Essa reunião virou um e-mail: os resultados da semana de 4 dias no Brasil

Primeiro piloto do modelo no país mostra redução de exaustão, melhora na colaboração e inovação. Quase 88% dos funcionários relatam ter mais energia

Créditos: Serdarbayraktar / iStock

Camila de Lira 10 minutos de leitura

Agenda menos atolada, time em sintonia, trabalho mais intenso, produtividade em alta e… um dia útil a menos. A semana de trabalho de quatro dias reduziu o estresse e melhorou a produtividade em empresas brasileiras. Os números do primeiro piloto da 4 Days Week Brazil mostram melhora em índices de eficiência e também de bem-estar dos colaboradores.

De janeiro a julho deste ano, 20 empresas testaram estabelecer 32 horas semanais de trabalho. No final do processo, 46,2% das empresas decidiram manter o modelo e 38,5% decidiram estender o piloto para outras áreas. Para os funcionários, no entanto, as 32 horas semanais de trabalho foram mais do que aprovadas: 97,4% disseram gostariam muito de seguir nesse formato.

Para quase 85% da alta liderança, o piloto trouxe melhoria substancial para as organizações e otimizou os trabalhos. A maioria notou que adotar o formato transformou a forma das pessoas trabalharem e melhorou a relação entre os colaboradores, explica Renata Rivetti, fundadora e chief hapiness officer da Reconnect - Happiness at Work, especializada em felicidade corporativa e liderança positiva.

"As empresas perceberam que não é sobre tirar a sexta de folga, mas sobre redesenhar o trabalho", diz Renata.

São formas diferentes de priorizar, comunicar e de se pensar o trabalho. Para a CEO da MOL Impacto, Roberta Faria, a opção por participar do piloto foi "um ato político". "Para desafiar o paradigma do mundo de trabalho que estamos vivendo coletivamente. Estamos adoecendo com um modo de trabalho que toma conta de todo nosso tempo, espaço", diz Roberta.

Não é uma maratona, nem uma corrida de 10 quilômetros. A semana de trabalho de quatro dias é um revezamento. Todos da equipe correm menos quilômetros, mas precisam estar atentos na hora de passar o bastão e no passo que estão dando nos projetos, porque um erro pode levar ao atraso do resto. 

"As empresas perceberam que não é sobre tirar a sexta de folga, mas sobre redesenhar o trabalho"

NECESSÁRIO, SOMENTE O NECESSÁRIO

Na prática, trabalhar por menos dias exige organização, estrutura e planejamento coletivo. O primeiro passo é processualizar as atividades. Tudo precisa ser documentado, catalogado, de conhecimento da equipe e não de um único colaborador. Não é à toa que 70% dos funcionários relataram ter tido mais conversas com os líderes durante o piloto.

Só esse passo já revela muito sobre as empresas. Algumas descobriram que os funcionários trabalhavam bem mais do que 40 horas semanais. Foi o que aconteceu no Clementino & Teixeira, escritório de advocacia que fez parte do piloto da 4 Day Week Brazil. Foi aí que eles perceberam o tamanho do desafio, explica a sócia Soraya Clementino. 

Entender o que é feito em cada área, como é feito e, principalmente, se é necessário ser feito é o que Renata Rivetti chama de "matriz de priorização". Quase 90% dos participantes tiveram que remodelar as prioridades. Entender o que é prioritário é essencial para o segundo passo da semana de quatro dias: reduzir atividades improdutivas.

De acordo com o relatório da 4 Days Week Brazil, um dos maiores desafios foi a redistribuição de tarefas, o que levou quase 40% dos trabalhadores a questionar a liderança sobre a relevância de reuniões e o envio de e-mails.

Roberta Faria, CEO e cofundadora da MOL Impacto

Na MOL Impacto, isso significou transformar o meme em vida real: as reuniões, de fato, viraram e-mails. "Quando organizamos as coisas, nos demos contas de que algumas atividades não eram úteis. As reuniões passaram a ser mais curtas e algumas viraram documentação", diz Roberta.

Retirar tais atividades da rotina dá aos líderes espaço não só para ter fluxos de trabalho mais focados como também para pensar mais em estratégia e no planejamento futuro.

