IA pode prever um pedido de demissão? Talvez, mas humanos também conseguem
Uma nova safra de empresas de “atrito preditivo” estão revolucionando radicalmente o setor de recursos humanos
A inteligência artificial pode estar começando a tornar os departamentos de recursos humanos menos humanos.
“A IA tem o potencial de automatizar algumas tarefas nos departamentos de recursos humanos (RH), mas é improvável que assuma completamente o RH em um futuro próximo”, respondeu o ChatGPT quando consultado sobre o assunto.
Nos próximos 10 anos, veremos alguns empregos começarem a ser substituídos pela automação.
“A IA pode ajudar em tarefas como triagem de currículos, correspondência de candidatos e até entrevistas iniciais, o que pode liberar os profissionais de RH para se concentrarem em tarefas de nível superior, como desenvolvimento e retenção de funcionários”, é o complemento da resposta.
Esse tem sido o entendimento tradicional sobre o assunto. Muitos argumentam que a IA pode substituir tarefas repetitivas, mas não a intuição humana que diversas funções exigem.
No entanto, avanços recentes em inteligência artificial (e a onda de demissões durante e após a pandemia) precipitaram um boom de investimento e adoção de produtos que prometem abalar os departamentos de RH – inclusive atuando naquelas tarefas supostamente reservadas para humanos, como “desenvolvimento e retenção de funcionários”.
EMPREGOS AMEAÇADOS
Companhias como IBM e Ultimate Software Group abriram caminho para uma nova safra de empresas de “atrito preditivo”, como Retrain AI, Eightfold AI, e HRSignal – ou seja, empresas que calculam e informam os empregadores se um funcionário corre o risco de pedir demissão.
A HRSignal, por exemplo, vende um software que promete prever se um trabalhador vai sair. O CEO, Andrew Spott, argumenta que sua empresa pode revolucionar a forma como os departamentos de RH desenvolvem e retêm talentos e que a IA está predestinada a eliminar cargos inteiros.
Em todos os setores, os empregadores estão ficando mais inteligentes com a análise preditiva.
“Nos próximos 10 anos, você verá alguns empregos começarem a ser substituídos pela automação”, aposta Spott, que apoia a ideia da renda básica universal. “No longo prazo, a IA permitirá que a sociedade continue a funcionar com menos pessoas. Mas acho que, a curto prazo, há um potencial real para ela substituir vários empregos – dos quais, provavelmente, as pessoas não gostam – e isso prejudicará as famílias", reconhece.
A HRSignal compra dados por atacado de corretores, compila vários conjuntos de dados, interpreta a probabilidade de um trabalhador se demitir e atribui a ele uma pontuação de risco de 1 a 99. Essa análise considera detalhes como o cargo da pessoa, onde mora, o tamanho da empresa e o número de oportunidades de trabalho oferecidas pelos concorrentes.
Spott conta que o conjunto de dados da HRSignal inclui 400 milhões de currículos (cujos nomes foram retirados), mas não leva em consideração os dados coletados pelo empregador, nem variáveis como idade, sexo ou raça. No entanto, seus concorrentes o fazem.
ANÁLISE BEM HUMANA
Em todos os setores, os empregadores “estão ficando mais inteligentes com a análise preditiva”, diz Frank Giampietro, diretor de bem-estar da EY Americas. Ele diz que é possível identificar “grupos de trabalhadores com maior probabilidade de pedir demissão do que teríamos percebido no passado”.
E, claro, existem empresas que não precisam usar a IA para detectar se um funcionário corre o risco de pedir demissão.
Os humanos há muito são capazes de adivinhar quando alguém está pensando em sair.
“Fazemos algo que não utiliza IA”, diz Marco Zappacosta, CEO da Thumbtack, especializada em serviços domésticos. “Analisamos nossas pesquisas de engajamento.” Uma pesquisa de engajamento tradicional ajudou a identificar os trabalhadores que correm o risco de pedir demissão e também ajudou a sinalizar aqueles que devem ser promovidos.
Os humanos há muito são capazes de adivinhar quando alguém está pensando em sair. Talvez o funcionário esteja menos engajado, ou menos ativo nas reuniões. Talvez tenha tirado um número extraordinariamente alto de licenças de última hora ou agendado uma série de consultas médicas (desculpas clássicas para ter tempo de ir a entrevistas de emprego). Talvez tenha perdido a antiga atitude participativa.
A análise preditiva geralmente nos coloca diante de novas questões filosóficas. Por exemplo: e se um funcionário estiver pensando em pedir demissão sem muita certeza, mas depois de ser sinalizado por alguma forma de IA como um risco de demissão, agora é perseguido por gerentes desconfiados? E se essas pressões fizerem com que essa pessoa, que no final das contas teria ficado se tivesse sido deixada em paz, pedisse demissão?
Um dos exemplos culturais mais famosos de análise preditiva pode ser visto no filme "Minority Report", estrelado por Tom Cruise. No filme, uma tecnologia profética consegue sinalizar crimes antes de eles serem cometidos.
Quando perguntado se os programas de atrito preditivo poderiam ser vistos como parentes menos sinistros dessa tecnologia hipotética, Giampietro ri e se nega a comparar sair de um emprego com cometer um crime.
“Algum nível de rotatividade é bom para as pessoas e para as organizações”, diz ele. “Pedir demissão pode ser, em última análise, uma coisa boa.”