Cultura da monetização: por que seu hobby não precisa virar renda extra

O capitalismo quer te convencer de que seu valor está na produtividade. Mas sua alegria e seus hobbies estranhos merecem existir sem pressão

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Avery Morgan 3 minutos de leitura

Se você faz parte da geração Z, provavelmente cresceu cercado por algoritmos que sussurram “monetize isso” sempre que algo parece divertido. A importância da marca pessoal foi martelada em sua cabeça, acompanhada de vitórias no LinkedIn, postagens no Instagram e a cultura da “renda extra”. Se você é bom em algo, dizem que deve vender (ou ao menos transformar em viral).

Apenas no mês de julho, as buscas no Google por “como monetizar conteúdo” dispararam 305%; a pesquisa sobre “como construir uma marca pessoal” cresceu 67% em relação ao ano anterior.

A pressão é real. Cerca de 39% da geração Z têm múltiplos empregos e 57% admitiram já ter chorado no trabalho – um retrato de uma geração incentivada a mostrar desempenho. O burnout atinge 52% dos trabalhadores em tempo integral, com níveis de estresse disparando entre os que têm menos de 30 anos. Ambição e ansiedade estão em rota de colisão.

Mas nem tudo que você ama precisa ter etiqueta de preço, post patrocinado ou proposta para investidor. Antes de transformar seu hobby em mais uma fonte de renda, considere estes quatro motivos que podem salvar sua saúde mental.

1. Um espaço sem monetização protege contra o burnout

Quando seu hobby vira sustento, cresce o risco de sobrecarga e burnout. A renda média de um “bico paralelo” não é tão grande assim, mas quem tenta essa rota costuma acrescentar de 11 a 16 horas semanais à sua jornada. O Gallup aponta que o risco de esgotamento dobra quando a carga ultrapassa 45 horas semanais – é como jogar a prorrogação recebendo salário mínimo.

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Por isso, é essencial impor limites. Seja deliberadamente improdutivo em seus hobbies. Escreva num diário só pelo prazer, cozinhe sem postar fotos, pinte algo sem mostrar a ninguém. É um lembrete para o cérebro: “nem tudo precisa ser otimizado”. Assim, a diversão continua sendo diversão, sem virar um segundo expediente.

2. Manter a privacidade de alguns aspectos da vida reduz a pressão

As redes sociais priorizam conteúdo em detrimento da conexão. Cerca de 29% dos adolescentes dizem sentir pressão para postar algo que gere muitas curtidas, e 38% relatam que o drama nesses apps os sobrecarrega. Nesse cenário, preservar a intimidade de certas criações pode ser revolucionário. Há uma certa magia em produzir algo só para si ou para um círculo restrito.

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Se quiser compartilhar um hobby, considere usar uma conta privada ou uma plataforma menos popular. Sem grande plateia, a pressão diminui. Não há curtidas, algoritmos nem métricas de desempenho. Resultado: mais chance de vivenciar a alegria genuína da atividade e descobrir o que realmente empolga criar.

3. O tédio pode ser uma boa fonte de inspiração

Eis a reviravolta: fazer algo sem meta pode liberar mais criatividade do que qualquer maratona produtiva. Em um experimento da Universidade de Lancashire, voluntários tiveram de copiar números de telefone (uma tarefa entediante) antes de propor ideias. O grupo “entediado” apresentou soluções muito mais originais que o de controle.

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Se você monetiza cada minuto livre, nunca fica de fato entediado, e o tédio é terreno fértil para a imaginação. Aquele rabisco feito sem intenção? É energia criativa pura, sufocada quando cada ideia precisa virar plano de negócios. Reserve tempo off-line para deixar a mente vagar.

4. Construir identidade além da produtividade

Quando sua identidade está amarrada ao que você produz (e vende), tentar coisas novas se torna assustador. Uma pesquisa do Pew Research Center aponta que 39% dos trabalhadores nos EUA consideram o emprego parte central de sua identidade.

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Transformar todo hobby em negócio só reforça esse nó. Já quando você faz algo apenas por prazer, pode explorar com liberdade. Você deixa de ser uma “marca” e volta a ser uma pessoa.

O capitalismo tardio quer convencer que seu valor está na produtividade. Mas sua alegria, seus hobbies estranhos, seus talentos “invendáveis” merecem existir sem pressão.

Guarde um cantinho da sua vida para permanecer gloriosamente desotimizado. É nesse espaço que sua mente recarrega, novas ideias florescem e seu valor deixa de depender de cliques ou fluxo de caixa.

Ironia do destino: manter certas paixões sem preço pode ser o movimento mais lucrativo que você vai fazer.


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