SÓ 31 HORAS?

Hoje, a MOL Impacto está fazendo o segundo piloto da semana de quatro dias úteis. Com objetivo de, em setembro, atingir 100% da companhia. A empresa entende que precisa de mais adaptação ainda, porque não é um processo fácil.

A gestora de engajamento da MOL Impacto, Rafaela Carvalho, conta que, no primeiro trimestre do piloto, o volume de projetos foi tanto que ela tinha certeza que estava trabalhando a mesma quantidade de horas.

"Quando fui contabilizar no sistema, foram apenas 31,5 horas semanais. Até fiz a conta de novo! Não tinha clareza do que era melhorar a produtividade até entender que eu honrei as entregas trabalhando em menos tempo", conta a jornalista.

"Não tinha clareza do que era melhorar a produtividade até entender que honrei as entregas trabalhando em menos tempo"

Por estar numa área operacional, Rafaela teve que criar uma escala para não deixar os dias úteis descobertos. Ela trabalha de segunda a quinta e sua equipe, de terça a sexta. No final, são três dias trabalhando juntos. "Naturalmente, tive que delegar mais tarefas e aprender formas de empoderar o time, dar segurança para elas terem autonomia nos dias em que não estamos trabalhando juntas", diz a gestora.

Se uma pessoa vai ficar um dia fora,  todos precisam saber onde ela parou e o que está fazendo. Como na passagem de bastão do revezamento. 

De acordo com a 4 Day Week Brazil, nove em cada 10 participantes notaram aumento da colaboração. Rafaela conta que houve mobilização coletiva para que todos conseguissem manter o piloto. Diretores de áreas diferentes assumiram reuniões para que outros pudessem se desconectar completamente durante o "quinto dia". "Todo mundo ficou com o 'sevirômetro' ligado", conta.

Isso une o time. Segundo a 4 Days Week Brazil,  o engajamento dos funcionários com a empresa aumentou em 60%. Quase 20% dos entrevistados afirmaram que não trocariam o modelo de trabalho de quatro dias por uma semana de cinco dias úteis. 

SAI WHATSAPP, ENTRA SLACK

Um ambiente em que as atividades são catalogadas e transparentes é fértil para o uso de ferramentas tecnológicas. Quase metade das empresas usou softwares e inteligência artificial para automatizar tarefas repetitivas. E três quartos dos líderes notaram melhoria no uso da tecnologia por parte da empresa.

Soraya conta que, no contexto do escritório de direito, os softwares e programas ajudaram em muito a apoiar a eficiência. "Estávamos há 20 anos construindo uma forma de trabalho ineficiente. Em seis meses, conseguimos mudar bastante isso, porque investimos em tecnologia e em fazer com que as pessoas usassem os programas", diz a advogada.

A tecnologia permitiu a comunicação assíncrona, essencial para pensar em momentos nos quais só parte da equipe trabalha. Programas de gerenciamento de projetos, que permitem que funcionários deixem comentários e avisos, também fizeram sucesso.

"Eficiência não quer dizer trabalhar como uma máquina, mas ter tempo para conseguir pensar em como fazer o que já fazemos de forma melhor"

Uma das ações que o escritório de advocacia fez foi reduzir o uso do WhatsApp para demandas profissionais. A MOL Impacto também seguiu por este caminho, concentrando as mensagens e os pedidos no Slack. A companhia criou ícones para indicar quando os funcionários estavam no dia "fora", assim, todos tinham a visibilidade. 

A distração dos celulares pode ser um gatilho externo para a distração, o que quebra o fluxo do deep work, ou trabalho 100% atento que o modelo exige. 

"Eficiência não quer dizer trabalhar como uma máquina, mas ter tempo para conseguir pensar em como fazer o que já fazemos de forma melhor", comenta Rafaela. O ganho em eficiência traz um ambiente que exige trabalho intenso, mas dá em troca estrutura e previsbilidade. E, lógico, um dia a mais na semana.

QUEM PODE?

