Mais do que jargões de negócios: bem-vindo à economia da identidade

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Cerca de uma década atrás, pude perceber uma metamorfose das discussões com meus pacientes de psicoterapia, especialmente entre aqueles do mundo corporativo. Eles ainda queriam falar mais sobre os assuntos da minha área de especialização — amor, intimidade, infidelidade e comunicação — mas o contexto se expandiu. As palavras que costumavam estar associadas ao relacionamento do paciente consigo mesmo, com o cônjuge, a família ou amigos, ganharam novas dimensões. Confiança, limites e traição agora incluem colegas de trabalho, co-fundadores, líderes e sócios.

“Além de financiar as necessidades básicas, as pessoas trabalham com uma visão de autorrealização, propósito e crescimento”

Desentendimentos no trabalho não são novidade. Só que as pessoas começaram a articular novas tensões, não apenas entre elas e os outros… mas dentro de si mesmas. A empresa se preocupa com o meu crescimento? A lealdade é recíproca? As políticas de inclusão fazem eu me sentir incluído? E, mais importante, querem gerar lucro ou querem gerar significado? Por falar nisso, consigo as duas coisas onde estou trabalhando nesse momento ou em outra empresa?

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Logo notei — palestrando, sobretudo, em empresas de tecnologia e RH — que uma revolução paralela estava ocorrendo nos locais de trabalho em todo o país. Em 2021, falamos sobre segurança psicológica e vendas trimestrais na mesma conversa. Reuniões da empresa cobrem produtos, pessoas e lucros, da mesma forma que a missão contínua de mudar o mundo. Sem esse último item crucial, como profissionais saberão se seu trabalho é importante e se estão destinados a ocupar exatamente esse lugar? O papel da identidade e dos relacionamentos profissionais é fundamental para trazer respostas novas e executáveis a essa pergunta no futuro do trabalho.

“O futuro do trabalho reconhece que a missão de “mudar o mundo” não significa nada se a liderança não está disposta a reverter essa lógica”

Nesta era corporativa, além de financiar as necessidades básicas, as pessoas trabalham com uma visão de autorrealização, propósito e crescimento. As necessidades existenciais que costumavam ser atendidas pelas estruturas religiosas e tradicionais — como identidade, significado e pertencimento — agora são promovidas pelo vínculo empregatício. É exatamente por isso que os profissionais desempregados no último ano vivenciaram não só uma perda de renda e segurança, mas também uma perda de si mesmos.

O que fazemos muitas vezes se funde com quem somos, e o trabalho é uma parte essencial da identidade. O início da pandemia em 2020 também expôs, de forma mais ampla, o quanto a identidade sempre foi uma questão central da experiência de trabalho — porque raça, etnia, gênero e classe favorecem quem “pertence”, “merece” ou progride. O futuro do trabalho reconhece que a missão de “mudar o mundo” não significa nada se a liderança não está disposta a reverter essa lógica.

Nos próximos anos, todos os aspectos da dinâmica relacional estarão sob um microscópio. Para reter funcionários talentosos, as empresas precisarão fornecer oportunidades de crescimento e estruturas que ajudem os colaboradores a conciliar uma série de necessidades aparentemente conflitantes: dinheiro e significado, autonomia e pertencimento, flexibilidade e estabilidade. Meu podcast How’s Work? coloca em foco essas dualidades, e algumas delas tendem a ser mais evidentes para as gerações mais jovens, geralmente desafiando seus líderes.

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Profissionais querem um lugar onde possam crescer e se desenvolver pessoalmente, bem como pertencer a uma comunidade. É sobre trabalhar de qualquer lugar e fazer parte de um destino em comum. Doenças, perdas, autocuidado e vida parental afetam o temperamento e a disponibilidade de uma pessoa. Líderes precisam legitimar grandes acontecimentos sociais, pois formam uma linha direta com a capacidade momentânea de focar e ser produtivo.

Para as empresas, isso significa capacitar gestores em inteligência emocional. Líderes que enxergam seus colaboradores como seres humanos no todo, são capazes de criar um local de trabalho realmente funcional, e fazer perguntas que refletem essa visão apropriadamente. Quais são seus objetivos? Como posso ajudá-lo a realizá-los? O que torna difícil trabalhar aqui?

Porém, apenas falar não é suficiente (nunca foi). Essas conversas precisam ser frequentes e as decisões devem ser ancoradas por ações reais — dinheiro, acompanhamento de carreira, promoções, equidade e relacionamentos duradouros e impactantes. O engajamento e o comprometimento dos funcionários serão negociados em todos os lugares, portanto, cabe às empresas promover um ambiente onde os colaboradores queiram permanecer e crescer. O desafio será ficar tempo o suficiente para experimentá-lo.

As pessoas costumavam se divorciar porque não eram felizes; agora elas terminam casamentos porque poderiam ser mais felizes. A mesma mudança está acontecendo no âmbito corporativo. Muitos dos questionamentos que faço sobre relacionamentos podem ser aplicados no futuro do trabalho. Ao assessorar empresas, sempre pergunto para as equipes se inteligência relacional é soft ou hard skill. Eles normalmente respondem: “O que é isso?”

É uma resposta compreensível. A inteligência relacional trata de como nos conectamos aos outros, conquistamos confiança, superamos ciladas ou evitamos conflitos. Ao contrário do desempenho e da produtividade, os relacionamentos são muito mais difíceis de mensurar, manter e reparar. E quando surge um obstáculo, cabe à cultura corporativa incitar curiosidade e colaboração.

Estamos no início de uma longa jornada onde a identidade é valorizada tanto quanto, senão mais, do que seu termo irmão “marca”. Autenticidade, confiança, empatia, engajamento e transparência são mais do que jargões de negócios, e as empresas e profissionais que reconhecerem isso provavelmente serão bem sucedidos no futuro. O novo local de trabalho é posicionado ao redor de qualidades que criam experiências significativas e transformadoras.


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