Mães se sentem culpadas, mas quem disse que é possível dar conta de tudo?

O mais importante é entender que o problema não está em você – é estrutural

mãe trabalhadora com bebê no colo
Crédito: Monkey Business Images/ Getty Images

Jessica Wilen 4 minutos de leitura

A expressão “culpa materna” é tão comum que muitas vezes nem paramos para pensar no que ela realmente quer dizer – ou por que parece tão difícil de evitar.

É aquela sensação persistente e incômoda que muitas mães conhecem bem: a de que nunca estão fazendo o bastante. De que não são presentes o suficiente, nem amorosas, pacientes ou criativas o suficiente. É a impressão constante de estar falhando – mesmo quando estão dando tudo de si.

Mas e se essa culpa não tiver a ver só com decisões individuais? E se ela não for sinal de um falha pessoal, mas o reflexo de algo muito maior – como pressões culturais, expectativas históricas e falhas estruturais que moldam o que esperamos das mães hoje?

Este artigo propõe um novo olhar para a culpa materna: não como um problema das mulheres, mas como um sintoma de uma sociedade que exige demais, oferece pouco e ainda faz as mães se sentirem mal por não conseguirem dar conta de tudo.

UMA CULPA CONSTANTE

Do ponto de vista psicológico, a culpa é uma emoção moral – ela surge quando achamos que fizemos algo de errado e queremos corrigir. Mas, no caso da culpa materna, raramente há um erro específico. É mais uma sensação vaga, constante e pesada de que algo está sempre faltando.

Por ser tão difusa e persistente, talvez essa culpa não seja só um sentimento individual, mas um padrão coletivo – quase como parte do “clima” cultural em que vivemos.

O teórico da cultura Raymond Williams chamava isso de “estrutura de sentimento”: algo que não está escrito em lugar nenhum, mas que influencia a maneira como nos sentimos e nos comportamos, de forma sutil e contínua.

Nesse sentido, a culpa materna não é algo que as mulheres simplesmente sentem – é algo que aprendem a sentir.

DE ONDE VEM TANTA COBRANÇA?

Para entender de onde vem essa sensação de culpa, é preciso olhar para como a imagem da “boa mãe” foi construída na cultura ocidental.

Depois da Segunda Guerra Mundial, o modelo idealizado de mãe era o da dona de casa em tempo integral: casada com um provedor e totalmente dedicada aos filhos. Seu trabalho era invisível, mas visto como essencial – e seu valor vinha do sacrifício pessoal.

Nos anos 1990 e 2000, esse ideal evoluiu para o que a socióloga Sharon Hays chamou de “maternidade intensiva”: mães que deveriam estar 100% disponíveis emocionalmente, cuidar de cada detalhe do desenvolvimento dos filhos, seguir à risca os conselhos dos especialistas e abrir mão das próprias necessidades. Mesmo com mais mulheres no mercado de trabalho, esse novo modelo continuava exigindo uma dedicação total. 

mãe trabalha na mesa da sala ao lado de dois filhos fazendo o dever de casa
Crédito: Drazen Zigic/ Freepik

O resultado? Muitas mães se viram tentando equilibrar exigências conflitantes: ser altruísta e bem-sucedida, estar sempre presente e, ao mesmo tempo, ser independente. A culpa, nesse contexto, não indica falha – é apenas a resposta emocional de quem está sendo cobrada a fazer o impossível.

Quando mães se sentem exaustas, a resposta que escutam é: “tente mais. Seja grata. Encontre equilíbrio”. Isso reflete uma lógica cultural que culpa o indivíduo por problemas estruturais – e diz que tudo se resolve com autocuidado, não com mudanças coletivas.

É nesse contexto que a culpa materna se instala. Ela transforma problemas sociais em responsabilidades individuais. Faz com que as mulheres se culpem em silêncio, em vez de questionar o sistema que as sobrecarrega.

A CULPA TEM GÊNERO

Vale lembrar: a culpa não é distribuída igualmente. Pais – principalmente em casais heterossexuais – raramente são criticados por trabalharem demais ou por tirarem um tempo para si. Quando participam da criação dos filhos, muitas vezes são elogiados por “ajudar”.

a culpa materna transforma problemas sociais em responsabilidades individuais.

Já as mães são constantemente cobradas para viver em função das crianças, cuidar de todos os aspectos da vida delas – inclusive das emoções. A socióloga Arlie Hochschild chama isso de “trabalho emocional” – o esforço invisível de cuidar do bem-estar dos outros.

Dentro das famílias, esse trabalho costuma recair sobre as mulheres. E quando elas não dão conta, sentem culpa – não só pelo que fizeram ou deixaram de fazer, mas pela falta de paciência, pela ausência ou até por não se sentirem totalmente felizes nessa função.

O QUE FAZER COM A CULPA MATERNA?

Em vez de dizer para as mães simplesmente “superarem” a culpa, talvez devêssemos nos perguntar: para que ela serve? Quem ganha com isso?

A culpa materna não é só um sentimento – é um mecanismo de controle. Ela mantém as mulheres tentando alcançar padrões impossíveis, caladas sobre suas necessidades e presas a uma lógica que só olha para o esforço individual. A culpa impede que questionem um sistema que claramente não funciona.

Crédito: Kate Mangostar/ Freepik

Não existe solução mágica. Mas dar nome ao que sentimos já é um bom começo. Quando a culpa surgir, vale parar e refletir:

  • De onde vem essa ideia de que eu “deveria” fazer isso?
  • De quem são essas expectativas que estou tentando atender?
  • O que eu precisaria, de verdade – como pessoa e como parte da sociedade –, para me sentir menos dividida?

Essas perguntas não eliminam a culpa, mas ajudam a diminuir seu poder. E, aos poucos, mudam a narrativa – de uma história de fracasso pessoal para uma jornada de consciência coletiva e cuidado mútuo.


SOBRE A AUTORA

Jessica Wilen é coach executiva e criadora da newsletter "A Cup of Ambition" (Uma xícara de ambição), que aborda temas como parentalid... saiba mais