Líderes são formados ou já nascem prontos? A ciência diz: as duas coisas

Pesquisas indicam que a liderança é resultado de uma combinação entre biologia, ambiente e aprendizado. E que ninguém nasce pronto para comandar

menino vestido de executivo atende o telefone
Crédito: Freepik

Tomas Chamorro-Premuzic 4 minutos de leitura

As pessoas são fascinadas por liderança, e com razão. A maioria dos “grandes acontecimentos” do mundo, bons ou ruins, pode ser diretamente ligada às decisões e comportamentos de quem está no comando: presidentes, primeiros-ministros, CEOs, executivos ou qualquer pessoa responsável por transformar um grupo em uma equipe de alto desempenho, coordenar atividades e moldar o impacto das instituições sobre a sociedade e os indivíduos.

Pesquisas apontam que até 40% da variação no desempenho de equipes e organizações pode ser explicada pela atuação do líder. Em outras palavras: quem colocamos no comando, ou quem emerge naturalmente como líder, influencia drasticamente o destino dos demais.

Isso levanta a pergunta central: como e por que algumas pessoas se tornam líderes? E, talvez a mais antiga de todas: líderes já nascem assim ou são formados com o tempo?

A resposta é “um pouco dos dois”. É o que costuma acontecer na psicologia.

Vamos começar pela parte da formação, que é a que provavelmente terá mais ressonância com as opiniões do público em geral.

1. O ambiente molda o caráter e a competência

O ambiente de formação, especialmente na infância, tem papel decisivo na construção das atitudes, motivações e hábitos que sustentam a liderança.

liderança conhecimento

Pais que apoiam, boa educação, exposição precoce à responsabilidade, convivência em comunidades estimulantes e oportunidades para tomar decisões desenvolvem habilidades básicas de liderança, como autocontrole, curiosidade, assertividade e empatia. Por outro lado, a adversidade pode criar resiliência, independência e determinação.

Ou seja, o potencial de liderança costuma germinar no terreno das experiências iniciais, mas é impossível prever com certeza o rumo que esse desenvolvimento vai tomar – que é o que torna a vida interessante (e divertida).

2. A competência legitima a liderança

Ninguém quer seguir um líder que não sabe do que está falando. Por isso, o conhecimento técnico é essencial para a legitimidade. Não é possível liderar uma equipe de tecnologia sem entender de tecnologia, nem comandar um departamento de marketing sem compreender clientes e marcas.

ícone de pensamento criativo com uma lâmpada saindo de uma cabeça

A expertise gera credibilidade e a credibilidade atrai seguidores. É por isso que grandes técnicos de futebol dificilmente teriam sucesso como CEOs, e mesmo os melhores líderes militares talvez não se saíssem bem fundando startups.

Carisma e confiança podem chamar atenção, mas liderança sustentável depende de competência comprovada, algo que se aprende, não se herda.

3. A personalidade evolui com a experiência

Traços como curiosidade, estabilidade emocional e consciência – todos fortes indícios de eficácia em liderança – podem ser aprendidos, pelo menos em parte. Eles evoluem com as experiências de vida, o feedback e o aprendizado.

O chamado “lado luminoso” da personalidade (ambição, sociabilidade, diligência) e o “lado sombrio” (narcisismo, impulsividade, arrogância) refletem uma combinação entre predisposições inatas e reforços do ambiente.

A primeira década de vida é particularmente decisiva, mas o desenvolvimento continua ao longo da vida adulta. Assim, a personalidade define o palco; a experiência escreve o roteiro.

4. A liderança é parcialmente hereditária

Pesquisas em genética comportamental, especialmente com gêmeos, mostram que a liderança não é inteiramente aprendida. Entre 30% e 60% da variação em quem se torna líder pode ser atribuída a fatores genéticos.

Estudos da Universidade Nacional de Cingapura indicam que gêmeos idênticos, mesmo criados separadamente, têm muito mais probabilidade de ocupar cargos de liderança do que gêmeos fraternos.

Isso não significa que a liderança seja predeterminada, mas sugere que algumas pessoas nascem com predisposições psicológicas e biológicas – como alta energia, extroversão ou tolerância ao risco – que aumentam suas chances de assumir o comando.

5. Inteligência e personalidade são fortemente genéticas

Dois dos mais poderosos preditores de liderança – inteligência cognitiva e personalidade – têm forte base genética.

imagem estilizada de engrenagens no lugar do cérebro

Décadas de pesquisa do psicólogo Robert Plomin indicam que cerca de 50% da variação tanto no quociente de inteligência (QI) quanto nos traços de personalidade pode ser explicada pela hereditariedade.

Como esses fatores influenciam quem se torna líder e quão eficaz será, é razoável concluir que parte da liderança está literalmente no DNA. Cérebros importam: pessoas mais inteligentes e emocionalmente estáveis tendem a tomar melhores decisões, lidar melhor com o estresse e inspirar confiança, todas qualidades que atraem seguidores.

6. As vantagens (injustas) do nascimento

Há também uma verdade desconfortável: classe social, privilégio e fatores demográficos como gênero, raça e aparência influenciam as oportunidades de liderança.

líderes nascem

Pessoas altas, bem-apessoadas, articuladas e vindas de contextos socioeconômicos mais altos têm mais chances de ser vistas como “material de liderança”, independentemente de sua competência real.

Essas vantagens não são conquistadas, mas influenciam fortemente as trajetórias de liderança. A natureza define o bilhete da loteria; a sociedade decide seu valor.

Com riqueza vêm as oportunidades e o acesso a posições de comando. Assim, embora a natureza não seja destino, ela pode ampliar ou restringir as oportunidades.

NASCIDOS E FORMADOS

A ciência da liderança mostra que ela é, ao mesmo tempo, inata e construída.

A genética nos dota de características predisposições – inteligência, temperamento, até aparência – que podem facilitar ou dificultar a ascensão. Mas é o ambiente, com aprendizado, experiências e oportunidades, que transforma o potencial em desempenho real.

Em outras palavras, liderança é o encontro entre potencial e oportunidade. Não podemos escolher as cartas genéticas que recebemos, mas certamente podemos aprender a jogá-las melhor.


SOBRE O AUTOR

Tomas Chamorro-Premuzic é diretor de inovação do ManpowerGroup, professor de psicologia empresarial na University College London e na ... saiba mais