Lei trabalhista não está preparada para o futuro do trabalho automatizado

Monitoramento de trabalhadores ainda é simples em comparação com tecnologias que coletam dados pessoais para alimentar softwares de IA

Crédito: Possessed Photography/ Unsplash

Jeffrey Hirsch 5 minutos de leitura

A ficção científica há muito tempo imagina um futuro em que os humanos interagem constantemente com robôs e máquinas inteligentes. Isso já é uma realidade em depósitos e na indústria de manufatura. Os funcionários usam realidade virtual ou aumentada como parte do treinamento ou para interagir com os clientes. E muitos deles estão sob vigilância automatizada dos empregadores.

Toda essa automação produz dados que podem ser usados para análise de desempenho. Essas análises, sejam feitas por humanos ou softwares, podem influenciar na contratação, demissão, promoção e até em aumentos de salário. Alguns programas de inteligência artificial (IA) podem minerar e manipular dados para prever ações futuras, por exemplo, identificar possíveis pedidos de demissão ou diagnosticar condições médicas.

Caso o seu ambiente de trabalho ainda não disponha desse tipo de tecnologia, é provável que a incorpore em um futuro próximo. Isso me preocupa porque, a menos que mudanças significativas sejam feitas nas leis trabalhistas norte-americanas, esse tipo de vigilância e invasão de privacidade serão perfeitamente legais.

NOVAS TECNOLOGIAS VERSUS ANTIGAS LEIS TRABALHISTAS

A legislação trabalhista dos EUA tem sido uma exceção em comparação com a de grande parte do mundo. Especialmente para autônomos não sindicalizados, é permitido que empresas e trabalhadores definam os termos e condições por conta própria.

Alguns programas de IA podem manipular dados para identificar possíveis pedidos de demissão ou diagnosticar condições médicas.

Em geral, para todos, exceto para os mais requisitados ou em cargos de alto escalão, a falta de regulamentação significa que as empresas podem fazer o que quiserem, embora ainda estejam sujeitas a leis que impedem a discriminação, estabelecem salários mínimos, exigem pagamento de horas extras e que garantem a segurança do trabalhador.

Mas muitas delas foram criadas há décadas e raramente são atualizadas. Certamente não acompanharam os avanços tecnológicos, o aumento do trabalho temporário, a economia gig e outras mudanças. Os novos modelos acabam deixando muitos sem proteção legal contra abusos ou mesmo sem qualquer tipo de salvaguarda.

Tecnologias recentes como a IA, robótica, realidade virtual e sistemas avançados de monitoramento já começaram a alterar fundamentalmente os locais de trabalho e isso logo se tornará uma questão impossível de ignorar. Esse progresso ressalta a necessidade de mudanças significativas nas leis trabalhistas.

O CASO DOS MOTORISTAS DE UBER

Como outras empresas da chamada economia gig, a Uber vem gastando quantias consideráveis e tempo brigando na justiça e fazendo lobby para proteger os regulamentos que classificam seus motoristas como profissionais autônomos e independentes, e não funcionários.

exceto para os mais requisitados ou em cargos de alto escalão, a falta de regulamentação significa que as empresas podem fazer o que quiserem.

Essa distinção na categoria profissional é fundamental. Assim, a Uber não precisa pagar impostos trabalhistas ou seguro-desemprego para contratados independentes. Além disso, eles ficam completamente sem proteção legal.

Esses trabalhadores não têm direito a salário-mínimo nem recebem hora extra; podem ser discriminados por sua raça, gênero, religião, cor, nacionalidade, idade, deficiência e condição militar; não têm direito à sindicalização; tampouco a um ambiente de trabalho seguro.

As empresas sempre tentaram classificar seus trabalhadores como profissionais autônomos e independentes, mas a tecnologia tem ajudado bastante nesta tarefa. 

NEM MESMO OS EMPREGADOS ESTÃO PROTEGIDOS

Mesmo para aqueles que são considerados empregados, a tecnologia vem facilitando que as empresas tirem proveito das lacunas nas leis trabalhistas. Muitas já utilizam computadores, smartphones e outros equipamentos que permitem monitorar as atividades e localização dos empregados mesmo fora de expediente.

As novas tecnologias possibilitam invasões de privacidade muito maiores. Por exemplo, algumas empresas já possuem crachás que rastreiam e monitoram os movimentos e conversas dos funcionários. No Japão, alguns empregadores usam a tecnologia para monitorar os movimentos das pálpebras e diminuir a temperatura ambiente caso o sistema identifique sinais de sonolência.

TRABALHADORES SEM PRIVACIDADE

O monitoramento hoje ainda é bastante simples em comparação com o que está por vir: um futuro em que a robótica e outras tecnologias coletam enormes quantidades de informações pessoais para alimentar softwares de IA, que aprendem quais métricas estão associadas a diferentes aspectos, como humor e níveis de energia dos trabalhadores, ou mesmo doenças, como a depressão.

algumas empresas já possuem crachás que rastreiam e monitoram os movimentos e conversas dos funcionários.

Uma empresa de análise de saúde, cujos clientes incluem alguns dos maiores empregadores do país, já usa históricos de pesquisa na internet e dados de planos de saúde para prever o risco de diabetes ou identificar funcionárias que planejam engravidar.

Exceto em algumas situações específicas, como em banheiros, os funcionários do setor privado não têm direito legal de impedir esse tipo de monitoramento. No setor público, há mais proteção, graças à Quarta Emenda da Constituição norte-americana, que proíbe a busca e apreensão sem que haja motivo razoável e mandado judicial baseado em causa provável. No entanto, para funcionários do governo, o escopo dessa proibição é bastante restrito.

IA E DISCRIMINAÇÃO

As leis de discriminação no trabalho oferecem proteção aos funcionários em certas circunstâncias. Mas sofrem duras críticas por sua visão excessivamente simplista e limitada do que constitui discriminação, o que torna muito difícil para as vítimas abrir e ganhar processos ou obter acordos significativos. E as novas tecnologias deverão agravar ainda mais o problema.

softwares de IA usados no processo de contratação podem reforçar preconceitos.

Os softwares de IA usados no processo de contratação são vendidos como uma forma de eliminar ou reduzir o viés humano. Mas a verdade é que podem reforçar preconceitos ainda mais, já que esses sistemas dependem de grandes massas de dados, que podem ser tendenciosos.

A Amazon, por exemplo, recentemente abandonou um projeto de anos para desenvolver um programa de contratação a partir de IA porque ele repetidamente discriminava mulheres. Aparentemente, o programa aprendeu com a força de trabalho da própria empresa, majoritariamente masculina, que ser homem estava associado a ser um bom funcionário.

No entanto, a Amazon nunca chegou de fato a usar o programa para tomar decisões reais de contratação. Mas, e quanto aos empregadores que não têm recursos, conhecimento ou desejo de identificar os vieses da IA?

As leis de discriminação com base em algoritmos não são claras, e algumas tecnologias as estendem muito além de suas aplicações. Sem uma atualização, mais trabalhadores perderão proteção legal – e podem nem mesmo saber o quão vulneráveis realmente estão.


SOBRE O AUTOR

Jeffrey Hirsch é professor de direito da Geneva Yeargan Rand na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. saiba mais