Esperança não é a mesma coisa que otimismo. Você pode ter uma sem a outra
O que torna a esperança virtuosa não é sua capacidade de trazer felicidade e sucesso, mas seu compromisso com um bem maior
No dia 3 de abril de 1968, diante de uma igreja lotada, Martin Luther King Jr. compartilhou sua visão de justiça. “Eu vi a Terra Prometida”, disse ele. “Talvez eu não chegue lá com vocês, mas quero que saibam que nós, como povo, chegaremos à Terra Prometida!” Vinte e duas horas depois, ele foi assassinado.
Estas palavras proféticas ilustram a virtude da esperança em meio às adversidades. King não era otimista em relação a alcançar pessoalmente a “Terra Prometida”, mas mantinha a esperança no objetivo maior. Embora muitas vezes “esperança” e “otimismo” sejam usados como sinônimos, estudos em psicologia mostram que existe uma diferença importante entre eles.
Uma das formas mais comuns de medir o otimismo é pedir às pessoas que avaliem frases como “em tempos incertos, geralmente espero pelo melhor”. Aqueles que concordam fortemente são classificados como altamente otimistas. No entanto, o otimismo frequentemente depende mais da sorte do que de uma ação concreta.
Minha pesquisa investiga como as pessoas percebem esperança e justiça. A esperança de longo prazo não se resume a “ver o lado bom das coisas”. É uma mentalidade que ajuda as pessoas a encarar os desafios de frente e manter o foco no que é importante.
NÓS, NÃO EU
A esperança é geralmente definida como a combinação de uma vontade forte de alcançar um objetivo e os planos necessários para realizá-lo. Mas seus benefícios vão além do sucesso individual.
Muitos psicólogos têm ampliado o estudo da esperança para incluir o bem-estar coletivo. Minha equipe define essa “esperança virtuosa” como a busca de um propósito maior em prol do bem comum – uma esperança moldada pelas dificuldades e fortalecida pelos laços sociais.
Líderes como Martin Luther King canalizaram essa ideia para inspirar mudanças. Por séculos, reflexões espirituais e filosóficas descreveram a esperança como uma virtude que, assim como o amor, é uma escolha consciente, não apenas um sentimento.
O que torna a esperança uma virtude, na verdade, não é sua capacidade de trazer felicidade ou sucesso, mas seu compromisso com um bem maior além do próprio indivíduo
Estudo essa esperança virtuosa em uma comunidade Zulu na África do Sul, onde há poucos motivos para ser otimista. O país tem a maior desigualdade do mundo, altos índices de desemprego e pouca mobilidade social. Além disso, essa região apresenta taxas de infecção pelo HIV próximas a 50% em algumas áreas.
Nossa pesquisa identificou pessoas vistas como exemplos de esperança, escolhidas com base na sua reputação e nas sugestões da própria comunidade. Esses indivíduos mostraram uma dedicação inabalável a construir um futuro melhor, mesmo sem esperar sucesso pessoal.
ESPERANÇA VIRTUOSA
Um agricultor local, indicado por sua comunidade, enfrentava dificuldades até para comprar sementes, mas ainda assim ajudava outras pessoas a solicitar subsídios para comprá-las. Mesmo com um futuro incerto, não guardava tudo para si. Ele descreveu sua esperança como um compromisso moral de ajudar os outros, mais do que uma expectativa positiva.
Uma jovem desempregada contou que vinha buscando trabalho há quatro anos e continuaria tentando, mesmo sem ilusões em relação ao futuro. Para ela, enviar currículos e ler para seu filho eram atos de esperança. Sua esperança não previa uma solução rápida, mas a ajudava a não se sentir paralisada.
Os entrevistados não enxergavam as dificuldades como um obstáculo à esperança, mas como o terreno onde ela floresce.
Muitos psicólogos preferem definir esperança como a busca de um propósito maior em prol do bem comum.
Muitos participantes da pesquisa fundamentavam sua esperança na fé cristã, assim como Martin Luther King. Ele frequentemente citava São Paulo, que escreveu: “o sofrimento produz perseverança, a perseverança produz caráter, e o caráter produz esperança. E a esperança não nos decepciona.”
Em outras palavras, a esperança foca no longo prazo: enfrenta o sofrimento com integridade. Assim como a de King, ela surge nas adversidades e se fortalece nos momentos difíceis. A esperança permite que comunidades lutem por justiça e democracia, mesmo sob a ameaça de ditaduras, apartheid ou oligarquias.
King não estava sozinho em usar a esperança virtuosa como instrumento de justiça. O educador brasileiro Paulo Freire descreveu a esperança como um “imperativo existencial” que promove a ação. Nelson Mandela, que passou 27 anos na prisão, chamou a esperança de uma “arma poderosa”.
A esperança entende que pode levar gerações para alcançar a Terra Prometida, mas age no presente para conduzir o arco moral na direção da justiça.
Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.