vista. E, principalmente, fazer sempre aquilo que você se comprometeu a fazer. 

ilustração de funcionária delimitando limites de tempo e trabalho

No caso da relação chefe-funcionário, o funcionário precisa cumprir o que foi combinado – ou seja, fazer o trabalho que é esperado dele. Se pisar na bola, o certo é reconhecer, pedir desculpas e se responsabilizar. McClatchy chama esse nível de “confiança em ação” – e é aí que as amizades com chefes podem começar a se complicar.

Isso porque, às vezes, o chefe pode quebrar um acordo e nem sempre se sentir na obrigação de pedir desculpas, por já estar acostumado com a posição de poder. Por isso, antes de considerar alguém seu amigo, veja se essa pessoa realmente cumpre o que promete. Se não cumpre, ela precisa ser capaz de engolir o ego e pedir desculpas.

O fracasso no nível 2 significa que não se trata de uma relação essencial. Segundo McClachty, o melhor é ficar no nível 1 de interação.

Nível 3: partilhando opiniões

Esse é o nível onde as amizades costumam desandar quando uma das partes (ou ambas) não tem maturidade suficiente para compreender que o outro pode ver o mundo de forma diferente. “Maturidade é entender que as pessoas não veem o mundo do mesmo jeito que você”, diz McClatchy.

ilustração de reunião virtual

Nessa fase, a amizade permite que vocês discordem e ainda assim se respeitem. Significa buscar entender o ponto de vista do outro, explicar o seu e conversar sobre como essas diferenças podem impactar a relação.

Agora, se o seu chefe tem aquele estilo de liderança “ou faz do meu jeito ou cai fora”, esse nível de respeito pode ser inviável. Se a relação não consegue evoluir nesse ponto, McClatchy recomenda voltar ao nível dois: ficar na conversa amena e evitar temas que causem atrito.

Nível 4: conhecendo as qualidades e fraquezas

Todo mundo gosta de mostrar seus pontos fortes e evitar lidar com os fracos. Mas, na amizade de verdade, temos que estar dispostos a fazer isso também pelo outro.

“Admitir erros é desconfortável e deixa o ego em estado de alerta. O ego existe para proteger suas necessidades. O problema é quando a pessoa não consegue admitir que precisa de ajuda ou de um ponto de vista diferente. Se você não consegue aprender com quem está ao seu redor, nunca vai chegar ao quarto nível de amizade.”

Segundo McClatchy, no ambiente de trabalho é muito raro que se chegue a 100% de confiança, maturidade e segurança emocional. Mas isso não significa que não se deve saber o que isso significa e tentar chegar o mais perto possível disso.

O fracasso no nível quatro inclui negar ou culpar outra pessoa pelos seus erros, não pedir desculpas quando deveria ou deixar de dar um feedback positivo. Se não for possível atingir o nível quatro, McClatchy diz que é melhor permanecer nos níveis anteriores.

Nível 5: entendendo motivações

O quinto nível é quando você entende o que motiva e desmotiva a outra pessoa e usa essa informação para beneficiá-la. “É disso que se trata um melhor amigo. É alguém que faz um esforço extra e se importa com o seu sucesso tanto quanto com o próprio.”

ilustração do conceito de solução de problemas

Segundo McClatchy, não é possível atingir o nível cinco com alguém sem considerá-lo um amigo; isso acontece automaticamente. No entanto, alcançar esse grau de maturidade com seu chefe é difícil, porque é preciso lidar com uma relação hierárquica direta.

“Quando sou o chefe, sou eu quem determina os aumentos de salário e as promoções. Nesse momento, quando digo algo engraçado, as pessoas riem um pouco mais alto. Não dá para saber onde começa a amizade e onde termina a estrutura de poder.”

Quando for refletir sobre os seus relacionamentos profissionais, pense nesses aspectos: reconhecimento, honestidade, acordos, opiniões, qualidades e fraquezas, motivação.

A chave de tudo é tratar o outro com respeito e dignidade, seja ele seu melhor amigo ou só mais um colega de trabalho.


SOBRE A AUTORA

Stephanie Vozza escreve sobre produtividade e carreira na Fast Company. saiba mais