Como transformar adversários em aliados com dignidade e respeito

Pesquisa indica que o mecanismo de tentar encontrar bodes expiatórios é o maior responsável pela polarização e pelos conflitos sociais

Crédito: Elena Chelysheva/ Nastco / Shuoshu/ iStock

Yonason Goldson 4 minutos de leitura

O cliente odiou sua proposta.

Sua estratégia se mostrou um fracasso total. 

Ou o candidato pelo qual você torceu, favorito para vencer por uma margem esmagadora, sofreu uma derrota humilhante.

O que fazer em seguida? Obviamente, procurar alguém para colocar a culpa. 

É uma reação natural. A pessoa sente raiva porque seus planos deram errado. Aí, ela começa a temer por sua reputação e pelo seu futuro. É doloroso se dar conta de que seus melhores esforços não foram recompensados com resultados positivos.

Nessas horas, muita gente procura acusar alguém que está por baixo. Quando encontra essa pessoa, solta o veneno, recorrendo à acusação, condenação e difamação. Os fatos não importam. O que importa é encontrar um vilão para desviar a atenção de seu próprio sentimento de derrota. 

o mecanismo de encontrar um bode expiatório é o maior fator responsável pela polarização e pelos conflitos sociais.

Em outras palavras, o que a pessoa está buscando é um bode expiatório, mecanismo psicológico de defesa que consiste na negação da própria culpa por meio da projeção da responsabilidade nos outros.

Mas a razão para se procurar um bode expiatório nem sempre é algum fracasso explícito. Às vezes, é a consciência torturante de que seus argumentos não estão totalmente estruturados, ou de que suas posições não se sustentam, que incita as pessoas a substituir o raciocínio lúcido pela retórica inflamada. O medo de ser exposto como “errado” supera o compromisso de acertar.

As consequências podem ser devastadoras. De acordo com uma pesquisa da UNITE – grupo colaborativo dedicado a promover um discurso público construtivo –, o mecanismo de encontrar um bode expiatório é o maior fator responsável pela polarização e pelos conflitos sociais.

ESCOLHA SEU CAMINHO

Revisitar as origens da expressão “bode expiatório” pode ajudar a entender o problema.  No relato bíblico apresentado no livro de Levítico, há uma descrição de como durante o Yom Kippur (dia da expiação), o feriado mais sagrado do ano judaico, os sacerdotes presentes sorteavam o destino de dois bodes. 

Um deles era oferecido no altar do Templo. O outro era conduzido ao deserto e “carregava sobre suas costas todos os pecados daquele povo”. Daí vem a ideia de “bode expiatório” – aquele que é sacrificado para que outros possam prosperar.

Ao recorrer ao bode expiatório como resposta aos conflitos, caímos no pântano moral dos xingamentos e das meias-verdades.

Os dois bodes simbolizam os dois caminhos que temos diante de nós, individual e coletivamente, em cada encruzilhada da vida. Você pode escolher dedicar sua energia, talento e oportunidades para servir a um propósito maior ou pode desperdiçar seu potencial e vagar pelo deserto da autoindulgência.

Ao recorrer ao bode expiatório como resposta aos conflitos, caímos no pântano moral dos xingamentos, das meias-verdades e até das distorções caluniosas. Legitimamos o comportamento mais desprezível, dando aos adversários ideológicos licença para reagir com táticas semelhantes.

Os campos opostos ficam mais entrincheirados em suas posições, tornam-se cada vez mais desinteressados em fatos ou na lógica e rejeitam o estabelecimento de princípios comuns – como se o adversário fosse o próprio demônio. Nessas circunstâncias, encontrar um terreno que sirva como base ou propor soluções razoáveis é quase impossível.

NO CAMINHO DO BEM

A lição do bode expiatório nos incentiva a escolher um caminho diferente. O bode conduzido ao deserto leva embora seus pecados se – e somente se –, ao mesmo tempo, você se oferece no altar da colaboração, do respeito mútuo e das boas intenções. 

A paixão pode ser uma força poderosa para provocar uma mudança positiva. Temos o dever de combater a desinformação e desmontar raciocínios enganosos onde quer que eles apareçam.

defender a dignidade do outro é uma forma de preservar a nossa própria humanidade e de transformar adversários em aliados.

Mas isso pode ser feito com profissionalismo e articulação madura. Quando se é capaz de agir assim – principalmente quando aqueles que se opõem a você deixam de lado a educação e são arrogantes – ganha-se vantagem por manter a dignidade pessoal.

Para reverter os efeitos tóxicos de escolher bodes expiatórios, a UNITE lançou uma iniciativa chamada The Dignity Index. É uma escala de oito pontos para mensurar o poder de uma narrativa para unir ou promover discórdia. Essa escala fornece uma ferramenta extraordinária para política, negócios, família e todas as esferas da vida.

Líderes de todos os cantos do mundo profissional estão começando a perceber que a ética realmente é um bom negócio, que a imagem de qualquer marca brilha mais quando seus gestores não tentam difamar os rivais e quando estabelecem padrões mais elevados para si mesmos.

Uma retrospectiva histórica oferece exemplos inspiradores de heróis que mantiveram a postura e a dignidade diante do mal, em particular Martin Luther King, Gandhi e Nelson Mandela.

Quando recorremos a bodes expiatórios, estamos rebaixando e desumanizando o outro só para proteger nossos próprios egos e ideologias. Os ganhos de curto prazo dessa estratégia desaparecem em meio às perdas de longo prazo.

Por outro lado, defender a dignidade do outro é uma forma de preservar a nossa própria humanidade, de transformar adversários em aliados e de abrir caminhos para a descoberta de soluções criativas para desafios que todos enfrentamos juntos.


SOBRE O AUTOR

Yonason Goldson é autor, apresentador de podcast e palestrante do TEDx. saiba mais