Liderança emocional em tempos de IA
O que a tecnologia nos tira, em termos de tarefas repetitivas e operações manuais, ela nos devolve em forma de desafio relacional

Nesta segunda metade do ano vejo muitas empresas se aquecendo para o planejamento estratégico com elementos de Inteligência Artificial, por tendência ou sobrevivência de negócio. Mas, se todos vão ter acesso à mesma tecnologia, o que vai diferenciar as empresas não é a IA e sim a qualidade da presença humana. Ou seja: liderar em tempos de IA não é apenas dominar tecnologia, é dominar o vínculo no ambiente de tecnologia, manter a integridade das relações, mesmo quando as mudanças são constantes, e saber regular o seu próprio emocional e o coletivo.
Segundo o World Economic Forum, as competências mais críticas para 2025 são as humanas: empatia, resiliência, pensamento crítico, colaboração. A Gallup mostra que times com líderes emocionalmente inteligentes têm até 4 vezes mais engajamento. E a Deloitte já apontou que saúde mental é um dos principais critérios de retenção de jovens talentos. Isso quer dizer que a presença emocional do líder, que antes era considerada “intuição” ou “característica pessoal”, agora virou ativo estratégico.
Em outras palavras, o que a tecnologia nos tira, em termos de tarefas repetitivas e operações manuais, ela nos devolve em forma de desafio relacional: mais ambiguidade, mais decisões difíceis, mais necessidade de escuta, mais conversas e mais demanda por líderes inteiros. Se tem algo que a IA está nos forçando a fazer, é revisitar o que significa liderar não como um cargo, mas como uma capacidade de sustentar processos humanos em meio à incerteza tecnológica.
Ao mesmo tempo em que a tecnologia força transformações organizacionais, seguimos deixando de lado esta transformação muito mais antiga e urgente: aquela que envolve a inteligência emocional e a capacidade relacional das pessoas dentro das empresas. O que estamos há anos tentando mudar (e que, por algum motivo, resiste à mudança) é o modo como cuidamos do que sustenta qualquer processo de inovação: gente em condições de existir, de colaborar, de pensar junto, de sustentar ambiguidade sem colapsar. Por isso o conceito de liderança emocional se encaixa muito bem agora.
Mas afinal, o que é liderança emocional? Como define o escritor indiano Neeraj Ashok Sharma (no recém-lançado Emotional Leadership, 2024), “liderança emocional não é sobre ser passivo, “fofo” ou sentimental demais. É sobre ser humano com maturidade emocional.” Significa reconhecer e regular as próprias emoções, perceber o que se passa nos outros, sustentar conversas difíceis sem se blindar e construir vínculo mesmo em ambientes de alta pressão. Para ele, “ser emocional não é fraqueza, é sua maior força como líder”. É isso que torna um líder capaz de manter a coesão do time quando tudo muda a sua volta.
A IA é poderosa e veio para ficar, mas sozinha ela (ainda) não sente desconforto numa reunião. Não capta quando um time está emocionalmente exausto. Não mede o impacto de uma demissão mal feita num grupo que já perdeu a confiança. Não faz alianças informais nem constrói pertencimento.
Então a grande pergunta, neste caso, não é se sua empresa está preparada para a IA. Talvez a pergunta mais honesta e estratégica neste momento seja: quem aí dentro está preparado para sustentar o que a IA não entrega? Liderar, daqui pra frente, é muito menos sobre saber tudo e muito mais sobre suportar o que ninguém sabe com clareza, com ética e com gente junto. E se isso ainda parece secundário, vale lembrar: empresas que ignoram a saúde mental hoje não vão ter capital emocional para atravessar o que vem amanhã. E não vai ser a tecnologia (ao menos não sozinha) que vai resolver isso.