Desaprender para sobreviver: a verdadeira chave da transformação

Do cérebro humano às instituições, três forças invisíveis explicam a resistência ao novo — e como superá-las

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Greg Satell 4 minutos de leitura

O pai da física quântica, Max Planck disse certa vez: “uma nova verdade científica não triunfa por convencer seus oponentes e fazê-los enxergar a luz, mas porque eles eventualmente morrem e uma nova geração cresce já familiarizada com ela.”

A frase pode soar extrema, mas traz um ponto essencial: o status quo nunca cede sem lutar. Ele conta com a inércia a seu favor. Para promover uma mudança genuína, não basta indicar o caminho para uma nova realidade, é preciso deslocar aquilo que as pessoas já conhecem e se sentem confortáveis. Isso significa vencer resistências, tanto racionais quanto irracionais.

Mais especificamente, é preciso superar três forças que sustentam o status quo: as sinapses que moldam nossa neurologia básica, a cultura que reforça normas e os custos econômicos envolvidos em qualquer transformação.

Para impulsionar mudanças reais, é necessário ajudar as pessoas não apenas a desaprender velhas premissas, mas também a realinhar as forças que mantêm as coisas como estão.

O EFEITO SINÁPTICO

As pessoas tendem a acreditar que vivem o mundo como ele é: elas veem, ouvem, armazenam como conhecimento e depois incorporam novos fatos. Mas o cérebro não funciona assim. Na prática, filtramos quase tudo o que vivenciamos para focar no que parece mais importante. Esquecemos muito para poder nos concentrar.

Com isso, à medida que aprendemos “o modo como o mundo funciona”, perdemos a capacidade de imaginar outras possibilidades. Modelos mentais tornam-se instintivos e práticas padronizadas passam a ser vistas como “o jeito certo de fazer”. O efeito é ainda mais forte quando associamos nossos modelos mentais ao sucesso conquistado.

Por isso, desaprender é tão importante quanto aprender. Mudanças reais começam quando entendemos que progresso não é só acumular conhecimento, mas ter coragem de abrir mão daquilo que um dia nos trouxe êxito.

O EFEITO CULTURAL

Se nossas experiências passadas já nos cegam para novas ideias, o ambiente social faz o resto, reforçando crenças coletivas. O melhor preditor do que pensamos e fazemos é, em grande parte, o que as pessoas ao nosso redor pensam e fazem – inclusive amigos de amigos que nem conhecemos diretamente.

Como mostrou Thomas Kuhn em "A Estrutura das Revoluções Científicas", novos paradigmas não surgem de repente: começam como anomalias excêntricas, facilmente descartadas como “casos isolados”.

Mesmo quando as pessoas percebem que algo não se encaixa, elas tendem a empurrar essa suspeita para o lado e seguir em frente. Afinal, acreditamos no modelo vigente – e todos ao redor também acreditam. Assim como nossas sinapses, a cultura em que estamos imersos favorece o status quo.

O EFEITO DOS CUSTOS

Outra barreira à adaptação são os custos reais da mudança. Um exemplo notório: a biblioteca principal da Universidade de Princeton levou 120 anos para adotar o sistema de classificação da Biblioteca do Congresso dos EUA, devido ao tempo e às despesas envolvidos.

Essa resistência também está ligada a vieses humanos. Um deles é a aversão à perda – a tendência de preferir não perder algo em vez de buscar ganhos futuros. O conforto do presente pode pesar mais do que a promessa incerta da transformação.

Outro fator é a heurística da disponibilidade, que nos leva a supervalorizar informações mais fáceis de acessar. O imediato parece sempre mais real e tangível do que benefícios distantes, que muitos duvidam se algum dia virão.

A verdade é que toda mudança envolve custos de transição. Se os benefícios não forem claros, a inércia do status quo vence.

COMO CONQUISTAR MUDANÇAS EFETIVAS

Poucos exemplos ilustram melhor a resistência institucional à mudança do que a história de Ignaz Semmelweis. Na década de 1840, o jovem médico do Hospital Geral de Viena constatou que a simples prática de lavar as mãos reduzia drasticamente infecções e salvava vidas. Mas o establishment médico rejeitou a ideia.

Milhões morreram sem necessidade até que a teoria dos germes se consolidasse, 20 anos depois. O fenômeno ganhou até nome: efeito Semmelweis– a tendência de instituições rejeitarem novas evidências quando contradizem crenças estabelecidas.

Pelos efeitos sinápticos, culturais e de custo, a rejeição começa a fazer sentido. Médicos estavam presos ao modelo da teoria dos miasmas, que associava doenças a “ares ruins”.

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Além disso, aceitar a nova prática significava admitir que eles próprios espalhavam infecções, algo inaceitável para profissionais de alto prestígio. Reformas sistêmicas também implicariam custos e rupturas enormes.

Mas não foi só a instituição que falhou. Semmelweis também se mostrou um péssimo defensor de sua própria descoberta. Em vez de entender por que havia resistência, limitou-se a atacar colegas, enviando cartas agressivas a médicos renomados.

O resultado: isolamento, hostilidade e, tragicamente, sua morte em um asilo, vitimado por uma infecção.

A lição é clara: paixão e boas intenções não bastam para mudar o mundo. É preciso ser um advogado eficaz da mudança, começando por entender as barreiras à adaptação e como superá-las.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Greg Satell is Co-Founder of ChangeOS, a transformation & change advisory, a lecturer at Wharton, an international keynote speaker... saiba mais