Difícil jogar coisas fora? Use seus valores pessoais para escolher o que vai e o que fica

Muitos adultos têm dificuldades em jogar coisas fora, mesmo que eles não se encaixem nos critérios para o transtorno de acumulação

Crédito: Prasong Takham/ malerapaso/ Getty Images

Mary E. Dozier 4 minutos de leitura

Recentemente, ajudei minha mãe a organizar caixas que ela herdou quando meus avós faleceram. Uma das caixas estava rotulada como “paliteiros e outros tesouros”. Dentro, havia muitas lembranças de momentos agora perdidos na história – embora não tenhamos encontrado nenhum paliteiro.

Depois de várias horas relembrando o passado, minha mãe e eu jogamos fora 90% do que havíamos separado.

"Por que guardei isso?" é uma pergunta que ouço com frequência, tanto da minha família e amigos quanto de pacientes. Minha pesquisa se concentra na caracterização, avaliação e tratamento do transtorno de acumulação. Por isso, passo grande parte do meu tempo refletindo sobre essa questão.

O transtorno de acumulação é uma condição psiquiátrica caracterizada pelo impulso de guardar objetos e dificuldade em jogar coisas fora. Em adultos com casos “clinicamente graves”, isso leva a um nível de desordem doméstica que compromete o funcionamento diário e pode até representar um risco de incêndio.

Apegar-se a objetos com valor sentimental ou que possam ser úteis no futuro é uma parte natural do envelhecimento. Mas, para algumas pessoas, essa tendência de guardar tudo aumenta com o passar do tempo, a ponto de acabar virando o dito transtorno de acumulação.

Mudanças nas funções executivas relacionadas à idade podem ajudar a explicar o aumento da prevalência desse transtorno conforme envelhecemos. A dificuldade crescente com a tomada de decisões também costuma afetar as escolhas em relação à bagunça em casa e à resistência a jogar coisas fora.

O modelo tradicional sobre o transtorno de acumulação sugeria que a dificuldade em descartar vem do sofrimento durante a tomada de decisões. No entanto, minha pesquisa mostra que isso pode ser menos verdadeiro para os adultos mais velhos.

POR QUE OS MAIS VELHOS RESISTEM MAIS A JOGAR COISAS FORA

Quando eu era estudante de pós-graduação, realizei um estudo em que pedíamos para adultos com transtorno de acumulação passarem 15 minutos tomando decisões sobre o que guardar ou descartar de diversos itens trazidos de suas casas. A maioria escolheu organizar papéis, como correspondências antigas, cartões ou bilhetes.

Descobrimos que a idade estava associada a níveis mais baixos de sofrimento durante a tarefa, de forma que os participantes mais velhos tendiam a se sentir menos estressados ao decidir o que guardar e o que descartar. Também descobrimos que muitos participantes, principalmente os mais velhos, relataram emoções positivas após jogar coisas fora.

Definir objetivos consistentes com seus valores ajuda a manter a motivação para organizar suas coisas.

Em uma pesquisa recente, replicamos essa descoberta usando uma versão do estudo que foi feita em casa. Isso sugere que o medo de tomar a decisão errada não é um motivo universal para a nossa vontade de guardar coisas.

Um estudo com adultos acima de 50 anos com transtorno de acumulação sugere que o altruísmo, um traço de personalidade de querer ajudar os outros, pode explicar por que algumas pessoas guardam itens que outros descartariam.

Comparamos os perfis de personalidade dos nossos participantes com os de adultos da população geral da mesma faixa etária e gênero. Em comparação com a população geral, os participantes com transtorno tinham, quase universalmente, uma pontuação mais alta em altruísmo.

sla cheia de objetos acumulados em desordem
Crédito: Ievelrod/ Pixabay

O altruísmo também aparece com frequência no meu trabalho clínico com adultos mais velhos que têm dificuldade em jogar coisas fora. As pessoas nos nossos estudos frequentemente me dizem que guardaram algo por um senso de responsabilidade, seja pelo item em si ou pelo meio ambiente.

“Eu preciso que isso vá para um bom lar” e “minha avó me deu isso” são declarações que ouvimos bastante. Assim, as pessoas podem guardar coisas não por medo de perder, mas pelo sentimento de que as salvar de outro destino é consistente com seus valores.

NA DÚVIDA, ESCOLHA COM BASE NOS SEUS VALORES

Minha pesquisa sobre o uso de entrevistas motivacionais para ajudar na organização, além das observações de um estudo clínico atual sobre esse método apontam alguns passos práticos que as pessoas podem seguir para limpar a casa.

Comece escrevendo seus valores em um papel. Cada objeto na sua casa precisa estar em sintonia com o que você valoriza. Por exemplo, se tradição e fé são valores importantes para você, pode ser que tenha mais vontade de guardar um livro de receitas feito pelos mais velhos da sua igreja, mas tenha mais facilidade em se desfazer de um livro de receitas que comprou por impulso em uma livraria.

o altruísmo pode explicar por que algumas pessoas guardam itens que outros jogariam fora.

Se saúde e criatividade são os seus valores principais, pode ser mais importante manter um livro de receitas com maneiras criativas de incluir mais vegetais na sua alimentação.

Definir objetivos consistentes com seus valores para usar o espaço pode ajudar a manter a motivação enquanto você organiza suas coisas. Você quer arrumar sua mesa para trabalhar de forma mais eficiente? Quer abrir espaço nas bancadas da cozinha para fazer biscoitos com seus netos?

Lembre-se de que os valores são subjetivos. Se você está ajudando um ente querido a se organizar, mantenha uma postura aberta e sem julgamentos. Onde você talvez enxergue apenas uma caixa cheia de tralhas, sua avó pode ver um pacote cheio de “paliteiros e outros tesouros.”

Esse artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Mary E. Dozier é professora assistente de psicologia na Universidade Estadual do Mississippi. saiba mais