O piloto brasileiro foi realizado com 21 empresas de diferentes setores, como tecnologia, comunicação, design, saúde e arquitetura. Segundo especialistas globais, o impacto não está relacionado ao setor de atuação da empresa, mas sim ao tipo de trabalho oferecido. 

Em entrevista à Fast Company norte-americana, a economista e professora da Universidade de Boston Juliet Schor explicou que os setores mais propensos ao "burnout emocional", como hospitalidade, psicologia, psiquiatria e varejo, tendem a se beneficiar mais da redução da carga horária semanal.

Para Renata Rivetti, trabalhos intelectuais podem parecer mais "fáceis" de mudar a proposta. "Mas, no final, tivemos resultados positivos em áreas como tecnologia, contabilidade, comunicação. Mostramos que, com a clareza da metodologia, dá para fazer diferente em muito mais setores", garante.

Renata Rivetti, da Reconnect | Happiness at Work

As evidências, tanto do Brasil quanto do exterior, indicam que a produtividade não está relacionada à quantidade de horas trabalhadas, mas sim à qualidade do tempo dedicado às tarefas.

A produtividade não está relacionada à quantidade de horas trabalhadas, mas sim à qualidade do tempo dedicado às tarefas

Mais de 55% dos participantes do piloto da 4 Days Week Brazil se sentiram mais ativos e com mais vitalidade. Já 44% disseram conseguir conciliar a vida profissional com a pessoal e 71,3% notaram aumento de energia para se relacionar com amigos e familiares.

O "dia extra" do final de semana não tem preço. Nos primeiros seis meses do ano, Rafaela, por exemplo, conseguiu se recuperar completamente de uma contusão no tornozelo e participar da sua primeira corrida de rua. Também teve tempo para atividades como visitar a filha recém-nascida de um casal de amigos e acompanhar o vizinho, de 85 anos, ao médico.

O descanso, tão negado e vilanizado na sociedade do burnout, volta ao horizonte. 

8 DICAS PARA IMPLEMENTAR A SEMANA DE 4 DIAS

1. Não faça isso sozinho

Implementar a semana de quatro dias demanda metodologias próprias e especializadas, além de exigir o comprometimento de todos os setores da empresa (até daqueles que não vão atuar no modelo no primeiro momento). "Sem o comprometimento de todos, não funciona", diz Renata Rivetti.

2. Crie espaços de comunicação clara e próxima entre todos

Vocês vão precisar! Pense em uma corrida de revezamento: todos precisam estar atentos e a liderança precisa trabalhar lado a lado com o time para entender quais processos estão funcionando e quais precisam ser alterados. 

3. Comece pela área mais difícil

Sabe aquele setor que lida com os clientes? Que tem a agenda mais caótica? Que precisa olhar para os horários externos? Comece a implementar a semana de quatro dias nele.

4. Esteja pronto para reaprender a trabalhar

Não é apenas aprender novas formas de trabalho, mas a trabalhar de forma mais intensa, focada e em fluxos. Como líder, esteja preparado para reduzir multitasking, delegar mais atividades (inclusive aquelas que achava que só você poderia fazer), dar autonomia para a equipe, estruturar processos de cada micro atividade…

5. Olhe para outros dados

A produtividade será medida de outra forma. Esteja pronto para analisar dados de bem-estar, de qualidade de projetos e de quantidade de processos para se realizar tarefas. 

6. Se aproprie dos nãos: priorize tarefas

Na metodologia de quatro dias de trabalho, a matriz de priorização tem espaço central. Você, sua equipe e as outras áreas da empresa precisarão entender quais são as entregas, para quando devem ser feitas e quais são os pesos. Se tudo for prioritário, nada será.

7. Mude sua agenda: menos reuniões, mais horas de atenção

Você não terá que estar em todas as reuniões, nem em todos as calls ou meets de alinhamento. Trabalhar por menos dias exigirá espaços da agenda voltados para atenção e foco completo (o chamado deep work).

8. Não dá para fugir de tecnologia

Use ferramentas como Slack, Monday, Drive, TimeSheet. Isso não significa que tudo será automatizado ou digital, nem que sua empresa terá que ter a assinatura de 10 softwares diferentes. E sim que precisará de programas que façam sentido para todos, e que todos saibam usar. 


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais