Estratégia começa onde o conforto termina

Se existe uma vantagem estratégica possível hoje, é a capacidade de permanecer na zona onde aprendemos mais do que sabemos

grande sombra de uma pessoa projetada na parede
Crédito: Juliasv/ Getty Images

Rafaela Provensi 3 minutos de leitura

Acabei de retornar de dias de imersão em Harvard e no Vale do Silício, com uma sensação que não me abandonou desde então: a estratégia que funciona não é a que desenhamos em PPTs impecáveis, e sim a que sobrevive ao caos do mundo real.

Lá, ficou evidente que estratégia não é um mapa; é um sistema vivo, cheio de interdependências, limitações e escolhas imperfeitas. Cada modelo – plataforma, produto ou serviço – carrega seus próprios riscos. Não existe solução mágica. Existe a coragem de fazer diagnósticos honestos e a maturidade de operar trade-offs sem negar sua existência.

Também percebi que o mercado perdeu a paciência com o “crescimento bonito”, aquele inflado por narrativas, não por fundamentos. O que importa é o lucro sustentável, e isso exige alinhar o modelo de valor ao batimento cardíaco da receita: frequência, intensidade e fidelidade.

Tecnologia as a service pode suavizar ciclos, mas, sem rigor analítico, nada disso sustenta o longo prazo. No fim, é pura engenharia de receita. Líderes que ignoram essa dinâmica administram na penumbra.

Em paralelo, a discussão sobre inteligência artificial trouxe um realismo quase brutal. A crença geral é de que o ROI agregado será negativo por anos. E ainda assim, não participar é perder relevância.

É uma corrida armamentista. Winner-takes-most. Um jogo em que não basta chegar, é preciso escalar antes de todo mundo. Não é hype. É sobrevivência competitiva.

Mas a provocação que mais me atravessou foi outra: o sucesso é uma prisão estratégica. Tudo o que te fez vencer ontem – margens altas, produtos estáveis, processos eficientes, relações históricas – vira um filtro que distorce sua leitura do futuro.

Convenci-me de que a pergunta essencial de um líder não é “o que nos trouxe até aqui?”, mas “o que estamos dispostos a abandonar para continuar indo adiante?”.

a liderança que o futuro exige é a liderança que escolhe o desconforto, modelada no comportamento e não no discurso.

Essa jornada de aprendizado me trouxe outra sensação: a curva S do crescimento começa sempre com uma piora. A fase mais lenta, ambígua e desconfortável, é aquela que parece sinalizar erro, quando na verdade é o primeiro indicador de aprendizado real. Lá, repetem quase como mantra: se você não está desconfortável, está ficando irrelevante.

Observando esse padrão em diferentes empresas, indústrias e ciclos de inovação, ficou claro que a evolução raramente acontece no conforto. Sistemas que sobrevivem são os que se permitem mudar antes de serem forçados.

Modelos que duram são os que aceitam a canibalização como parte da evolução. Lideranças que prosperam são as que se expõem à vulnerabilidade consciente, dispostas a atravessar a fase confusa da curva S, mesmo sob o risco de parecerem menos brilhantes no curto prazo.

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Harvard reforçou algo que eu já intuía: empresas e líderes não perdem relevância por falta de capacidade; perdem por excesso de conforto. Por acreditar que o que funcionou ontem funcionará amanhã. Por temer reinventar o que já deu certo. Por adiar decisões difíceis. Por confundir estabilidade com estratégia.

Por isso, a liderança que o futuro exige – em qualquer organização que deseje definir seu próximo ciclo – é a liderança que escolhe o desconforto: pública, consciente, modelada no comportamento e não no discurso. Uma liderança que sustenta o erro provisório da curva S e que entende que vulnerabilidade não é fraqueza; é mecanismo de evolução.

No fim, a lição que trago dessa jornada é simples, incômoda e libertadora: nada realmente relevante cresce no conforto. E, se existe uma vantagem estratégica possível hoje, é a capacidade de permanecer na zona onde aprendemos mais do que sabemos – e onde cada passo inquieto nos aproxima do que ainda podemos ser.


SOBRE A AUTORA

Rafaela Provensi é diretora sênior de operações & people da rede de verificação identidade Unico. saiba mais