Como seria se as mulheres fossem pagas pelo trabalho doméstico que fazem de graça?

Crédito: Fast Company Brasil

Kathleen Davis 3 minutos de leitura

O trabalho não remunerado, que inclui principalmente tarefas domésticas, cuidar de crianças e uma infinidade de outras tarefas de manutenção de uma casa, há muito é deixado de lado nas discussões políticas sobre trabalho, emprego e economia. Isso acontece porque esse tipo de trabalho é, muitas vezes, invisibilizado. É claro que a pandemia alterou um pouco essa situação. De repente, todo o trabalho não remunerado que acontecia nas casas das pessoas passou a tomar a frente das câmeras e o centro das nossas vidas. 

Infelizmente, porém, na maioria das famílias isso não culminou em mudanças significativas. Antes da pandemia, as mulheres trabalhavam em média quatro horas por dia em tarefas de casa não remuneradas, enquanto os homens trabalhavam cerca da metade – duas horas e meia por dia. O tempo gasto cozinhando, limpando e cuidando das crianças aumentou tanto para homens quanto para mulheres durante a pandemia, quando os lares se tornaram também escritórios e escolas. Mas o (des)equilíbrio na divisão dessas atividades não mudou. As mulheres ainda assumem, em média, quase duas vezes mais trabalho não remunerado do que os homens.

Esse fardo está fazendo com que muitas delas – cerca de 3,5 milhões em 2020 – reduzam a jornada de trabalho ou abandonem seus empregos remunerados, o que pode diminuir o progresso na carreira de toda uma geração de mulheres.

Mas, e se pensássemos de forma diferente sobre esse tipo de trabalho? Afinal, nutrir e criar a próxima geração de seres humanos é uma ocupação de suma importância. Se as mulheres norte-americanas ganhassem ao menos um salário mínimo pelo trabalho não remunerado que fazem em casa, elas estariam ganhando, no total, bem mais de US$ 1,5 trilhão – em outras palavras, aproximadamente o valor de mercado da Amazon.

AS MULHERES AINDA ASSUMEM, EM MÉDIA, QUASE DUAS VEZES MAIS TRABALHO NÃO REMUNERADO DO QUE OS HOMENS.

Para me ajudar a responder à pergunta “como seria o mundo se começássemos a pagar pelo trabalho doméstico não remunerado?”, conversei com Melissa Boteach no último episódio do podcast The New Way We Work. Ela é vice-presidente de Income Security, Child Care e Early Learning no National Women’s Law Center.

Melissa não somente constatou que, quando se trata de trabalho não remunerado, as mulheres assumem a carga mais pesada, como também ressaltou que a pandemia fez aumentar drasticamente a carga sobre as costas delas. Ela apontou a disparidade salarial entre homens e mulheres e a desvalorização dos trabalhos de cuidado como algumas das principais razões pelas quais as mulheres são frequentemente obrigadas a deixar seu emprego remunerado.

A solução, afirma Melissa, acaba recaindo sobre algumas empresas privadas que oferecem licença remunerada e mais flexibilidade a todos os funcionários. Mas as principais alterações necessárias dependem de uma mudança no nível das políticas públicas. A executiva focou principalmente no cuidado com as crianças, pois essa é a mão-de-obra não remunerada mais custosa de substituir, o trabalho que mais toma tempo das mulheres e que corresponde ao investimento de longo prazo mais crucial.

SE A SOCIEDADE INVESTISSE EM CUIDADOS INFANTIS ACESSÍVEIS, A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA FORÇA DE TRABALHO AUMENTARIA EM 17%.

“Se a sociedade investisse em cuidados infantis acessíveis e de alta qualidade para todos que precisam, a participação das mulheres na força de trabalho aumentaria em 17% no geral, e em 31% para aquelas sem diploma universitário. Cuidar de crianças não é apenas um problema para quem têm filhos pequenos. O que acontece é que, quando as pessoas precisam reduzir as horas de trabalho remunerado, renunciar a oportunidades de carreira ou deixar o mercado de trabalho definitivamente, essas decisões têm impacto por toda a vida, até aposentadoria”, diz ela.

“Quando a sociedade realmente investe em cuidados infantis acessíveis, as mulheres tendem a ganhar cerca de US$ 100 mil a mais ao longo da vida, por conta da chance de permanecerem ligadas ao mercado de trabalho e, mais tarde, outros US$ 30 mil na aposentadoria.”

Melissa ainda apontou soluções, como o governo subsidiar o custo com os cuidados dos filhos, tanto como forma de ajudar os pais que trabalham quanto para aumentar os salários dos cuidadores de crianças. Também mencionou soluções que pagariam mais a quem está diretamente envolvido no trabalho não remunerado que ocorre dentro de casa: créditos fiscais para crianças e renda básica universal. “Este país precisa se acostumar com a ideia de que dar dinheiro às pessoas não é uma coisa ruim”, defendeu.


SOBRE A AUTORA

Kathleen Davis é editora adjunta da Fast Company. saiba mais