Deixar a IA fazer o trabalho é uma boa estratégia para manter o emprego

Devemos nos concentrar em refinar as habilidades que a inteligência artificial não é capaz de replicar

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Gleb Tsipursky 4 minutos de leitura

O debate em torno da inteligência artificial tem sido marcado por um tom sombrio e pessimista, com os críticos sugerindo que o ser humano está condenado a perder habilidades básicas para seus concorrentes de IA – um fenômeno que podemos chamar de "efeito ChatGPT".

No entanto, como especialista em modelos de trabalho híbridos e integração de IA, questiono essa ideia e explico aos meus clientes que o fato de a tecnologia ter superado seus funcionários em algumas habilidades – assim como aconteceu com a chegada das calculadoras e da internet – é não só inevitável, como também pode ser benéfico para o progresso humano.

CÁLCULOS À MÃO

Pense no seguinte: quando foi a última vez que você fez algum cálculo matemático complexo no papel? Não consegue se lembrar? Isso porque as calculadoras, surgidas há mais de 50, anos praticamente substituíram a necessidade de fazermos as contas manualmente.

a IA nos permite focar na criatividade, no pensamento crítico e na compreensão do contexto.

Claro, algumas pessoas na década de 1970 reclamaram que as crianças estavam perdendo habilidades matemáticas no papel. Mas a adoção dessa tecnologia não foi uma perda, e sim um ganho monumental.

Ela nos libertou da chatice e dos erros dos entediantes cálculos manuais, permitindo que nos dedicássemos à solução de problemas complexos, ao pensamento criativo e ao planejamento estratégico – habilidades que realmente nos diferenciam das máquinas.

O EFEITO GOOGLE

O "efeito Google" teve um impacto semelhante. Um estudo realizado em 2008 revelou uma tendência entre a geração mais jovem de se basear muito em mecanismos de pesquisa para obter informações, o que levou a um declínio na retenção da memória. Entretanto, antes de rotularmos isso como uma perda, é preciso considerar o panorama geral.

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Imagine que você é um chef de cozinha tentando se lembrar de todas as receitas do mundo. Antigamente, tinha que confiar na memória. Com a invenção da escrita e dos livros de receitas, foi possível terceirizar essa memória para o papel. Com a internet, dá para encontrar qualquer receita em poucos minutos.

Você prefere gastar seu tempo memorizando receitas ou aprimorando suas habilidades, experimentando sabores e criando obras-primas culinárias? Assim como a internet se tornou nosso disco rígido externo para informações, a IA nos permite focar na criatividade, no pensamento crítico e na compreensão do contexto.

O EFEITO CHATGPT

A ansiedade crescente em torno do efeito ChatGPT não é desconhecida. É a apreensão que sentimos quando estamos à beira de um território desconhecido. A preocupação surge da ideia de que, à medida que a IA se torna mais eficiente em tarefas como tradução, geração de conteúdo e até codificação, essas habilidades podem ir se tornando obsoletas para os seres humanos.

Agora, vamos dar uma olhada no campo da criação de conteúdo. Algoritmos como o GPT-3 podem gerar artigos, escrever poesias e até imitar conversas. O medo, nesse caso, é duplo: será que estamos prestes a perder nossa capacidade de escrever? E, nesse processo, será que também vamos perder a profundidade do toque humano, a emoção, a empatia que faz com que nossas histórias repercutam nos outros?

No entanto, é fundamental lembrar que nosso valor como pessoas não está em tarefas repetitivas, mas em nos atributos humanos singulares – empatia, intuição, criatividade, julgamento ético. Essas são as qualidades que as máquinas estão longe de conseguir imitar. O toque humano em um texto, a empatia em compreender a situação de outra pessoa, a criatividade em contar histórias, todos esses atributos são insubstituíveis. 

Há também o mundo da codificação, onde a IA está sendo cada vez mais usada para escrever e revisar códigos. Embora seja verdade que ela pode automatizar alguns aspectos da codificação, também está abrindo novas possibilidades. A IA nos permite lidar com problemas mais complexos, criar softwares mais robustos e tornar a tecnologia acessível a um público mais amplo.

Em vez de encarar isso como uma ameaça, podemos ver como uma oportunidade de aprimoramento e crescimento. Assim como a calculadora não nos tornou menos inteligentes, a IA não nos tornará menos capazes.

Em vez disso, ela pode nos liberar das tarefas triviais, o que nos dá mais tempo e energia para nos concentrarmos em tarefas complexas, criativas e exclusivamente humanas.

O FUTURO DOS SERES HUMANOS E DA IA

O potencial da IA para remodelar nosso mundo é inegável. Mas é essencial reconhecer que, junto com as oportunidades, a IA também traz grandes desafios. Desinformação,  preconceito e ameaças à existência humana são preocupações que exigem nossa atenção imediata.

Assim como a calculadora não nos tornou menos inteligentes, a IA não nos tornará menos capazes.

A capacidade da IA de disseminar informações em velocidade e volume sem precedentes tem um lado obscuro. A desinformação e os deepfakes agora podem se espalhar como fogo, influenciando a opinião pública, desestabilizando sociedades e corroendo a confiança nas instituições. Essas são ameaças reais que exigem ações urgentes dos formuladores de políticas públicas, tecnólogos e da sociedade em geral.

Da mesma forma, a questão da parcialidade nos sistemas de IA, resultante de dados de treinamento tendenciosos ou de vieses algorítmicos não intencionais, é um problema sério. Ela pode perpetuar as desigualdades sociais e gerar resultados injustos em setores essenciais, como saúde, aplicação da lei e emprego.

Portanto, embora devamos ser vigilantes e proativos para lidar com os desafios reais que a IA apresenta, não vamos deixar que o medo infundado da perda de habilidades nos afaste das incríveis oportunidades que a IA tem para oferecer.


SOBRE O AUTOR

Gleb Tsipursky é CEO da Disaster Avoidance Experts, boutique de consultoria sobre o futuro do trabalho. saiba mais