Como o trabalho de cuidar da família impacta a carreira das mulheres

Se cultivarmos um ecossistema de mudanças, as mulheres conseguirão atravessar os períodos como cuidadoras mantendo a saúde e a dignidade

Crédito: Drazen Zigic/ Freepik

Blessing Adesiyan 5 minutos de leitura

Atualmente, muitas mulheres equilibram as demandas da carreira com o peso das responsabilidades de cuidar. Conforme elas adentram as chamadas “décadas de cuidado”, a trajetória passa da criação dos filhos para a manutenção da casa e, por fim, para o cuidado com os pais idosos.

Essa complexa travessia se estende por décadas, durante as quais os principais momentos da vida são marcados por uma mistura de resiliência e heroísmo. No entanto, por trás dessa narrativa romantizada, há uma verdade não dita: existe todo um trabalho não remunerado que sustenta esses cuidados.

Dados do Bureau of Labor Statistics mostram um contraste muito claro: as mulheres dedicam às tarefas domésticas não remuneradas quase o dobro do tempo dos homens. Desde a logística dos cuidados com os filhos até o apoio aos idosos da família, as mulheres fazem malabarismos com papéis multifacetados, muitas vezes sem receber o mínimo de consideração ou reconhecimento por isso.

Esse trabalho oculto cobra um preço, afetando a saúde física, o equilíbrio emocional e o bem-estar psíquico. A luta para equilibrar esses papéis aprisiona inúmeras mulheres em uma situação difícil, com consequências que vão muito além do que se pode perceber na superfície.

MENOS SALÁRIO E MENOS SAÚDE

O grande impacto desse período como cuidadoras sobre a saúde das mulheres fica evidente quando analisamos as estatísticas. Pesquisas demonstram que o estresse cumulativo de cuidar dos outros aumenta o risco de problemas crônicos de saúde, inclusive doenças cardíacas e depressão.

Crédito: Highwaystarz Photography

Os impactos financeiros e na vida profissional causados por décadas de prestação de cuidados também são imensos. Em uma análise conduzida pelo National Women’s Law Center, constatou-se que a média de ganhos ao longo da vida das mulheres que têm responsabilidades como cuidadoras é quase 30% menor do que a das que não têm essas responsabilidades. 

A dura realidade é que a carga de cuidados amplia a diferença salarial entre os gêneros, perpetuando as disparidades financeiras ao longo da carreira das mulheres e até a aposentadoria.

embora 70% a 90% dos homens se sintam igualmente responsáveis pelo cuidado com os filhos, as mulheres ainda realizam até sete vezes mais trabalho de cuidado não remunerado.

Além disso, o crescimento profissional é profundamente influenciado pelo tempo dedicado aos cuidados. Um estudo da LeanIn.Org e da McKinsey descobriu que as mulheres têm uma probabilidade 1,5 vez maior do que os homens de pensar em se afastar ou em deixar o emprego devido às responsabilidades de cuidar dos outros.

Essa saída, geralmente vista como uma escolha necessária, restringe a ascensão das mulheres na carreira e priva o mercado de trabalho de diversos talentos.

Mas há maneiras de mudar essa narrativa. As estratégias para mitigar os riscos de saúde, financeiros e de carreira relacionados às “décadas de cuidados” incluem priorizar o autocuidado e o gerenciamento do estresse. Contar com infraestrutura de cuidados em casa e no trabalho pode ajudar a percorrer essa jornada tortuosa e, ao mesmo tempo, proteger o bem-estar de quem cuida.

O PAPEL DOS HOMENS

Atualmente, mais homens do que nunca estão se dedicando aos cuidados, mas isso não basta. Pelo mundo afora, homens têm expressado o desejo de ampliar suas responsabilidades de cuidado em casa, mas as expectativas sociais com relação ao papel deles na família e na sociedade, além da falta de apoio, frustram essas intenções. 

Um relatório intitulado "State of the World’s Fathers" (Estado dos Pais do Mundo) revela que, embora 70% a 90% dos homens nos países pesquisados se sintam igualmente responsáveis pelo cuidado com os filhos, as mulheres ainda realizam até sete vezes mais trabalho de cuidado não remunerado em algumas regiões.

pai cuidando da filha

"Em média, os salários dos homens em todo o mundo são um quinto mais altos do que os das mulheres", observa Gary Barker, CEO da Equimundo. "Muitas famílias tomam a decisão de que o trabalho remunerado do homem traz mais benefícios."

Mesmo com uma parte dos homens se esforçando para preencher a lacuna do cuidado, os modelos ultrapassados de trabalho e sociedade apresentam obstáculos consideráveis.

Reconhecendo essa dinâmica, as empresas com visão de futuro podem desempenhar um papel fundamental para tornar a década de cuidados menos assustadora para as mulheres.

MUDANÇA SOCIAL E CULTURAL

Oferecer políticas robustas de licença familiar que englobem licença parental, licença para cuidar dos filhos e licença médica pode aliviar a tensão de equilibrar o trabalho e as responsabilidades de cuidar de crianças.

Em média, os salários dos homens em todo o mundo são um quinto mais altos do que os das mulheres.

O acesso a creches acessíveis e de alta qualidade pode permitir que as mulheres continuem engajadas na carreira sem comprometer suas funções de cuidadoras. Além disso, a implementação de arranjos flexíveis – como trabalho remoto, horários flexíveis e semanas de quatro dias – pode permitir que as mulheres gerenciem suas responsabilidades com mais eficiência.

Em meio a esses esforços, os homens também têm um papel fundamental. Conforme eles aumentam sua participação nas responsabilidades de cuidar dos filhos em casa, o estigma que envolve o cuidado masculino vai sendo derrubado.

Os locais de trabalho podem promover a inclusão, incentivando os funcionários do sexo masculino a assumir as funções de cuidador sem medo de serem prejudicados profissionalmente.

Ao cultivarmos coletivamente um ecossistema de mudança que defenda o bem-estar e apoie o cuidado equitativo, daremos às mulheres a chance de atravessar o período em que cuidam dos outros mantendo sua própria saúde e dignidade preservadas.


SOBRE A AUTORA

Blessing Adesiyan é fundadora e CEO da Mother Honestly e da Villo. saiba mais