Está na hora de as mulheres abraçarem o seu perfeccionismo

Como mensagens subliminares estão a serviço da repressão feminina no ambiente de trabalho

Crédito: Pexels

Katherine Morgan Schafler 5 minutos de leitura

“Mandona”. É assim que costumam rotular meninas e mulheres que, quando estão em posições de autoridade, têm comportamentos tradicionalmente masculinos. Do mesmo jeito, o adjetivo “perfeccionista” vem silenciosamente aderindo às profissionais mulheres – uma crítica sutil, mas que serve para reprovar e regular o poder feminino.

Como acontece com todas as mensagens subliminares, não apenas as ouvimos inconscientemente como também as internalizamos inconscientemente. Vou dar um exemplo.

Numa tarde qualquer, em um espaço de trabalho compartilhado, estava sentada perto de uma área que uma fotógrafa havia montado para tirar fotos de seus clientes. Ao longo de várias sessões, ela repetia frases como estas:

Eu estou sendo muito perfeccionista, eu sei, mas será que você pode colocar sua mão um pouco mais perto do quadril?

Eu sou meio perfeccionista, eu sei que é chato...  Mas será que você pode virar o rosto um pouco mais para a janela?

Olha, eu vou ser perfeccionista de novo e pedir que você mantenha o queixo em um ângulo de 90 graus em relação ao peito, ok?

Não sei se essa fotógrafa é de fato perfeccionista. Não a conheço. O que eu sei é que o trabalho de qualquer fotógrafo profissional que faça retratos é dirigir o cliente. E isso pressupõe passar instruções, de maneira mais específica ou mais geral.

O adjetivo "perfeccionista" traz embutida uma crítica sutil que serve para reprovar o poder feminino.

Ou seja: ao chamar a si própria de “perfeccionista”, ela estava tentando amenizar seus comandos e instruções. É como se ela sentisse a necessidade de fazer uma autocrítica para não desagradar ninguém e, ao mesmo tempo, para manter seu domínio sobre a sessão de fotos.

Acontece que, nessa situação, o controle da dinâmica do ensaio fotográfico deveria ser algo dado, pré-estabelecido. Afinal, era ela a profissional, a especialista contratada. Por que, então, essa necessidade de se (des)qualificar verbalmente na hora de exercer seu poder? Por que toda vez que ela queria fazer uma foto melhor, amenizava as próprias ordens, fazendo a ressalva de ser muito “perfeccionista”?

MENSAGEM SUBLIMINAR

Comunicar uma crítica de forma implícita requer sutileza. Quando a crítica sutil é bem-sucedida, a pessoa sempre consegue negar suas más intenções, caso seja acusada.  É muito fácil, por exemplo, alguém negar que está se valendo do tal “perfeccionismo” para julgar uma mulher. Basta se defender dizendo algo como “Mas o perfeccionismo pode ser muito prejudicial à saúde dela – é por isso que as mulheres precisam ser encorajadas a diminuir o nível de perfeccionismo e a se equilibrar”.

Como um soldado em um cavalo de Tróia, a repressão ao desejo das mulheres de se destacar entra pelos nossos ouvidos sem ser detectada, misturada ao conceito já ambíguo e questionável de perfeccionismo.

Seus desejos são reais e importantes, e não precisam fazer sentido para ninguém além de você.

Essa alegação sobre a necessidade de as mulheres buscarem mais equilíbrio não é de fato uma preocupação com o estado de saúde delas. É, na verdade, uma preocupação com o estado do poder das mulheres.

Infelizmente, porém, esse tipo de mensagem subliminar funciona. Muitas mulheres gastam energia em uma luta vã para encontrar o equilíbrio enquanto tentam engolir seu desejo perfeitamente saudável por mais conquistas – como se não soubessem ser gratas por tudo o que já têm. 

Nada disso anula o fato de que o perfeccionismo pode, sim, ser uma força destrutiva na vida de alguém. Mas ele pode ser prejudicial ou útil para qualquer pessoa, dependendo de como é administrado.

Até que reconheçamos a natureza dicotômica e o viés de gênero do perfeccionismo, estaremos concordando em ficar de braços cruzados enquanto homens equivocados voam direto na direção do sol escaldante e as asas das mulheres são cortadas, em nome de uma suposta necessidade de protegê-las.

NÃO HÁ NADA DE ERRADO EM QUERER MAIS

Se você não está levando uma vida equilibrada neste momento, isso não significa que há algo de errado. Você não precisa “suar na academia” até ficar exausta demais para sentir raiva, nem listar todos os seus motivos para ser grata até parar de ter novas ambições.

É perfeitamente possível sentir raiva e amor ao mesmo tempo. Assim como é possível ser grata pelo que que já tem mas, mesmo assim, querer mais. Não é preciso equilibrar nada disso.

a repressão ao desejo das mulheres de se destacar entra pelos nossos ouvidos sem ser detectada.

Você é livre para querer mais e para conseguir mais. Querer mais é saudável. Seus desejos são reais e importantes, e não precisam fazer sentido para ninguém além de você.

Querer mais pode parecer subversivo e “feio” para mulheres que aprendem que seu perfeccionismo (leia-se ambição) é ruim e errado, da mesma forma que ser sexualmente ousada pode parecer subversivo e “feio” para mulheres que aprendem que seu desejo sexual deve ser contido.

Querer mais é uma afronta a tudo o que você aprendeu sobre como ser uma mulher grata, saudável e equilibrada. Uma mulher que quer mais é vista como ingrata; um homem que quer mais é visto como um visionário. Uma mulher que busca liderança tem “sede de poder”; um homem que busca poder é um “líder nato”. Essas narrativas são chatas e furadas. Já deu.

Não permita que sua ambição seja patologizada. Recuse-se a pedir desculpas ou disfarçar seu desejo insaciável de se destacar. Rejeite totalmente a ideia de que você precisa ser consertada. Abrace o seu perfeccionismo agora.

Permita-se, ainda que por alguns segundos, alimentar uma crença radical neste mundo tão misógino: não há nada de errado com você.

Extraído do livro The Perfectionist’s Guide to Losing Control (Guia Perfeccionista Para Perder o Controle), de Katherine Morgan Schafler, publicado pela Penguin Random House.


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