Talentos on demand

O novo perfil do freelancer deixa de ser um simples prestador de serviço e passa a fazer parte dos recursos na estratégia de inovação

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Monica Magalhães 6 minutos de leitura

A figura do freelancer mudou profundamente e, em muitos casos, a percepção coletiva ainda está presa a um estereótipo ultrapassado, de alguém informal, que “quebra um galho” ou atua apenas em frentes criativas como design ou redação. Mas a realidade hoje é bem mais ampla e estratégica.

Enquanto no passado o freelancer era visto como alguém que "faz bicos", hoje ele pode ser:

  • Um ex-executivo que optou por autonomia;
  • Um jovem especialista que prefere liberdade geográfica;
  • Um criador de conteúdo que monetiza suas habilidades;
  • Um tech-lead que monta squads sob demanda.

O novo perfil do freelancer deixa de ser um simples prestador de serviço e passa a fazer parte dos recursos na estratégia de inovação. Ele não é um “faz-tudo”, pelo contrário: costuma ser altamente especializado e atua em formas diversas.

Normalmente domina ferramentas de ponta, acompanha tendências globais e atualiza seu repertório constantemente – muito mais rápido, por sinal, do que equipes internas.

Os freelancers de hoje já trabalham com visão empreendedora, o que é ótimo para as empresas, pois eles gerenciam seu tempo, projetos, comunicação e entregas. No passado, eram pagos por hora; nos novos modelos, já são remunerados por outcomes, ou resultados.

Outra característica dos novos freelancers é que eles estão preparados para as mudanças de escopo e se adaptam muito mais facilmente do que os times internos. Eles têm agilidade para "pivotar", reformatar entregas e se atualizar com novos desafios.

Ao contrário da ideia de “profissional instável”, ele é hoje um elo confiável justamente por ser resiliente às mudanças.

Esse profissional hoje investe em marca pessoal, cases, avaliações e comunidades. Trabalha para fidelizar clientes, não apenas cumprir demandas. Muitos freelancers têm uma faceta “modo consultor”: já chegam com estratégia desenhada, sugerem melhorias, participam de decisões e criam vínculos de longo prazo com os contratantes.

UMA FORÇA DE TRABALHO QUE SÓ CRESCE

O crescimento da força de trabalho freelancer é sistêmico e inevitável:

O QUE IMPULSIONA ESSA MUDANÇA

Os principais fatores que impulsionam a economia freelancer hoje estão ligados aos avanços tecnológicos e transformações culturais.

  • Busca por autonomia, flexibilidade e propósito: muita gente não se identifica mais com o modelo tradicional de emprego e procura mais liberdade para escolher projetos, horários e clientes. A busca por flexibilidade de tempo e local são prioridades, especialmente para as gerações mais jovens.
  • As plataformas digitais: é mais fácil encontrar os freelancers, eles estão nas redes sociais como influenciadores potentes e também nas plataformas como Fiverr, Upwork, Freelancer e Workana, que facilitam a conexão entre profissionais e empresas, globalmente.
  • Demanda por agilidade: mudanças nas estruturas corporativas fazem com que empresas busquem montar times sob demanda para projetos específicos, reduzindo custos fixos e aumentando a eficiência.
  • Dificuldade em encontrar talentos especializados: profissionais freelancers costumam estar mais atualizados, investem mais nas suas capacitações. Isso aumenta o valor percebido e a remuneração.

ONDE A IA ENTRA NESSA HISTÓRIA?

O impacto da inteligência artificial na economia freelancer merece um capítulo à parte. Esse é um ponto crucial da conversa. Há uma percepção clara de que os freelancers estão mais preparados para integrar e explorar a IA do que profissionais em estruturas tradicionais.

Os freelancers estão se beneficiando muito mais das ferramentas e ampliando seu potencial profissional. Estão se tornando verdadeiras agências de uma só pessoa. São ágeis, adaptáveis e buscam frequentemente a melhoria contínua.

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Enquanto as empresas oferecem ao colaborador interno o acesso a uma única ferramenta, os freelancers assinam e têm acesso a uma ampla gama de soluções de IA.

Eles não são ameaçados pela IA, são os primeiros a usá-la como alavanca de produtividade. Automatizam partes do trabalho, criam fluxos com agentes, dominam ferramentas como Notion AI, Midjourney, Perplexity, ChatGPT, Claude, entre outras.

A FRAGMENTAÇÃO DO TRABALHO

Também merece um capítulo separado a questão da fragmentação do trabalho. Essa é uma das mudanças mais profundas e estruturais que estão redesenhando o mercado global.

Antes, o trabalho era concentrado em funções fixas, cargos estáveis e departamentos lineares. Agora, passa a ser dividido em tarefas mais específicas, modulares e temporárias, que podem ser realizadas por diferentes profissionais, muitas vezes espalhados pelo mundo.

Pense que um projeto que antes exigiria uma equipe interna com múltiplas habilidades pode hoje ser dividido em várias partes e, em cada uma delas, você tem N opções de profissionais especializados para executá-la. Em algum momento, ouvi essa frase e achei que explicava bem o que era o trabalho fragmentado:

Ao contrário da ideia de “profissional instável”, o freelancer é hoje um elo confiável por ser resiliente às mudanças.

"Pense que no futuro as empresas terão uma lista de tarefas a serem feitas e oferecerão isso num formato 'playlist', como no Spotify, para que especialistas possam se candidatar para fazer."

A fragmentação do trabalho é um resultado de tudo o que conversamos até aqui. Uma combinação de desejos da nova geração com potenciais tecnológicos e desafios das empresas.

Definitivamente, não é uma tendência passageira, mas uma reconfiguração estrutural da forma como produzimos valor. Em um mundo cada vez mais orientado por resultados, adaptabilidade e conhecimento especializado, o freelancer deixa de ser uma alternativa periférica e passa a ocupar o centro da estratégia produtiva de muitas empresas.

Podemos dizer que, no novo mapa do trabalho, o freelancer é o profissional ideal para uma economia em constante transformação.

A NOVA ARQUITETURA DO TRABALHO

Steven Rager é gerente de programa na NASA e, durante um painel no SXSW 2025 que debatia justamente o avanço da economia freelancer, mandou essa frase que eu achei massa:

“Estamos diante da maior mudança na estrutura organizacional em 100 anos. E o freelancer não é um risco – é uma solução.”

Os freelancers de hoje trabalham não apenas para cumprir demandas, mas para fidelizar clientes.

Matt Mottola, CEO Human Cloud também resumiu bem o desafio atual no mesmo painel: "o maior erro é tentar encaixar freelancers em uma caixinha – eles são um modelo novo, não uma versão barata de funcionários."

Muitas empresas ainda encaram freelancers como mão de obra temporária, com escopo restrito. Isso é um erro estratégico. Hoje, eles ajudam a inovar mais rápido, custam menos que headcounts fixos, são mais atualizados tecnicamente, entregam com mais agilidade e ajudam empresas a testarem hipóteses, MVPs e novas tecnologias.

As maiores barreiras hoje são culturais e institucionais. Departamentos jurídicos ainda veem freelancers como risco e RHs tradicionais têm orçamentos e sistemas separados para funcionários e freelancers, o que complica muito a gestão.


SOBRE A AUTORA

Monica Magalhães é futurista e pesquisadora de tecnologias emergentes. saiba mais